terça-feira, 10 de novembro de 2020

[Aparecido rasga o verbo] De outra forma

 Aparecido Raimundo de Souza 

O VELHO TABORDA
, Tio de Edir, filho de sua irmã Dulce, um moleque danado de peralta, se preparava para sair quando escutou o sobrinho dizer ao telefone, para um amiguinho, que também acabara de chegar da escola: “Assim que tirar o uniforme e comer alguma coisa vou ao ‘caibeileireiro’. Mamãe me deu dinheiro, já tem uma semana, e se eu ficar enrolando, não vai me deixar jogar pelada no final de semana’”. Taborda esperou o garoto desligar o aparelho e o interpelou, muito brabo, à caminho do quarto: 
— Não pude deixar de ouvir a sua conversa. Não se diz ‘caibeileireiro’. 
— E como se fala, tio Taborda? 
— Cabeleireiro. 
— Como foi que o senhor disse que eu disse? 
— ‘Caibeileireiro’. A forma como pronunciou está errada. Repita comigo, Edir: cabeleireiro. 
— ‘Caibeileireiro’. 
— Você é uma besta quadrada. Nem parece que está estudando. Todo dia sai pra aula com uma mochila cheia de livros nas costas. Diria que se equipara a um burro de carga puxando uma tremenda carroça. Escuta seu filho de uma égua. Minha irmã Dulce que me perdoe a comparação e a égua também, por assemelha-la à sua pessoa. Fale junto comigo a palavra de modo correto. Vamos: cabeleireiro. 

— Caibei... 
— Não, não, não. Não é caibei... É cabeleireiro. De onde você tirou este outro “ei” intrometido? Cabeleireiro. Vamos, tente... 
— Caibei... Cabeile... Cabe... Ca-be-le... 
— ... Isso... Continue... 
— ... ‘Caibeileireiro’. 
— Sua anta mal-ajambrada. Esquece esta droga de ‘caibeileireiro’. Pronuncie somente o ‘ei’ nas duas vezes como está na grafia da palavra, mas no tempo certo e no lugar apropriado: Ca-be-lei-rei-ro. 
— ‘Caibeileireiro’. 
— Esquece. Desisto. Troque de roupa, tome seu lanche e depois vá visitar o barbeiro antes que sua mãe chegue do serviço e lhe ponha realmente no castigo... Buuurrooo! 

Edir não aguenta a espinafrada e interpela o tio: 
— Tio Taborda, barbeiro como o senhor falou ai, também é errado! 
— É errado ou está errado? 
— Tio, o senhor entendeu. Não complica! 
— Ta vamos pular esta parte do erro na pronúncia. Onde está o equívoco do barbeiro? 
— Barbeiro faz a barba, tio. Eu não vou fazer a barba. Não tenho barba, igual o senhor e o papai. Só vou cortar o cabelo. Por isto vou ao ‘caibeileireiro’. 
— Imbecil. Deixa de bancar o jumento. Nem parece que é meu sobrinho. Fique sabendo que o barbeiro faz barbas, corta cabelos e apara bigodes. 

O pequeno insiste, e procura fazer valer a sua opinião: 
— Bigodes quem corta é o bigodeiro, tio Taborda. 
— Seu tapado. Vai bancar o energúmeno lá nos quintos. 
— Nos quintos, tio Taborda! Por que nos quintos? E ainda que mal pergunte: o senhor sabe dizer onde fica esses quintos? 
— No inferno, infeliz. No inferno! Já ouviu falar no diabo do Capiroto?— Claro que sim tio, Taborda. Raciocina comigo: não é melhor, então, eu ir pra quinta? 
— Pra quinta? Que quinta? 

— A Quinta da Boa Vista. Pelo menos é aqui perto de casa. Dá até para eu ir a pé. 
O Tio Taborda se agastou de vez. Passou a mão em seu chapéu e caiu fora. Estava deveras furioso. ‘Moleque sem educação’. Quando ficava encolerizado, bufava. Ademais, Asnidade em excesso lhe tirava literalmente do sério. Aliás, ele Taborda, até achava que a coisa poderia ser contagiosa. Pelo sim, pelo não... 

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Campinas, São Paulo., 10-11-2020

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