O PS já tinha sob a sua pata a quase
totalidade dos “media”, a parte que interessa do “empresariado”, a banca, o
universo sindical, a generalidade dos partidos. Agora subjugou o que restava da
Justiça
Alberto Gonçalves
Questionado sobre o
questionário de Tancos, o dr. Costa foi claríssimo: “Quando responder,
responderei ó meu, óoo, óoo, ó tribunal e nó xhos jornalistas porque eu falo
com as inxtuições e não com a comunicação sucinã, instexinã, eh social sobre
temas que são inepegh, suitamente, xidamente sobre questões judiciais”. Depois
o dr. Costa ficou de trombas e voltou-se para o outro lado da sala, à espera de
merecidos louvores.
O minúsculo episódio permite, como
dizem as “personalidades” da televisão, várias leituras. A saber:
1) o dr. Costa não sabe falar
português;
2) o dr. Costa não sabe
português;
3) apesar da boçalidade
gritante, fruto de uma vida exclusivamente dedicada à baixa intriga partidária,
o dr. Costa lá arranjou maneira de chegar a primeiro-ministro;
4) ao contrário da vasta
maioria dos seus compatriotas, o dr. Costa teve sorte ao nascer neste cantinho
rústico e não num país a sério;
5) num país a sério, o dr.
Costa teria dificuldade em vender couratos ou cachecóis à porta de um estádio;
6) os péssimos modos do dr.
Costa para com os jornalistas são castigo insuficiente face à vassalagem da
“classe” para com a sua desinteressantíssima pessoa;
7) a mera existência da
pergunta em causa sugere que a domesticação dos “media” ainda não atingiu uma
dimensão compatível com a ética humanista e republicana que orienta o PS e,
logo, nos deve orientar a todos;
8) não prevejo um futuro
profissional risonho à repórter que fez a pergunta;
9) o dr. Costa possui a
impaciência dos régulos pequenitos, cuja prepotência varia de forma diretamente
proporcional à ignorância;
10) em vez de disfarçada, a
impaciência dos régulos deve ser ostentada para inspirar o medo dos cépticos e
reforçar o respeito dos lacaios;
11) o dr. Costa não “falou com
as inxtuições”;
12) à semelhança do presidente
da República, o dr. Costa fintou o dever do confronto direto com o juiz Carlos
Alexandre e pediu à criadagem, paga por nós, que respondesse ao questionário
por escrito;
13) se o dr. Costa falasse com
as instituições, também seria provável que as instituições não percebessem uma
palavra;
14) o dr. Costa mandou
publicar as respostas ao questionário no “site” do governo, porque genuinamente
julga que aquilo é dele, porque não tem qualquer respeito pelo segredo de
justiça e porque não possui nenhuma noção de decência;
15) tamanha exibição de
arrogância explica o empenho para enxotar Joana Marques Vidal na
Procuradoria-geral da República, jovial artimanha que contou com o empenho do
popular prof. Marcelo;
16) a propósito de Tancos e da
dispensa do primeiro-ministro e do presidente das maçadas de um interrogatório
a sério, a atual, e conveniente, sra. procuradora anunciou que “a subordinação
hierárquica dos magistrados do Ministério Público foi consagrada na
Constituição da República Portuguesa logo em 1976” e “manifesta-se na exclusiva
sujeição dos magistrados do Ministério Público às diretivas, ordens e
instruções previstas no seu estatuto”;
17) removido o entulho
lexical, apura-se assaz simplesmente que os procuradores passam a fazer o que a
sra. procuradora mandar, que será o que a mandarem fazer;
18) ao contrário do que li por
aí, isto não significa que acabaram as investigações a políticos, e sim que as
investigações ficam restritas aos políticos que o poder quiser investigar;
19) para enfeitar o panorama,
a ordem é manter secretas, e sem rasto, as decisões acerca das investigações
impedidas de avançar;
20) houve quem dissesse que a
magistratura, transformada em bonequinhos amestrados, acabou de morrer;
21) em compensação, nasceu,
arrancada a Ferros, Van Dunems, Costas, Marcelos e tal, uma fofura grotesca
chamada impunidade dos poderosos;
22) a impunidade não é nova,
nova é a sua consagração oficial;
23) os otimistas imaginaram
que a “geringonça” era apenas uma golpada para tomar de assalto uma ou duas
legislaturas;
24) os realistas, raros e alvo
de enxovalho público, perceberam que era uma golpada para tomar de assalto o
Estado e o país, isto se as instâncias se distinguirem;
25) o PS já tinha sob a sua
feia pata a quase totalidade dos “media”, a parte que interessa do famoso
“empresariado”, a banca, o universo sindical e a generalidade dos partidos, que
aproveitaram a votação do Orçamento para reconfirmar a sua imensa utilidade;
26) agora, perante curiosa
indiferença, o PS subjugou o pouco que restava da Justiça;
27) isto, aliado à doçura do
povo, permite tudo: primeiros-ministros que reagem a incómodos com asco ou
sopapos, ministros que anseiam por pandemias para estimular as exportações de
bifanas, ex-ministros que veem fitas de Hollywood para decifrar fraudes que
ocultam mal e porcamente, autarcas que obrigam ao registo das visitas recebidas
pelos munícipes, e o muito de que não nos lembramos, que este quadro de
demência e chacota não lembra a ninguém;
28) a única coisa que isto não
permite é achar que habitamos um pedacinho do mundo civilizado; 29) se é
discutível estarmos entregues a atrasados mentais, é garantido tratar-se de
gente alucinada e daninha;
30) em finais de 2015,
Portugal apressou o passo rumo a um lugar sombrio;
31) está cada vez mais escuro.
Título e Texto: Alberto
Gonçalves, Observador,
8-2-2020, 7h26
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