Carlos Alberto Sardenberg
Conhecem a cidade de Luís
Eduardo Magalhães, no Oeste da Bahia? Pois é um polo agropecuário e industrial
de nível global. Ali se produz algodão, por exemplo, com a maior produtividade
do mundo em plantio não irrigado.
Estive lá há duas semanas,
período de colheita, em um momento ruim, por falta de chuvas. Há quebra de
safra. Mas topei com muitos estrangeiros, executivos de vários países que
estavam lá para negociar contratos de compra. Os produtores locais são
conhecidos no mercado internacional pela pontualidade e rigor na entrega. Vai
daí, conseguem contratos de longo prazo, o que minimiza os problemas de uma
safra ruim.
E tudo sem governo, comenta o
pessoal de lá. Foi assim mesmo que a região se desenvolveu, inclusive com a
recuperação do algodão. Esse cultivo estava praticamente morto no Brasil,
quando foi restabelecido por agricultores de Luís Eduardo e Rondonópolis, esta
no Mato Grosso, com base em genética e tecnologia de ponta. Esses agricultores
vieram principalmente do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.
Saindo do nada, ali desenvolveram o terreno e novas modalidades.
A cidade baiana ainda não é
muito grande, mal passou dos 50 mil habitantes, mas sofre, na sua escala, os
problemas de uma metrópole congestionada. Tem trânsito, falta infraestrutura na
cidade e nas áreas produtivas.
Ou seja, a iniciativa privada
toca os negócios, o governo não ajuda. Não faz nem deixa fazer. Ali, como em
diversos outros polos dinâmicos, há empresas privadas dispostas a investir em
rodovias, aeroporto, via fluvial e porto (no Rio São Francisco). Mas dependem
de concessões, que simplesmente não saem.
É exatamente igual à situação
que encontrei recentemente em Foz de Iguaçu (PR), turismo, e São José dos
Campos (SP), centro industrial de ponta. Projetos de aeroportos privados estão
praticamente prontos, incluindo o financiamento, aguardando as decisões do
governo federal. Pessoas envolvidas contam que há anos buscam autorização para
fazer até mesmo simples obras paralelas, como a ampliação de estacionamentos, e
topam com burocracias e má vontade dos funcionários do governo federal.
Em Luís Eduardo, construíram
um aeroporto assim, digamos, meio na marra, em propriedade particular. Está lá,
novinho, mas não dá para replicar essa solução em cidades com necessidades maiores.
A ministra do Planejamento,
Miriam Belchior, disse, nesta semana, que o governo anunciará em agosto um
grande programa de concessões de aeroportos, ferrovias, rodovias e usinas de
eletricidade. É positivo, mas em termos. Será um anúncio de intenções, porque a
partir daí se iniciará o processo que leva até a licitação e entrega das obras
às empresas privadas.
É nisso que o governo se
atrasa. E está aí uma das causas do baixo nível de crescimento do país, a falta
de investimentos em infraestrutura. Não é uma coisa do outro mundo, há modelos
já testados no Brasil e em outros países.
Se demora tanto, isso é um
sinal de incompetência, mas também de restrições e resistências que partem da
máquina governamental e dos políticos no poder. Alguns são contra as
privatizações por razões ideológicas. Outros, a maioria, porque precisam de
cargos nas estatais e na administração para nomear e contratar.
Difícil superar essa
combinação.
(Em tempo: perguntei aos
luiseduardenses se estavam confortáveis com o nome da cidade. Responderam: era
pior Mimoso do Oeste).
DUPLO CALOTE
O banco ou a empresa concede crédito
ao cliente. Este não paga, o caso vai para a Justiça. Quanto o credor consegue
recuperar no Brasil? Menos de 20% do dinheiro emprestado.
Na Inglaterra, o credor pega
de volta quase 100%. Dirão: mas é um país desenvolvido, com um sistema
judiciário tradicional. Pode ser, mas na Colômbia, aqui ao lado, na Coreia do
Sul e Taiwan, o nível de recuperação é de quase 90%.
O dado consta da pesquisa
"Fazendo Negócios", do Banco Mundial. Acrescentamos: na concessão do
crédito, banco ou empresa recolhem impostos elevados, isso aqui no Brasil.
Quando o devedor não paga, o credor tem que pedir ao governo a devolução do
imposto já recolhido. Já perceberam. Se der tudo certo, o credor recebe parte
do IR, no mínimo um ano depois de solicitado.
Ou seja, é um duplo calote.
Carlos Alberto Sardenberg, O Globo, 12-7-2012
Escreve (e descreve) Otacílio:
Conheço muito bem esta
história pois participei dela. O artigo do Sardenberg mostra apenas um
pedacinho do problemão que é este desgoverno petista que veio mostrar ao mundo
apenas uma coisa: o Brasil é um país fantástico que funciona mesmo sem governo
e até mesmo com um governo que só atrapalha.
Em 1974 eu fui à Barreiras, no
oeste baiano, para ver se aquela cidade comportava uma agência do Bradesco,
banco do qual eu era o coordenador regional na Bahia. Não gostei do que vi.
Cidade pequena de uns 25 mil habitantes perdida no meio do oeste às margens do
Rio Grande, maior afluente do São Francisco. Não vi nenhum sinal de progresso e
percebi que a economia local se baseava numa agropecuária incipiente e a vida
corria com a mesma placidez do belo Rio Grande. Três bancos já tinham ali se
instalado: Banco do Brasil, Banco do Estado da Bahia e Banco Econômico. Não
cabia mais um.
Concluída a pesquisa, decidi
retornar no dia seguinte logo cedo. Teria que percorrer de carro 810 km. de
estrada, sendo que 210, até Ibotirama, era de barro em péssimas condições.
Gastava-se neste percurso o mesmo tempo para percorrer os 600 km. seguintes,
asfaltados e em boas condições.
Fui dar uma volta pela cidade
com o meu companheiro de viagem, o colega Bráulio de Brito. Paramos num bar no
centro da cidade para tomar umas cervejas e lá encontramos um funcionário da
prefeitura que nos forneceu dados sobre a cidade e que nos convidou à sua mesa.
Em dado momento, entra um cidadão de uns 35 anos, gordinho, simpático, olha em
volta e quando viu o rapaz da prefeitura se dirige à nossa mesa, dá boa noite e
pergunta ao rapaz:
- Eu soube que tem um pessoal
do Bradesco na cidade fazendo um estudo para ver se a cidade comporta uma
agência. Você sabe me informar como posso encontrá-los?
- Está diante deles, seu
Carlos.
E nos apresentou a Carlos
Braga, o maior empresário da cidade e o homem mais rico da região. Sentou-se
conosco, olhou para mim e falou:
- Qual a conclusão do seu
estudo?
- Infelizmente negativa. A
cidade não comporta mais uma agência bancária.
- Quando retorna à Salvador?
- Amanhã logo cedo.
- Então tenha a gentileza de
me acompanhar pois eu tenho uma coisa para lhe mostrar antes que retorne.
E seguimos todos até sua casa,
por sinal uma bela casa num bairro um pouco afastado do centro, e lá, num amplo
e bem mobiliado escritório, mes mostrou um mapa pendurado na parede que era a
planta baixa de um loteamento, e passou a nos explicar:
- Esta área situa-se no cerrado
entre os municípios de Barreiras e São Desidério. São 180 mil hectares que eu
dividi em lotes de 2 a 5 mil hectares para vender. Mandei fazer estudo do solo
e levei o resultado com cópias deste mapa que deixei com diversas corretoras de
imóveis de Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba.
Eu estava sem entender muito
bem e lhe perguntei:
- A que se prestam essas
terras?
- Para o plantio de soja,
algodão e arroz. Toda a região é rica em água pois é cortada por vários rios. O
solo é fraco mas pode ser corrigido facilmente com calcáreo e adubo. Vai ser a
redenção da lavoura baiana e fator de desenvolvimento para o oeste do Estado.
Estou vendendo estes lotes a um preço muito barato e quero atrair gente do sul
que sabe trabalhar com esse tipo de agricultura. Eu quero transformar Barreiras
no maior polo de desenvolvimento agrícola do nordeste.
A minha ficha caiu e eu
percebi que estava diante de um visionário que se expressava com grande
segurança e que acreditava piamente no que dizia. Fez-me então um convite:
- Gostaria que ficasse mais um
dia aqui e eu lhe convido para irmos amanhã conhecer o cerrado e este
loteamento. E quero convidá-lo para jantar comigo e minha família.
Não tive como recusar mesmo
porque o sujeito já tinha me cativado com sua simpatia e o modo otimista como
falava. Nos levou para uma ampla varanda da casa, nos apresentou sua esposa e
filhos e logo fomos servidos com um excelente wiskey. Mais tarde tivemos um
ótimo e agradável jantar e depois ficamos conversando até altas horas. Combinamos
sair no dia seguinte bem cedo em direção ao cerrado que me causava curiosidade.
A visão do cerrado me deixou
simplesmente de queixo caído! Nunca antes tinha visto tal paisagem. Plano como
uma mesa de bilhar, vegetação rasteira e rala e habitado por diversas espécies
como emas, siriemas, veados, diversas espécies de pássaros, cobras e outros
animais que fugiam com a nossa presença. A sensação que tive foi de que estava
numa savana africana. Percorremos quilômetros e quilômetros por estradinhas de
terra e não conhecemos nem um quarto de toda a área. Olhando o horizonte, dava
para perceber a curvatura da Terra. Fiquei fascinado!
Na volta, ele sugeriu
passarmos por Mimoso do Oeste, uma pequena povoação na beira da estrada que vai
para Brasília com um posto de gasolina, uma churrascaria, uma borracharia e
meia dúzia de casinhas. Neste local foi construída a cidade de Luis Eduardo Magalhães.
Veja aqui:
Almoçamos na churrascaria do
posto e depois fomos conhecer a Cachoeira do Acaba Vida, uma queda d'água de
beleza impressionante em pleno coração do cerrado. O Rio Branco, que corre
mansa e placidamente pela planície, de repente despenca numa depressão de 80
metros fazendo uma barulhão impressionante. Meu deslumbramento aumentou. Veja
aqui:
No final da tarde retornamos à
Barreiras, onde chegamos ao anoitecer. Carlos nos levou então para sua casa de
campo, às margens do Rio de Ondas onde eu tomei o banho mais gostoso da minha
vida. A frieza da água era compensada por doses de uma cachaça excelente
fabricada na região. Veja aqui:
Depois de me mostrar tudo
isto, Carlos Braga me fez um apelo:
- Traga o Bradesco para
Barreiras que eu lhe garanto que não vai se arrepender. Daqui a dez anos isto
aqui será o maior polo produtor do nordeste, eu garanto.
- Pode contar com isto, eu vou
trazer o Bradesco para Barreiras.
Cumprimos nossas promessas. Eu
levei o Bradesco para Barreiras e Carlos trouxe os gaúchos, paranaenses e
catarinenses que, juntos com os baianos, transformaram o cerrado baiano no
maior celeiro de grãos e algodão do nordeste brasileiro. Hoje até gado estão
criando. Seis anos depois eu estive em Barreiras pela última vez, em 1980, e a
cidade já estava transformada, respirando progresso e desenvolvimento por todos
os lados. Mimoso do Oeste já estava se transformando em uma bela cidade no meio
do cerrado.
Em razão disso, me sinto
também um pioneiro no desenvolvimento da região pois o Bradesco muito
contribuiu para o progresso que se seguiu. Carlos Braga tornou-se um grande
amigo que até hoje lamenta o fato de eu não ter aceitado o seu convite para ir
morar em Barreiras. Colocou à minha disposição tudo o que fosse necessário para
montar ali uma grande empresa e até me ofereceu uma concessionária da GM que eu
recusei. Não sei até hoje se fiz bem ou mal.
O Brasil tem tudo para ser uma
grande nação. Só não tem governos que prestem. Mas mesmo assim, graças à
inciativa privada, vai crescendo, aos trancos e barrancos, é verdade.
Otacílio Guimarães, 14-7-2012
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