Russell Kirk explica que o conservadorismo é a negação da ideologia: é um estado de espírito, um tipo de caráter, um modo de viver a ordem civil e social
Rodrigo Constantino
Muitas vezes deixamos que os
assuntos do cotidiano dominem a pauta e dedicamos quase toda a nossa energia a
debates sobre conjuntura e política, com p minúsculo. Isso é
compreensível e até desejável, uma vez que esses aspectos acabam moldando nossa
vida, impactando bastante nossos negócios ou empregos, definindo leis sobre
costumes que nos afetam.
Mas, por mais tentador que
seja dedicar esse espaço a mais um desses temas, de vez em quando é importante
nos afastarmos do burburinho desse dia a dia e mergulhar em reflexões e estudos
mais profundos, que nos fornecem o mapa de fundo para navegarmos em sociedade.
E é exatamente isso que pretendo fazer aqui.
A É Realizações acaba de lançar no Brasil o livro A Mentalidade Conservadora, de Russell Kirk. Nascido em 1918, Kirk foi um dos grandes pensadores do conservadorismo norte-americano, resgatando muito daquilo que Edmund Burke havia defendido antes. Esse seu livro, publicado originalmente em 1953, deu forma ao movimento conservador pós-2ª Guerra Mundial nos Estados Unidos. É uma obra fundamental para quem quer aprender mais sobre o conservadorismo — e acho que todos deveriam.
O conservadorismo, segundo
Kirk, não é um dogma imutável ou fixo e se adapta ao tempo sem trair suas
convicções. Em sua essência, porém, representa a tentativa de preservar o que é
familiar, e daí decorre o respeito pelas tradições assimiladas e testadas pela
sociedade ao longo do tempo, pela sabedoria dos antepassados.
Alguns pilares costumam estar presentes em todo pensamento conservador. São eles: 1) crença de que há uma intenção divina que governa a sociedade e a consciência individual, criando um elo eterno que liga os vivos e os mortos; 2) afeição pela enorme variedade e mistério presentes na vida, ao contrário da visão mais uniforme e limitada dos sistemas radicais; 3) convicção de que a sociedade civil necessita de ordem e classes, de lideranças naturais que, uma vez abolidas, deixarão um vácuo a ser ocupado por ditadores; 4) noção de que propriedade e liberdade estão conectadas de forma inseparável; 5) descrença em modelos racionalistas que ignoram o fato de que os homens são governados mais pelas emoções que pela razão; 6) reconhecimento de que reforma e inovação revolucionária não são a mesma coisa, sendo esta normalmente arriscada demais para a manutenção da sociedade.
Para Kirk, a filosofia
conservadora nascida com Burke representava uma resposta contra três escolas
radicais de pensamento: o racionalismo dos philosophes franceses;
o romantismo e o sentimentalismo de Rousseau e seus discípulos, com a “vontade
geral” e o “bom selvagem”; e o utilitarismo de Bentham. Em nossa época, a
influência dessas três escolas é evidente, e perigosa. Por isso mesmo a
atualidade do livro, que resgata o pensamento do “pai do conservadorismo”.
A ordem interior em cada indivíduo é o
começo para uma ordem social desejável
O orgulho, a ambição, a
avareza, a vingança, a luxúria e a hipocrisia são vícios presentes na natureza
humana, e são as causas reais de tempestades políticas e sociais. A religião,
as morais, as leis, as liberdades e os costumes são freios a tais impulsos, que
se tornam pretextos para agitadores e revolucionários, que preferem culpar
essas instituições pelos males da humanidade. Eles desejam reconstruir um “novo
mundo” do zero, confundem seus apetites e instintos com direitos, e enxergam
nessas tradições os obstáculos para suas utopias.
Burke, segundo Kirk, sabia
melhor. Ele sabia que por baixo da pele do “homem moderno”, tão “racional”,
existe um selvagem à espreita, um bruto, um demônio pronto para mascarar seus
apetites e desejos com metas “nobres”, tais como salvar o planeta, lutar pela
igualdade de resultados ou eliminar o discurso de ódio.
A É Realizações já havia
publicado no país outro clássico de Kirk, A Política da Prudência.
Logo no segundo capítulo do livro, Kirk apresenta os dez princípios do
conservadorismo. Vale a pena destacar um trecho do próprio autor: “Não sendo
nem uma religião nem uma ideologia, o conjunto de opiniões chamado de
conservadorismo não possui Sagradas Escrituras nem um Das Kapital como
fonte dos dogmas. Não existe um modelo conservador, e o conservadorismo é
a negação da ideologia: é um estado de espírito, um tipo de caráter, um modo de
viver a ordem civil e social”.
A leitura desses dois
clássicos de Kirk já garante ótima compreensão acerca do conservadorismo, tão
difamado em nosso país, e tão pouco estudado ou entendido. Alex Catharino é um
grande estudioso da obra de Kirk e visitou várias vezes sua família em Mecosta,
tendo publicado depois um livro sobre o filósofo, chamado Russell Kirk:
o Peregrino da Terra Desolada. Trata-se de excelente introdução ao
pensamento de Kirk.
Diante de um mundo cada vez
mais barulhento e tolo, a reclusão e o esmero com a estética e a ética de Kirk
se fazem necessários, como antídoto à “sociedade do espetáculo”. Kirk foi muito
influenciado pelo poeta T. S. Eliot, e buscou em sua vida resgatar aqueles
valores permanentes que se esgarçavam bem diante de seus olhos. Inspirou-se
muito em Burke também, para tentar criar esse elo entre os que nos antecederam
e os que ainda nem nasceram.
O “Mago de Mecosta” lutou
contra a desordem crescente do mundo, seguro de que a ordem interior em cada
indivíduo era o começo para uma ordem social desejável. A autodisciplina seria
fundamental para a liberdade, mensagem importante na “era dos apetites”. Assim
como seu amigo Eliot, Kirk acreditava que somente o Cristianismo poderia
impedir o triunfo da barbárie. Catharino resume o ponto:
Nesse sentido, acima de
qualquer outra definição, o conservadorismo kirkiano é uma disposição de
caráter que nos move a lutar pela restauração e preservação das verdades da
natureza humana, da ordem moral e da ordem social, legadas pela tradição,
fatores que, necessariamente, levam à rejeição de todos os esquemas
racionalistas apresentados pelas diferentes concepções ideológicas.
Em vez de “derrubar
florestas”, o educador deveria “irrigar desertos”, plantar sementes que
pudessem produzir bons frutos depois. A literatura teria essa função de
transmitir valores éticos, de desenvolver o indivíduo humano, a pessoa. Uma
educação liberal, uma “conversa com os mortos”, que poderia preservar o clássico,
ensinar as “coisas permanentes”. Eis aí algo bem mais elevado do que perder
tempo com questões efêmeras. Boa leitura!
Título e Texto: Rodrigo
Constantino, revista Oeste, 5-2-2021
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