Helena Matos
Criar ricos é muito mais fácil do que
criar riqueza. Basta alterar por decreto o valor do património que faz de cada
um de nós um rico. Não duvido que dentro de pouco tempo seremos todos ricos.
Os ricos são muito nossos
amigos e muito úteis. Sem os ricos não se pode governar porque são os ricos
quem tem o dinheiro que os governos dão aos pobrezinhos, aos remediados, à
classe média e também aos ricos seus amigos.
Os ricos têm, no banco, o
dinheiro que permite aumentar as pensões de miséria e são donos das casas que
devem pagar mais impostos para acabar com a privatização dos transportes e de
caminho com as obras no Palácio da Ajuda. Os ricos fazem muita falta. Temos até
de construir estufas para produzir mais ricos porque cada vez precisamos mais
deles. Afinal sem ricos não há dinheiro e sem dinheiro não há políticas para
virar a página da austeridade.
Se cada rico depois de
pagar os seus impostos ainda pagar mais dez euros para aumentar as pensões e
mais dez para ficarmos com os Mirós e mais dez para termos medicamentos nos
hospitais e mais dez para os artistas fazerem cultura e mais dez para que as
florestas não morram e mais dez para o direito à habitação e mais dez para que
os carros sejam eléctricos e mais dez para que aumente o número de professores
sem turma e mais dez para que o que for preciso, libertamo-nos de vez do
problema da falta de crescimento da economia. Basta ir buscar dinheiro aos
ricos.
Tal como no passado possuir
uma vaca afiançava a sobrevivência do agricultor, agora ter um rico guardadinho
só para si não no estábulo mas na Autoridade Tributária garante a cada um de
nós a manutenção dos direitos atribuídos pelos nossos governos quando pensam em
eleições. Os governos que não são nossos amigos pretendiam que o dinheiro viria
do investimento e da economia. Mas depois deu-se esta revolução que tudo mudou:
se cada um de nós domesticar um rico tem garantida a sua sobrevivência e a
libertação da selva dos mercados. Claro que um rico dá para mais do que uma
pessoa (desde que o nosso concidadão José Sócrates não entre nesta aritmética!)
mas é precisamente para isso que existe o Governo: para repartir com justiça a
riqueza de cada rico.
A domesticação dos ricos é
por isso o passo mais importante nas nossas vidas desde a domesticação dos
animais feita pelos nossos antepassados. Obviamente que tal como no Neolítico
os animais resistiam à domesticação também os ricos nem sempre aceitam a
mudança. Os mais difíceis de domesticar são mesmo aqueles que se obstinam em
dizer que não são ricos, que trabalham e poupam… Enfim, arcaísmos! Importante,
importante é saber a cada momento se estamos diante de um muito rico, um rico
ou apenas um bocadinho rico. Quem sabe um dia teremos um ricómetro ou seja uma
geringonça que no próprio instante determina o nosso grau de riqueza!
Mas seja qual for o grau de
riqueza, um rico que em 2016 em Portugal não mostra o que tem, é como uma vaca
que no século passado, depois de em vida ter dado leite, se recusasse, depois
de morta, a dar a carne para comermos, a pele para indústria dos curtumes, os
chifres para os pentes e cabos de talheres sem esquecer os tendões que também
serviam para qualquer coisa que agora não me lembra mas que a dona Maria que
regia a primeira e a segunda classes garantia ser muito importante: “na vaca
tudo se aproveita” – dizia a dona Maria e nós, aprendizes das primeira letras,
repetíamos-lhe a lição com rigores de magarefe.
Felizmente que no novo tempo
as criancinha só fazem redacções sobre as vantagens do comércio justo da quinoa
e as vacas passaram a seres sencientes, a saber criaturas com os direitos dos
humanos mas sem os seus deveres nomeadamente os fiscais o que pode levar a que
vários ricos, manhosos como é seu hábito, invoquem sentir-se animais unicamente
para não pagarem taxas. A possibilidade de vermos aparecertransgender fiscais
desde já deve merecer a atenção do senhor Ralha “vale tudo para cobrar mais
impostos” pois não se vê como podendo uma pessoa mudar de sexo unicamente
porque lhe apetece não há de passar de homem para cão quando lhe der
fiscalmente na gana.
Mas continuando, a
domesticação dos animais é hoje uma recordação de um passado em que aos animais
estava reservado um papel submisso. Civilizados como somos agora só bebemos
leite de soja – donde não nos podemos esquecer de pedir mais dez euros aos
ricos para que os produtores de leite de vaca deixem o leite para os bezerros e
também mais dez euros para reconverter os produtores de carne de vaca em
produtores de trevos de quatro folhas para alimentar os animais salvos dos
matadouros. Mais cedo ou mais tarde teremos de pedir desculpa aos animais por
todos os assados, costeletas e guisados s em que os transformámos. Por todas as
cargas que carregaram. Por todos os campos que lavraram… E pensar que tanto
sofrimento foi inútil! O segredo da riqueza estava ali ao alcance da nossa mão.
Bastava ter imaginação. Bastava sonhar. Bastava ousar… Domesticam-se os ricos,
dá-se um rico a cada cem pobres (mais uma vez, não esquecer que José Sócrates não
pode entrar nestas contas porque elas ainda não contemplam fatinhos em Rodeo
Drive) e está resolvido o problema.
Àqueles desmancha-sonhos que
se estão a perguntar como resolver o problema da reposição de ricos para
continuar a garantir que nunca faltarão contas bancárias onde ir buscar o
dinheiro para sustentar esta nova economia, chamo a atenção que a reposição de
stocks, ou se quisemos o problemas das prateleiras vazias (de medicamentos ou
de ricos é o mesmo) sempre foi uma marca do socialismo e não foi por causa
desse por assim dizer somenos que o socialismo deixou de se apresentar como uma
alternativa política válida e para mais humanista. De qualquer modo essas
angústias só assistem a quem ignora as potencialidades doDiário da
República. Afinal é mais fácil criar ricos do que abastecer
supermercados na Venezuela, garantir em Portugal material no SNS até ao final
deste ano e sobretudo é muito mais fácil criar ricos do que riqueza. Basta
alterar por decreto o valor do património que faz de cada um de nós um rico.
Não duvido que dentro de pouco tempo seremos ricos a partir dos mil euros no
banco.
Portugal acabará com onze
milhões de ricos. E naturalmente com António Costa de sorriso estampado no
rosto a congratular-se pelo seu sucesso no combate à pobreza.
Título e Texto: Helena Matos, Observador,
2-10-2016
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