Aparecido Raimundo de Souza
ESSE NATAL EU PASSEI como sempre. Literalmente enclausurado. Aliás, esse e os demais
anteriores. Fiquei aqui, quieto em casa, sozinho, trancado a sete chaves, como
bicho do mato, como um fugitivo arredio de mim mesmo, amedrontado, fazendo de
tudo para não ser visto nem lembrado.
Apenas minha filha médica, a Érica (do plantão no hospital), ligou. E
minha neta Ellen (filha de Érica), de onze anos, passou comigo. Os outros
filhos e netos, sequer... Sequer se lembraram de me mandar um simples e
corriqueiro WhatsApp.
Entre perdidos e achados, a Érica sempre liga e dá sinais de vida quando
a minha ausência insiste em se fazer maior que o normal. De resto, de sobra, da
“nossa grande e indestrutível família”, a família de “ontem”, nenhum sinal.
Nada!
Nenhuma lembrança viva. Tampouco
um pedido de socorro de última hora, bateu à minha porta, implorando para que a
solidão insana pegasse as malas e partisse.
Antes do meu meio pai (o velho Jorge, ou carinhosamente o velho “Bodi”,
como o chamávamos) partir do meio de nós, éramos alegres e felizes. E unidos.
Logo pela manhã do dia 24, chegavam o Cláudio e a Eliana com minha sobrinha
Carol.
O Rogério e a Claudia com o Rodriguinho, meu outro sobrinho não ficavam
muito atrás. Não faltava também o André com a Cida e o filho de ambos, o
Andrezinho.
Sem falar nos parentes que moravam distantes, e, igualmente, marcavam
presença em massa (fora os agregados e vizinhos), enfeitando a noite bonita,
sentados todos em derredor de mamãe Ana e de Jorge “Bodi”, formando uma enorme
roda diante da árvore com luzes coloridas e um amontoado de presentes (esses
piscando intermitentemente aos olhos dos infantes curiosos e ávidos para verem
sem mais delongas o que haviam ganhado).
Os “vinte e cinco de dezembro desse tempo” lembravam não só a existência
unida da família, como, claro, o mais importante: o nascimento do menino Jesus.
Depois da ceia, nos cumprimentávamos, respeitosamente, tomávamos vinho, cerveja
enquanto os pequenos se esbaldavam com os novos brinquedos e refrigerantes.
Fora as guloseimas próprias para a época que lotavam uma mesa à parte,
posta na varanda, decorada carinhosamente por mamãe e por tia Adília. Bons
tempos, aqueles. Pena que não retrocedam! Assim, caríssimos leitores e amigos,
eram os natais dos meus idos. Hoje, anos depois, nem sei precisar quantos...
Bem hoje, a bem da verdade, somente uma solidão imensa, dolorida, amarga,
ranzinza, insana preenche as lacunas vazias, os pedaços faltosos –, à
semelhança de um quebra cabeça de mil peças montado que se despedaçou no chão
-, que se espalhou em um amontoado de fragmentos...
Que, grosso modo, se destroçou se estilhaçou, se desmantelou, porque uma
saudadezinha ingrata e marota, intransigente e sem coração, ao acaso, do nada,
em sua viagem pôr novas estripulias, sem querer, puxou a toalha da mesa, e,
junto, de roldão, a cordinha invisível que prendia o tempo.
Título e Texto: Aparecido
Raimundo de Souza, de Vila
Velha, no Espírito Santo. 27-12-2019
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Um belo texto! E reflexivo. Porque reflexivo? Porque o autor nos dá a oportunidade de fazermos uma introspecção, ou seja, nos leva a olharmos para dentro de nós mesmos. Somos a maioria, os grandes culpados pela destruição de nosso lar, nossa família. A modernidade e a tecnologia estão nos consumindo. Sugando nosso tempo. Estamos nos tornando inimigo de nosso “próprio eu” Os encontros entre famílias, amigos em datas comemorativas, ou mesmo no dia a dia. Estão cada vez mais raros. Interação do homem com a tecnologia é um deletério que esta nos trazendo recompensas perversas. Tudo parece maravilhoso em cada teclada, afinal esse é o objetivo da modernidade simplesmente tornar você escravo da internet. Os resultados estão sendo catastróficos. Isto é, estamos perdendo o melhor de nós. Ou seja, nossa família, que é nosso bem precioso. Estamos esquecendo nossa essência, nossos sentimentos. Estamos vivenciando isso a cada dia. Todo nosso passado, o que construímos. Nossos valores estão escorrendo entre nossos dedos rumo ao imenso esgoto tecnológico, chamado (Internet). Dentro de poucos anos seremos robôs, não viveremos, seremos maquinas. “Já dizia Charles Chaplin em seu filme “SEREMOS MAQUINAS” podem me taxar como louca (TALVEZ SEJA) basta olharem como fora a geração de nossos ‘PAIS”, nossa geração, e agora dos nossos filhos, e netos. Tudo mudou. Eu mudei você mudou. Rumando para uma nova concepção familiar(FAMILIA ROBOTICA) Somos a era do “ ENTER” Nossa razoabilidade se desestabilizou sem direito a retorno.
ResponderExcluirQuantos natais passei na cabine de voo, ou quantos natais passei em países diferentes? Se contarmos ao finais de ano devo ter passado pelo menos 34 deles, ou natal ou ano novo ou ambos.
ResponderExcluirPerdi as contas...
Dificilmente as tripulações eram as mesmas, voávamos num dia, depois anos sem ver-nos.
A solidão é uma companheira maravilhosa.
Minhas noites de luar já não tem luz
Quem me abraça é a negra solidão
É, cantando que afasto do coração
Esta mágoa que ficou daquele amor
Se não fosse o amigo violão
Eu morria de saudade e de dor.
Sempre há uma garrafa de vinho, um sanduíche de Ementhal e alguma ouvido ao nosso lado.
Não sou da era do ENTER, não tenho zapzap, instagran, uso o Face BOOK para seletos amigos.
Os religiosos e petistas quase sempre em soneca.
Para a CARLA REJANE...
SIM SOMOS MÁQUINAS
TEMOS TECLADO, MICROFONE, FONES DE OUVIDO, CÂMERAS E TELA SCREEN TOUCH OU MOUSE.
TEMOS MEMÓRIA RAM E UM HARDISK PODEROSO.
TEMOS INPUTS E OUTPUTS PERSONALIZADOS.
CHAMAMOS DE ESPECIAIS AS PESSOAS QUE FICAM SEM FONES, SEM MICROFONES E SEM CÂMERAS.
TEM VELHOS QUE PERDEM SUAS MEMÓRIAS.
ESTAMOS PERDENDO NOSSO TATO, FICANDO SEM VOZ, E COMENDO COMIDA SEM SABORES.
QUANDO O WIFI OU A BANDA LARGA FICA INOPERANTE ESTÃO FICANDO LOUCOS.
"OLD FASHION SCHOOL" OUT...
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ResponderExcluirhttps://www.caoquefuma.com/2018/12/aparecido-rasga-o-verbo-natal.html
Carina
Ca
Vila Velha ES