Tenho três razões para pedir que deixem Passos Coelho no retiro
por onde tem andado. A primeira é egoísta. A segunda é calculista. A terceira é
o que lhe quiserem chamar
Helena Matos
Antes de passarmos às minhas razões
façamos um ponto prévio crucial para que se perceba o que vem a seguir: Passos
Coelho tem um capital político próprio que lhe permite se quiser voltar à
política. Basta ler as reações ao artigo aqui publicado por Alberto Gonçalves (além do artigo propriamente
dito) para o confirmar. Como é óbvio as reações negativas também contam!
Passemos, portanto, às minhas razões
para pedir: deixem Passos Coelho em sossego. Sim, eu sei que já escrevi várias
vezes que Passos não foi apenas mais um primeiro-ministro, mas sim o
primeiro-ministro que aguentou o país num momento dificílimo sem chiliques,
tristes figuras ou manobras de diversão. Pode parecer, portanto, estranho que
fazendo eu uma avaliação francamente positiva do legado de Passos Coelho venha
pedir que o deixem em sossego. Mas a estranheza desfaz-se em poucas linhas.
Comecemos então pela primeira razão, a
egoísta. O egoísmo tem algo de reconfortante e neste caso é quase um aconchego.
Querem lá melhor viver que este em que andamos desde o final de 2015? Acabou a
crispação. A fome deu lugar à fartura. As urgências hospitalares não funcionam,
as consultas no SNS são para o ano que vem, os diretores e chefes de serviços
hospitalares demitem-se ou preenchem minutas de escusa de responsabilidade e onde estão os alertas das agências
internacionais? Os fóruns radiofónicos tonitruantes de dor e lágrimas?… Ora,
ora o que conta é que vamos ter direito à eutanásia. Como pode alguém querer
abandonar este estado de coisas em que as urgências pediátricas não funcionam e
não só isso é aceite como natural como ainda nos vamos empenhar nesse
extraordinário avanço civilizacional representado pela eutanásia?!
Querem mesmo trocar este abençoado
atordoamento por aquele matraquear constante do “Pai do SNS alerta para a
destruição da saúde dos portugueses?” Da Catarina Martins arengando com os
ataques à saúde dos portugueses (enfatizar “ataques”)?… Não, nem pensem.
Convém-me esta situação em que os problemas se desfazem no suspiro das boas
notícias: já ninguém discute os programas escolares mas tão só a boa nova com
as poupanças conseguidas caso desapareçam os chumbos; nas
estradas aumentam os acidentes mas o que conta é que vamos descarbonizar…
Passos Coelho com a sua mania da realidade representa uma ruptura com isto,
portanto o melhor é deixar-se estar quieto não vá antecipar o fim desta ilusão.
E aqui, no momento do desfazer da
ilusão, chegamos à minha segunda razão, a calculista: espero sinceramente que
Passos Coelho não esteja a pensar voltar quando este cenário de papelão que nos
rodeia se desfizer e dermos conosco endividados, sem termos reformado o Estado
e para mais com a extrema-esquerda sentada em tudo que são comissões,
institutos, unidades de missão… E espero-o, desejo-o e defendo-o por
calculismo. Já sei que parece mal dizer e sobretudo escrever que se age por
calculismo. Mas no meu caso não há nem quero desculpas: por puro calculismo
político defendo que não se pode repetir o acontecido em 2011, com o PS e
seus compagnons de route a saírem de cena depois de levarem o
país à falência, para daí a três meses estarem a contestar os acordos que eles
mesmos tinham negociado e a responsabilizar os credores pelos cortes que a sua
falência tinha provocado.
Mas não se esgota aqui o meu
calculismo. Por calculismo político também defendo que António Costa e Marcelo
Rebelo de Sousa não devem ser perturbados no exercício das suas altas funções
quando nos confrontarmos com a próxima crise. Não foram os procuradores
responsáveis pelo processo de Tancos impedidos de fazer perguntas ao Presidente
da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e ao primeiro-ministro, António Costa, devido à “dignidade dos cargos” e à perturbação que o inquérito traria ao exercício das suas altas funções? Pois se for necessário
até se lhes arranja um escadote – digníssimo, claro – para observarem melhor lá
do alto das suas altíssimas funções o pântano que ajudaram a crescer, mas
ninguém os deve tirar de lá.
Calculismo político? Sim, claro. Se
tiverem outros cálculos mais adequados avisem por favor. A mim dá-me sempre o
mesmo resultado: em 2011, alguém devia ter atrasado por dois ou três meses a
entrada em funções do governo de Passos Coelho, pois só assim se teria tornado
evidente que em vez de recordarmos “os cortes do Passos” estaríamos sim a
lembrar os salários não pagos por Sócrates (a não ser claro que o PS
descobrisse no Banco de Portugal um cofre daquele modelo utilizado pela família
do seu então líder, mas estou em crer que é exemplar único).
Chegamos por fim à terceira razão.
Aquela a que não dei nome. Ela conduz-me não a um almoço como aconteceu com o
Alberto Gonçalves, mas sim a um jantar. Um jantar em que estiveram presentes
vários socialistas. À saída um deles, que fez parte do círculo de António José
Seguro, dizia-me que o PS que pensa existe. Está exilado, mas existe, repetiu. Pois,
mas em política não chega pensar para existir. E o que existe hoje no PS e no
PSD existe, mas não pensa. E é aqui que entra a terceira razão para que
Passos se deixe estar: vai voltar para onde e para quê?
O PSD está transformado num partido
que tem como projeto político permitir ao PS governar. Entretanto vai
fornecendo eleitores aos novos partidos, por enquanto pequenos. Já o PS, depois
de ter fechado os olhos aos desmandos de Sócrates, vive agora com igual
servilismo o taticismo de António Costa que transformou o PS numa espécie de
Novas Oportunidades versão política.
Dir-se-á que por tudo isto Passos
Coelho (tal como o PS que pensa) deve voltar. E se não acertar com o momento?
Tanto quanto me recordo em política não se regressa duas vezes.
PS. Por uma vez podem parar com a
ladainha dos “outros muros” e dos “muros que se têm levantado após a queda do
muro de Berlim”? O muro de Berlim ao contrário desses outros muros com que se
procura confundi-lo, como aqueles que separam os EUA do México ou Israel da
Faixa de Gaza, não pretendia defender o povo da RDA de agressão alguma ou
impedir a entrada ilegal de estrangeiros no seu território. O Muro de Berlim
impedia os cidadãos da Alemanha comunista de deixarem o seu país para o efeito
transformado numa gigantesca prisão. Entre um muro que impede estrangeiros de
entrar ilegalmente num país ou um outro muro que impede um povo de sair do seu
próprio país vai a diferença que separa uma casa de uma prisão.
Título e Texto: Helena Matos, Observador,
10-11-2019
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