Jones Rossi
O americano Chris Burden
revolucionou o mundo das artes contemporâneas. Quando ainda era estudante, no
final da década de 1960, fez sua primeira performance ao se trancar durante um
armário minúsculo por cinco dias. Anos depois, ganhou notoriedade ao se deixar
atingir por um tiro de fuzil no braço, levantando um debate sem fim sobre o que
é arte.
A discussão sobre os méritos
artísticos de Burden continua até hoje — para saber mais, vale a pena conferir
o documentário ‘Burden’, de 2016. O que não se discute é a coragem de Chris,
que abriu seu caminho para o estrelato artístico com criatividade e
performances nas quais arriscava a própria vida. Se isso é arte ou não, os
críticos que decidam.
No Brasil, mais especificamente
em Brasília, a coragem está em falta. Cantores, atores, produtores e toda sorte
de personalidades do meio cultural fizeram uma romaria até o Supremo Tribunal
Federal para denunciar a terrível censura em vigor sob o atual governo. Você
provavelmente não sabia que isso estava acontecendo, mas Caetano Veloso, Luís
Carlos Barreto, Caco Ciocler (quem?), Caio Blat e outros menos famosos querem
que você acredite nisso.
O evento que reuniu a nata da
cultura brasileira foi uma audiência pública realizada nesta segunda-feira (04)
no STF, por causa de uma ação feita pelo partido Rede Sustentabilidade para
“discutir medidas do governo que impõem novas formas de censura”, como andaram
divulgando por aí.
Por mais que os supracitados
queiram que a coisa toda seja retratada com ares heroicos, como se fossem
paladinos da liberdade de expressão lutando contra uma ditadura malvadona, no
fundo a questão se resume ao vil metal: grana, tutu, bufunfa, verdinhas,
dinheiro. A peregrinação dos baluartes da arte tupiniquim tinha o objetivo de
reclamar da medida do governo Bolsonaro que transferiu o Conselho Superior do
Cinema do Ministério da Cidadania para a Casa Civil.
Caco Ciocler (duplo ‘quem?’)
disse à Folha de S. Paulo que “por mais que exista uma Constituição que garanta
a não censura, não é à toa que estamos aqui reunidos. É porque em algum lugar
estamos sentindo a censura na prática”, afirmou o ator. Existe, de acordo com
ele, uma “sensação real, concreta, da classe artística de que existe um
movimento muito ligado a uma questão de valores cristãos”.
Caetano se disse preocupado
com a liberdade de expressão, “porque existe essa ameaça, meio vaga, mas muito
repetida, de não aceitação, através da retirada de subsídios ou de
possibilidades de realização de projetos.”
Deixei o melhor para o final.
O ator Caio Blat se saiu com esta: “Noventa e nove por cento de ‘Grande Sertão:
Veredas’ é um romance homoafetivo. Guimarães Rosa talvez não poderia
desenvolver a maior obra-prima da literatura brasileira se ele dependesse desse
edital [do governo].”
A ideia de que Guimarães Rosa
precisasse de um edital do governo para escrever ‘Grande Sertão: Veredas’ é tão
risível, tão estapafúrdia, que eu atribuo tamanho disparate a anos de dinheiro
fácil fluindo do bolso dos pagadores de impostos para os artistas mais ricos do
País. Quando a torneira secou, bateu o desespero, levando pessoas inteligentes
(como acredito ser o caso de Caio Blat) a falar sandices.
Mais uma vez, é bom reforçar,
a questão por trás dessa falsa luta pela liberdade de expressão é o dinheiro.
Blat não foi censurado. Mas como o governo ainda não liberou a verba para seu
projeto de filmar o livro, ele disse que “a censura já está instalada neste
país. De forma velada, de forma imunda, agora o que se está fazendo é uma
limpeza ideológica velada, tentando excluir os mais fracos, excluir a
diversidade.”
Na falta de uma censura de
verdade, os artistas brasileiros resolveram criar uma para chamar de sua. São
os falsos mártires de uma falsa ditadura.
Se Caio Blat quiser
transformar ‘Grandes Sertões: Veredas’ em filme com seus próprios recursos ou
com o de um mecenas, não será impedido, não sofrerá censura. Chris Burden tomou
um tiro pela sua arte. Caio Blat e companhia só precisam abrir do dinheiro
público.
Atenciosamente,
Jones Rossi, editor de
Ideias, Gazeta do Povo, 6-11-2019
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