Nome de guerra: Janda
Quando começou a trabalhar: em 1959
Onde: Serviços
Aéreos Cruzeiro do Sul e Panair do Brasil
Quando se aposentou?
Voei durante 5 anos. Pois me casei com um
comandante da Panair. Na época não era permitido ficar voando depois de casada.
Tampouco ficar na empresa por mais de dez anos.
A única que conseguiu foi a comissária Edmée.
Quando completou dez anos de voo, foi um acontecimento, saindo até nos jornais.
Depois ela casou-se com o comandante Bungner.
Quando saí da Panair, um ano depois foi decretada
a falência da empresa pelo presidente Castelo Branco.
Não mais trabalhei, pois assim quis o meu marido. Fiquei
em casa criando as minhas duas filhas, Luciana e Marta.
Por que não era permitido
voar por mais de dez anos?
Só jovens bonitas podiam voar…
E por que a comissária Edmée
conseguiu ficar mais de dez anos?
Na Panair ele fez dez anos de voo. Depois, a
Panair fechou.
Depois começaram a estender a idade até trinta
anos, não lembro bem.
Mais adiante, as comissárias casavam, tinham até
direito à licença maternidade. Soube por uma ex-colega que foi para a Varig. E
também elas começaram a voar até os 50 anos!!! Imagina...
Do que mais e do que menos
gostava na profissão?
Eu adorava viajar, dentro do
avião esquecia de tudo o que me incomodava, me sentia literalmente nas nuvens.
Bem, na época, voava no DC-7 e detestava a longa travessia do Atlântico,
pois havia duas tripulações a bordo.
Depois da decolagem, servíamos o jantar aos passageiros, dentro dos
requintes da época. E em seguida eu e os demais tripulantes íamos dormir na
cabine com beliches, e eu vestia
camisola!!!
Ah, mas quando chegava a hora
de despertar para a outra tripulação descansar, nossa! É brincadeira, no melhor
do sono, tinha que acordar. (Sempre fui dorminhoca).
Depois pousávamos na Ilha do
Sal, para o café da manhã. Um calor insuportável. Mas tínhamos uma escala
também em Dakar. Não lembro se primeiro era a Ilha do Sal e depois Dakar, ou
vice versa.
Mas como em todas as viagens,
na chegada ao Hotel Eduardo Vll acabava o sono, rsrsrs.
Tomava um banho e ia para o
cabelereiro e depois almoçávamos num restaurante no Hotel.
Em seguida, eu ia sozinha para
Sintra visitar o Palácio da Pena e ficava por lá, comendo aqueles doces maravilhosos de Portugal.
Mas na volta... na volta... pagava
meus pecados. Era um voo, chamado “Operação Tamanco”, onde trazíamos
portugueses do interior, para trabalhar nas lavouras em São Paulo.
Jim, me perdoe, era um odor
super desagradável, pois os patrícios tinham a mania de tirar os sapatos... não
precisa continuar, né?
Chegando ao Brasil, entrava
uma equipe do Ministério da Saúde para desinfetar o avião e conferir, acho,
vacinas, atestados médicos, etc.
Mas até acabar os
procedimentos, era um Deus nos acuda, para não morrermos sufocados com o
popular ‘chulé’, rsrsrs…
Como sentiu, ou viveu, a
decretação da falência da Panair?
Na verdade fiquei perplexa, sem acreditar.
Só que eu estava ocupada, nos últimos preparos
para o nascimento de minha primeira filha.
Estava exatamente com oito meses de gravidez. A
Panair fechou no dia 10 de fevereiro de 1965, e a minha filha nasceu no mês
seguinte, dia 10 de março.
Eu, pessoalmente, estava muito feliz, pois meu
sogro doou um belo apartamento para o meu marido e custeou todas as despesas
com o parto. Eles tinham uma situação financeira muito boa.
Mas, muitos funcionários da Panair estavam em
situação difícil. Sendo assim, o Luís, meu marido, e o comandante Lauro
Parente, foram ao mercado de atacado São Sebastião, na Avenida Brasil, e
compraram sacos de arroz, feijão, farinha, leite em pó e muitos outros
alimentos não perecíveis e distribuíram na sede da Panair, ali onde hoje é o 3º
Comar, para os funcionários mais pobres. Lembro do funcionário da Escala, o
Aldo, chegou a chorar, recebendo aqueles alimentos.
Tempos depois ele, o Aldo, estava trabalhando no
DETRAN, mas eu não sabia.
Tinha ido lá para fazer a prova escrita, para
tirar a minha carteira de motorista. Eu estava pronta pois tinha estudado
muito. Mas ele veio, com carinho, me entregar uma cola.
Eu ia dizer, não precisa, sei tudo na ponta da
língua, mas deixei ele pensar que estava me ajudando. Naturalmente, esse gesto
foi por causa dos alimentos que distribuímos.
Depois fiquei sabendo do suicídio de um grande
amigo, o comissário Guido, ele enfiou a cabeça no forno e ligou o gás. E outras
tragédias mais…
Bom, acho que por isso não pude mais amamentar a
minha filha, pois o leite virou pedra.
Fiquei impressionada com desespero dos ex-colegas.
Cara, tremenda maldade.
Voltando um pouco atrás, eu soube da falência da
Panair, pelo Jornal da TV na época, acho que era o Repórter Esso. E o Luís se
encontrava em Belém, sem poder sair, pois os créditos tinham sido todos cortados.
Eles, a tripulação, estavam sem chão, não sabiam o
que estava, de fato, acontecendo.
Meu marido então, reuniu a tripulação e fizeram
uma vaquinha, para comprar o combustível e assim eles chegaram ao Rio de
Janeiro.
Guardou mágoa da Varig que
ficou com o espólio da Panair?
No princípio sim, mas já esqueci há muito. Mas muitos funcionários morreram sem perdoar a
Varig, o Brigadeiro Eduardo Gomes, o Castelo Branco e o Ruben Berta.
Alguns funcionários, principalmente pilotos, entre eles o Bungner, já
sabiam e estavam prontos para viajar a serviço da Varig.
Um mecânico de voo escreveu um livro e entregou todos. Nenhum replicou,
ficaram caladinhos. Tenho o livro aqui comigo, chama-se Nas
ASAS da PANAIR, de Theophilo E. de
Abreu Júnior, impresso na gráfica do Sindicato Nacional de Aeronautas,
em 2000. Era um dos meus tripulantes prediletos.
Mais tarde, meu marido, que era muito malquisto, pois era brigão e tinha um temperamento forte e esnobe, devido à educação muito rígida, seguiu para os Estados Unidos e estudou no Texas, em Santo Antonio. Pra mim, foi muito determinado. Mas ficou revoltado.
Te conto isso por quê? Seus colegas da Panair puxaram seu tapete e assim
não conseguiu ir para a TAP, SWISSAIR, entre outras… Mas era um excelente
profissional.
Como ele ainda não era do DC-8, entrou na Varig pelas mão de um parente,
o Fernando Osório que era o maior acionista da Varig. Ficou voando durante
cinco anos no Hirondelle, fazendo Rio/São Paulo. Mas já estava cheio dessa
rota. Aí me disse, vou fazer uma besteira e encerrar a minha carreira na
aviação, pediu ao Fernando Osório para ser rebaixado e voar no DC8, como mecânico
de voo!! Assim fez e depois pediu demissão.
Tempos depois, seus colegas, entre eles o Comandante Calainho, foram
promovidos a comandantes de jato. Está escrito.
Isso foi aos poucos acabando com a saúde dele. De repente apareceu um câncer
nos rins, vindo a falecer três meses depois.
Antes da doença, queria fazer alguma coisa por ele. E ajudada pelo
Calainho, consegui uma boa pensão de ex-combatente.
Era uma pessoa apaixonada pelo esporte, jogava tênis diariamente no Clube
Naval, praticava caça submarina na cabana que tínhamos em Angra. Sempre foi
muito esportista: kart, corrida de carros e mais e mais.
Mas ele, antes da Varig, voou na Paraense, Votec e buscava aviões de
pequeno porte em Seattle.
Estou falando isso, pois falavam muito mal dele e eu não gostava de
ouvir.
Outro dia, vendo uma palestra de um psiquiatra, ele disse que nós adultos
levamos nossa criança em nossas atitudes, tudo é influenciado por ela.
Desde 2007 deixei de frequentar os almoços anuais da Panair e mudei de apartamento e de bairro. Muitas
recordações e isso não estava me fazendo bem.
E são poucas as pessoas do passado com quem me comunico. A Barra da
Tijuca me fez bem.
Estou te relatando isso na verdade como uma homenagem póstuma. Ele, sem que
eu soubesse, rasgou todas as fotos da FAB, Panair, esquiando na Áustria, em
Angra e por aí vai…
Deixa eu te dizer uma coisa: depois do choque da falência, foi um tal de
salve-se quem puder e farinha pouca meu pirão primeiro. Foi um dos motivos porque
deixei de frequentar os almoços anuais da Panair.
Ninguem é perfeito. Agora, minha vida é pedir, imagina a quem... aos
militares uma intervenção no governo do PT.
Depois da sua saída da
Panair, teve alguma atividade, além de cuidar das filhas?
Algumas, tais como uma confecção, com minhas cunhadas.
Terminei de fazer o chamado científico, para fazer vestibular para a
então faculdade Hélio Alonso, de jornalismo, assim se chamava na época.
Mas o Luís achou que não seria bom ficar quatro horas fora de casa, deixando
as meninas com as empregadas.
Então fiz mil cursinhos que gostava, como astronomia para amador no
Planetário da Gávea. Muito lindo.
Pinturas em tecido. Fora os trabalhos voluntários que fazia no Hospital
Miguel Couto, da Casa da Mãe Solteira. Elas se empregavam em casas de família,
então ensinava serviços domésticos: cozinha básica, arrumação, passar e lavar
roupa, serviços de copeira, babá, etc.
Junto com a minha sogra e cunhadas e mais uma costureira que vinha em
casa, fazíamos enxovais para crianças recém-nascidas.
Lembro que numa dessas entregas de enxovais, fui à Maternidade Escola. E
quando entreguei pessoalmente o enxoval a uma mãe, ela chorou muito e disse que
estava esperando o marido receber o salário para comprar algumas roupinhas para
o bebê sair do hospital!!
E tinha que entregar pessoalmente, caso contrário as enfermeiras ou
ajudantes ficavam com o enxoval para vender, segundo revelação da direção do
próprio hospital.
Visitava orfanatos, levando balas, doces, brinquedos para as crianças.
Instituições de cegos. Só não lembro de ter ido a algum asilo de idosos.
Cursos de culinária, adorava fazer bombons, pois era muito criativa. E
por aí vai.
Bem, Jim, estou com 72 anos bem vividos e na minha geração o destino era
ser professora ou se preparar para casar. Portanto, terminando o Ginásio, fiz
um curso na TED, de taquigrafia, datilografia, inglês e noções de
contabilidade, para trabalhar fora. Mas o sonho de voar falou mais alto.
“Mas o Luís achou que não
seria bom ficar quatro horas fora de casa, deixando as meninas com as
empregadas.” O Luís não era, como dizer?, um perfeito exemplar de “macho man”?
Mas excelente pai e marido, claro que não era um santo. Mas já ter essas
duas qualidades dá pra viver, não achas?
Passados todos esses anos qual
é a sua impressão sobre a aviação civil brasileira, em geral, e da profissão de
Aeronauta, em particular?
Ah, não encontro nenhum referencial, para a atual aviação brasileira e
nem para a mundial.
Aqui no Brasil, restou a Gol e Tam. Têm algo a ver com a KLM, Air France,
TAP? Essas, pelo menos, têm tradição.
Corredores estreitos, aquelas cinco poltronas no meio dos corredores...
Não posso falar sobre a TAM nem a Gol, pois nunca viajei por essas
companhias.
A última viagem que fiz à minha terra, Salvador, foi pela Varig.
Na verdade, não tenho muita paciência com desorganização.
Quanto à profissão de Aeronauta, socorro! Jamais seria comissária de bordo
na atual conjuntura, hehehe…
Mas, às vezes, pego uma excursão e vou passear na Europa.
Preciso ir aos EUA visitar a minha família: filha, netos e genro. Mas
cadê coragem para enfrentar essas companhias americanas?
Cá pra nós, a classe executiva é
outro papo. Mas como dizia minha sogra: quem acaba com o nosso dinheiro é o
governo!
Falando em governo, você é
uma eleitora fiel do PT, certo?
Errado. Já fui petista, quando o Collor e o Lula concorreram.
Voltei a voltar no Lula, pois sendo ele de origem humilde, pensava que
iria fazer um governo justo.
Ledo engano. Prometeu melhorias na vida dos aposentados, reforma no
Judiciário e na Previdência... Não fez foi nada. Mentiroso, biltre e safado.
Não sei porque fez essa pergunta, pois tenho criticado o seu governo e o seu
partido no Facebook.
Sobre o livro “Nas asas da
Panair”, de Theophilo Abreu Júnior, (que não se encontra mais nas livrarias), o
que “mais” está escrito nele?
Tudo sobre a Panair, os que
ajudaram na conspiração, os nomes daqueles que denunciaram colegas. Li há muito tempo. O Theo já faleceu. Talvez o
Sindicato de Aeronautas saiba como adquirir. Eu tenho o meu autografado por
ele.
E como está essa “cidade
maravilhosa”? Limpinha, segura, sem a miséria ambulante no calçadão de
Copacabana…?
O Rio, ninguém cuida, como acontece no Brasil, o êxodo rural descaracterizou
o Rio e São Paulo.
Copacabana, não sei. Moro há três anos na Barra da Tijuca.
Mas continua tudo igual, como você deixou.
Leitura complementar:
O caso Panair: o esquecimento de que a ditadura fazia mais que torturar
O caso Panair: o esquecimento de que a ditadura fazia mais que torturar
Conversas anteriores:
Hoje, por coincidência está fazendo 15 anos que o meu marido faleceu.
ResponderExcluirDia 26 de setembro de 1997.
beijos e obrigada, Jim
Janda.
Janda!
ResponderExcluirSaudações.
Vou tentar aqui não responder, mas corresponder seu relato. Não sei como isto acontece mas parece que "vivi" com você (s), estes breves momentos. Chorei com você, ao entregar o enxoval.
Há um DVD que ganhei de presente de minha filha Gio. "Panair do Brasil" Ao vê-lo, foi assim como "cair a ficha", de uma fantástica demonstração - sem sistema de crenças -, do que é chamado de causa e efeito.
E neste sentido, concordo com você. Ninguém é perfeito entre nós. Ou, que atire a primeira pedra não é?
Vou deixar-lhe um endereço de onde foi publicado o que escrevei, em 04/03/2003. Assim como você, jogo muita coisa fora em "O sonho de Voar"
http://somostodosum.ig.com.br/conteudo/c.asp?id=02604
Leio logo acima de suas palavras ...
Hoje, por coincidência está fazendo 15 anos que o meu marido faleceu.
Dia 26 de setembro de 1997.
beijos e obrigada, Jim
Janda.
Morreu!?
Jim, como faço chegar o que foi escrito à Janda? Agradeço!
Cmte aposentado Varig Aerus
IVAN A Ditscheiner
Ivan, informei a Janda, por e-mail, deste seu comentário.
ExcluirObrigado!
Ivan, li seu texto, muito bonito. Obrigada.
ExcluirAbraços
http://somostodosum.ig.com.br/conteudo/c.asp?id=02604
Janda.
Jandira um abraço pra voce...estamos com saudades...Esse ano de 2014 a nossa sempre honrada FAMÍLIA PANAIR DO BRASIL estará completando 85 ANOS BEM VIVIDOS. Vê se nos dá a honra da sua presença no próximo mês de OUTUBRO, provavelmente no CLUBE DE AERONAUTICA...como de costume.
ExcluirULYSSES FOTO.
Oi, saudades e beijos,
ExcluirJanda.