Sérgio Barreto Costa
![]() |
A conversão de São Paulo, Caravaggio, 1600 |
Um dos maiores motivos de
orgulho dos apoiantes do governo das esquerdas é a acalmia generalizada da
sociedade portuguesa desde a tomada de posse de António Costa. E essa
satisfação é curiosa na medida em que a principal ocupação de muitas dessas
pessoas num passado próximo era precisamente a de agitar de modo generalizado a
sociedade portuguesa!
Estamos por isso a falar de
guerrilheiros que apreciam e elogiam a paz, mesmo quando essa paz é a simples
consequência de terem dado por terminadas as suas próprias atividades de
guerrilha. Apesar de parecer estranho, e até, à primeira vista, revelador de
alguma desfaçatez, devemos ter uma certa condescendência na análise. Estes
cidadãos, afinal de contas, sacrificaram-se pessoalmente de cada vez que, com
os seus berros, fomentaram a berraria dos outros. São como aqueles pais, que
depois de assentarem duas valentes palmadas no rabo do miúdo, lhe dizem com voz
angustiada “doeu-me mais a mim do que a ti”.
Não sei os motivos que
despertaram nos ex-agitadores esta súbita paixão pelo sossego, mas, tal como
qualquer comentador ou articulista que se preze, não vai ser a ignorância que
me vai impedir de discorrer largamente pelo tema. Uma das hipóteses é estarmos
na presença de uma conversão: a caminho de Damasco, os combatentes da esquerda
progressista viram uma luz, caíram dos cavalos, e ouviram uma voz divina que
lhes pediu para baixarem o volume. É verdade que não consta que o perseguidor
de cristãos Saulo, depois de se transformar no cristão Paulo, tenha começado a
gabar-se da “descrispação” que trouxe ao Médio Oriente. No entanto, esta é uma
explicação possível e sugere-se, à cautela, o registo da palavra pocialista.
Também se pode dar o caso de
todo este silêncio ser uma mera consequência da falta de razões para protestar.
Ainda na semana passada foi divulgado pela imprensa que vários concelhos do
país vão deixar de ter ambulâncias do INEM durante a noite, um claro sinal de
que o investimento público no Estado Social tem sido de tal amplitude que o
Governo já consegue garantir que nenhum dos habitantes daquelas áreas
geográficas irá ficar doente entre a meia-noite e as oito da manhã. Mais umas
semanas de reforços orçamentais e a medida poderá ser alargada a todo país;
mais uns meses e as ambulâncias deixarão igualmente de ser necessárias durante
o dia. E nessa altura, sem as incomodativas sirenes, a tranquilidade da pátria
será ainda mais profunda.
Título, Imagem e Texto: Sérgio Barreto Costa, Blasfémias,
3-5-2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-