Samuel de Paiva Pires
É indispensável ler A
Tragédia do Euro de Philipp Bagus (já nas bancas a edição
portuguesa) para perceber a ironia da História que é a moeda única ter sido
o preço imposto por Miterrand a Kohl pela reunificação alemã, tentando os
franceses, desta forma, contrariar a hegemonia económica e monetária da
Alemanha e impedir que esta se tornasse novamente demasiado forte no contexto
da hierarquia das potências europeias, para agora o euro ser precisamente o
instrumento político que permite à Alemanha fazer dos franceses o que quer e
vir a controlar cada vez mais toda a UE. As lições da História e da Geopolítica
parecem ser algo que não assiste a muita gente. No contexto dominado pelo
economês em que vamos vivendo, onde muitos vociferam violentamente contra o
mercado e os especuladores, parece que pouca gente se recorda do processo de
unificação alemã no séc. XIX, do aparecimento de Bismarck e da crença deste
que, citando Políbio Valente de Almeida, "a hegemonia germânica podia ser
aceite pelos outros estados através de uma negociação moderada e
credível", e das consequências da paz de Versailles que Lord Keynes bem
assinalou que acabariam por levar a outro desastre. Quem não percebe que a
humilhação da Alemanha e a tentativa de lhe colocar amarras está e estará
sempre fadada ao fracasso, dado não só o carácter dos alemães - uma nação que
no espaço de um século provoca duas guerras mundiais e recupera o seu país das
cinzas em tempo recorde, elevando-o a potência dominante no espaço europeu e
mundial, é, de facto, uma nação com uma certa superioridade - mas também a sua
posição geopolítica - convém recordar a Escola Alemã de Geopolítica promovida
por Karl Hausofer, que teorizou sobre a noção de Heartland desenvolvida
por Mackinder, encontrando-se a Alemanha no Heartland da Europa
Ocidental, e o célebre espaço vital ou Lebensraum, assim como a ideia de
Mackinder que uma Alemanha aliada da Rússia controlaria o mundo, não senso
despiciendo referir as boas relações existentes entre os dois países -
não percebeu ainda o que se está a passar. Permitam-me conjecturar que talvez
não haja uma reacção lenta da Alemanha à crise.
Ao contrário do que muitos
poderíamos pensar, parece-me cada vez mais que Angela Merkel tem estado a
colocar em ponto de rebuçado a restante Europa, preparando-se para devolver as
vinganças e humilhações que foram impostas aos alemães. Atenção que não estou a
falar em teorias da conspiração. As circunstâncias e os acasos que nos
trouxeram até aqui são, certamente, fortuitos e o resultado não desejado das
intenções e políticas de muitos líderes europeus. Mas a Alemanha saberá, com
toda a certeza, aproveitar as oportunidades que lhe são servidas de bandeja.
Talvez muitos analistas, especialmente aqueles que têm orgasmos intelectuais
quando falam dos BRIC, estejam enganados quanto à ascensão destes ao longo do
presente século, a par com o declínio americano e europeu. Diz-me a minha
intuição que as próximas décadas serão talvez as da ascensão da Alemanha ao seu
lugar natural, de potência mundial, não só a nível económico mas também
político e militar. Queriam alta política e liderança? Aí a têm.
Título e Texto: Samuel de Paiva Pires, no blogue "Estado Sentido", 04-12-2011
Colaboração: Ari
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