domingo, 15 de julho de 2012

E tudo sem governo

Carlos Alberto Sardenberg
Conhecem a cidade de Luís Eduardo Magalhães, no Oeste da Bahia? Pois é um polo agropecuário e industrial de nível global. Ali se produz algodão, por exemplo, com a maior produtividade do mundo em plantio não irrigado.
Estive lá há duas semanas, período de colheita, em um momento ruim, por falta de chuvas. Há quebra de safra. Mas topei com muitos estrangeiros, executivos de vários países que estavam lá para negociar contratos de compra. Os produtores locais são conhecidos no mercado internacional pela pontualidade e rigor na entrega. Vai daí, conseguem contratos de longo prazo, o que minimiza os problemas de uma safra ruim.
E tudo sem governo, comenta o pessoal de lá. Foi assim mesmo que a região se desenvolveu, inclusive com a recuperação do algodão. Esse cultivo estava praticamente morto no Brasil, quando foi restabelecido por agricultores de Luís Eduardo e Rondonópolis, esta no Mato Grosso, com base em genética e tecnologia de ponta. Esses agricultores vieram principalmente do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Saindo do nada, ali desenvolveram o terreno e novas modalidades.
A cidade baiana ainda não é muito grande, mal passou dos 50 mil habitantes, mas sofre, na sua escala, os problemas de uma metrópole congestionada. Tem trânsito, falta infraestrutura na cidade e nas áreas produtivas.
Ou seja, a iniciativa privada toca os negócios, o governo não ajuda. Não faz nem deixa fazer. Ali, como em diversos outros polos dinâmicos, há empresas privadas dispostas a investir em rodovias, aeroporto, via fluvial e porto (no Rio São Francisco). Mas dependem de concessões, que simplesmente não saem.
É exatamente igual à situação que encontrei recentemente em Foz de Iguaçu (PR), turismo, e São José dos Campos (SP), centro industrial de ponta. Projetos de aeroportos privados estão praticamente prontos, incluindo o financiamento, aguardando as decisões do governo federal. Pessoas envolvidas contam que há anos buscam autorização para fazer até mesmo simples obras paralelas, como a ampliação de estacionamentos, e topam com burocracias e má vontade dos funcionários do governo federal.
Em Luís Eduardo, construíram um aeroporto assim, digamos, meio na marra, em propriedade particular. Está lá, novinho, mas não dá para replicar essa solução em cidades com necessidades maiores.
A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, disse, nesta semana, que o governo anunciará em agosto um grande programa de concessões de aeroportos, ferrovias, rodovias e usinas de eletricidade. É positivo, mas em termos. Será um anúncio de intenções, porque a partir daí se iniciará o processo que leva até a licitação e entrega das obras às empresas privadas.
É nisso que o governo se atrasa. E está aí uma das causas do baixo nível de crescimento do país, a falta de investimentos em infraestrutura. Não é uma coisa do outro mundo, há modelos já testados no Brasil e em outros países.
Se demora tanto, isso é um sinal de incompetência, mas também de restrições e resistências que partem da máquina governamental e dos políticos no poder. Alguns são contra as privatizações por razões ideológicas. Outros, a maioria, porque precisam de cargos nas estatais e na administração para nomear e contratar.
Difícil superar essa combinação.
(Em tempo: perguntei aos luiseduardenses se estavam confortáveis com o nome da cidade. Responderam: era pior Mimoso do Oeste).
DUPLO CALOTE
O banco ou a empresa concede crédito ao cliente. Este não paga, o caso vai para a Justiça. Quanto o credor consegue recuperar no Brasil? Menos de 20% do dinheiro emprestado.
Na Inglaterra, o credor pega de volta quase 100%. Dirão: mas é um país desenvolvido, com um sistema judiciário tradicional. Pode ser, mas na Colômbia, aqui ao lado, na Coreia do Sul e Taiwan, o nível de recuperação é de quase 90%.
O dado consta da pesquisa "Fazendo Negócios", do Banco Mundial. Acrescentamos: na concessão do crédito, banco ou empresa recolhem impostos elevados, isso aqui no Brasil. Quando o devedor não paga, o credor tem que pedir ao governo a devolução do imposto já recolhido. Já perceberam. Se der tudo certo, o credor recebe parte do IR, no mínimo um ano depois de solicitado.
Ou seja, é um duplo calote.
Carlos Alberto Sardenberg, O Globo, 12-7-2012

Escreve (e descreve) Otacílio:
Conheço muito bem esta história pois participei dela. O artigo do Sardenberg mostra apenas um pedacinho do problemão que é este desgoverno petista que veio mostrar ao mundo apenas uma coisa: o Brasil é um país fantástico que funciona mesmo sem governo e até mesmo com um governo que só atrapalha.  
Em 1974 eu fui à Barreiras, no oeste baiano, para ver se aquela cidade comportava uma agência do Bradesco, banco do qual eu era o coordenador regional na Bahia. Não gostei do que vi. Cidade pequena de uns 25 mil habitantes perdida no meio do oeste às margens do Rio Grande, maior afluente do São Francisco. Não vi nenhum sinal de progresso e percebi que a economia local se baseava numa agropecuária incipiente e a vida corria com a mesma placidez do belo Rio Grande. Três bancos já tinham ali se instalado: Banco do Brasil, Banco do Estado da Bahia e Banco Econômico. Não cabia mais um.  
Concluída a pesquisa, decidi retornar no dia seguinte logo cedo. Teria que percorrer de carro 810 km. de estrada, sendo que 210, até Ibotirama, era de barro em péssimas condições. Gastava-se neste percurso o mesmo tempo para percorrer os 600 km. seguintes, asfaltados e em boas condições.  
Fui dar uma volta pela cidade com o meu companheiro de viagem, o colega Bráulio de Brito. Paramos num bar no centro da cidade para tomar umas cervejas e lá encontramos um funcionário da prefeitura que nos forneceu dados sobre a cidade e que nos convidou à sua mesa. Em dado momento, entra um cidadão de uns 35 anos, gordinho, simpático, olha em volta e quando viu o rapaz da prefeitura se dirige à nossa mesa, dá boa noite e pergunta ao rapaz:
- Eu soube que tem um pessoal do Bradesco na cidade fazendo um estudo para ver se a cidade comporta uma agência. Você sabe me informar como posso encontrá-los?
- Está diante deles, seu Carlos.
E nos apresentou a Carlos Braga, o maior empresário da cidade e o homem mais rico da região. Sentou-se conosco, olhou para mim e falou:
- Qual a conclusão do seu estudo?
- Infelizmente negativa. A cidade não comporta mais uma agência bancária.  
- Quando retorna à Salvador?
- Amanhã logo cedo.  
- Então tenha a gentileza de me acompanhar pois eu tenho uma coisa para lhe mostrar antes que retorne.  
E seguimos todos até sua casa, por sinal uma bela casa num bairro um pouco afastado do centro, e lá, num amplo e bem mobiliado escritório, mes mostrou um mapa pendurado na parede que era a planta baixa de um loteamento, e passou a nos explicar:
- Esta área situa-se no cerrado entre os municípios de Barreiras e São Desidério. São 180 mil hectares que eu dividi em lotes de 2 a 5 mil hectares para vender. Mandei fazer estudo do solo e levei o resultado com cópias deste mapa que deixei com diversas corretoras de imóveis de Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba.
Eu estava sem entender muito bem e lhe perguntei:
- A que se prestam essas terras?
- Para o plantio de soja, algodão e arroz. Toda a região é rica em água pois é cortada por vários rios. O solo é fraco mas pode ser corrigido facilmente com calcáreo e adubo. Vai ser a redenção da lavoura baiana e fator de desenvolvimento para o oeste do Estado. Estou vendendo estes lotes a um preço muito barato e quero atrair gente do sul que sabe trabalhar com esse tipo de agricultura. Eu quero transformar Barreiras no maior polo de desenvolvimento agrícola do nordeste.
A minha ficha caiu e eu percebi que estava diante de um visionário que se expressava com grande segurança e que acreditava piamente no que dizia. Fez-me então um convite:
- Gostaria que ficasse mais um dia aqui e eu lhe convido para irmos amanhã conhecer o cerrado e este loteamento. E quero convidá-lo para jantar comigo e minha família.  
Não tive como recusar mesmo porque o sujeito já tinha me cativado com sua simpatia e o modo otimista como falava. Nos levou para uma ampla varanda da casa, nos apresentou sua esposa e filhos e logo fomos servidos com um excelente wiskey. Mais tarde tivemos um ótimo e agradável jantar e depois ficamos conversando até altas horas. Combinamos sair no dia seguinte bem cedo em direção ao cerrado que me causava curiosidade.
A visão do cerrado me deixou simplesmente de queixo caído! Nunca antes tinha visto tal paisagem. Plano como uma mesa de bilhar, vegetação rasteira e rala e habitado por diversas espécies como emas, siriemas, veados, diversas espécies de pássaros, cobras e outros animais que fugiam com a nossa presença. A sensação que tive foi de que estava numa savana africana. Percorremos quilômetros e quilômetros por estradinhas de terra e não conhecemos nem um quarto de toda a área. Olhando o horizonte, dava para perceber a curvatura da Terra. Fiquei fascinado!
Na volta, ele sugeriu passarmos por Mimoso do Oeste, uma pequena povoação na beira da estrada que vai para Brasília com um posto de gasolina, uma churrascaria, uma borracharia e meia dúzia de casinhas. Neste local foi construída a cidade de Luis Eduardo Magalhães. Veja aqui:


Almoçamos na churrascaria do posto e depois fomos conhecer a Cachoeira do Acaba Vida, uma queda d'água de beleza impressionante em pleno coração do cerrado. O Rio Branco, que corre mansa e placidamente pela planície, de repente despenca numa depressão de 80 metros fazendo uma barulhão impressionante. Meu deslumbramento aumentou. Veja aqui:


No final da tarde retornamos à Barreiras, onde chegamos ao anoitecer. Carlos nos levou então para sua casa de campo, às margens do Rio de Ondas onde eu tomei o banho mais gostoso da minha vida. A frieza da água era compensada por doses de uma cachaça excelente fabricada na região. Veja aqui:


Depois de me mostrar tudo isto, Carlos Braga me fez um apelo:
- Traga o Bradesco para Barreiras que eu lhe garanto que não vai se arrepender. Daqui a dez anos isto aqui será o maior polo produtor do nordeste, eu garanto.  
- Pode contar com isto, eu vou trazer o Bradesco para Barreiras.  
Cumprimos nossas promessas. Eu levei o Bradesco para Barreiras e Carlos trouxe os gaúchos, paranaenses e catarinenses que, juntos com os baianos, transformaram o cerrado baiano no maior celeiro de grãos e algodão do nordeste brasileiro. Hoje até gado estão criando. Seis anos depois eu estive em Barreiras pela última vez, em 1980, e a cidade já estava transformada, respirando progresso e desenvolvimento por todos os lados. Mimoso do Oeste já estava se transformando em uma bela cidade no meio do cerrado.  
Em razão disso, me sinto também um pioneiro no desenvolvimento da região pois o Bradesco muito contribuiu para o progresso que se seguiu. Carlos Braga tornou-se um grande amigo que até hoje lamenta o fato de eu não ter aceitado o seu convite para ir morar em Barreiras. Colocou à minha disposição tudo o que fosse necessário para montar ali uma grande empresa e até me ofereceu uma concessionária da GM que eu recusei. Não sei até hoje se fiz bem ou mal.  
O Brasil tem tudo para ser uma grande nação. Só não tem governos que prestem. Mas mesmo assim, graças à inciativa privada, vai crescendo, aos trancos e barrancos, é verdade.
Otacílio Guimarães, 14-7-2012

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