quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Os gansos do Capitólio

Franck Ferrand

Onde está o verdadeiro perigo para a democracia? No golpe de força abortado de um pequeno grupo ou no domínio concertado das redes sociais sobre o debate público?

A democracia está em perigo, o tempo está ameaçador em Washington. Há mais de uma semana que sopra nos Estados Unidos um vento que acabou por congelar o planeta. Do que se trata? A liberdade de expressão estará ameaçada? Será que grandes interesses tentarão manipular a opinião pública?

Você (ainda) não percebeu: os fatos que minaram os fundamentos da democracia americana: um grupo de grosseirões hirsutos - incluindo um sósia do cantor de Jamiroquai - penetrou sem grande esforço dentro do Capitólio onde, surpreso, desorientado por se encontrar tão facilmente em lugares como este, fez algumas selfies nos corredores e nos escritórios da Câmara dos Representantes.

Foto: Samuel Corum/Getty Images

Imediatamente, o coro ultrajado dos meios de comunicação americanos gritou à intrusão, à insurreição - e até ao golpe de Estado. Cacofonia. Como os gansos que, em 390 a.C., avisaram os Romanos da invasão da cidade eterna de Brennus e dos seus gauleses, os âncoras, os analistas, os repórteres e outros especialistas de todo o país se esgoelaram. Eles denunciaram, fustigaram, discutiram... É manjado: os gansos grasnam, grasnam.

Um responsável foi apontado: Donald Trump, presidente cessante embora ainda em exercício, e que no dia da Epifania, tinha incitado a marchar sobre o Capitólio. Irresponsável, este histrião, e até mesmo golpista! Como resultado disso, as plataformas do Facebook e do Twitter suspenderam as contas do culpado – primeiro, temporariamente, e depois, definitivamente. Já em 6 de novembro vários canais televisivos tinham interrompido a difusão da sua alocução oficial, sob o pretexto de que nela se encontravam inexatidões...

“Ó da guarda!, aqui-d'el-rei! socorro!! – se gritou no Twitter. Apesar da diferença horária, a mídia – já conhecida – logo se revezou e alterou os seus hábitos para juntar a sua indignação com a mídia da costa leste. Então, os moralistas de todo o mundo começaram a grasnar, grasnar…

Repito: o que suscitou este coro de protestos não foi a proibição, sem precedentes, contra o eleito numa grande democracia, de falar. Não. O que justificou as tribunas mais vivas, os editoriais mais amargos, foi a intrusão deste pequeno grupo de fanáticos no Capitólio!

Ao mesmo tempo, os governantes de todo o lado, preocupados em não passar ao lado do acontecimento, começaram a cacarejar ou a tagarelar.

Às três da manhã, como se a República Francesa acabasse de sofrer um ataque nuclear, o presidente Macron apareceu, com expressão tensa, no seu púlpito solene, diante das bandeiras europeia e francesa avizinhadas com a bandeira estrelada. Não invento nada. «Quero dizer a nossa luta comum para que as nossas democracias saiam mais fortes deste momento que todos vivemos hoje! », lançou o chefe de estado francês, num vibrato que lembrou o sotaque marcial na sua partida para a guerra… contra o vírus.

Enquanto isso, todos os tipos de plataforma seguiam o exemplo do Twitter e impediam os trumpistas de buscar redes alternativas. Excluindo as multidões, escondendo-as - 75 milhões, uma bobagem! - apoiantes de um presidente que foi apanhado in extremis por um novo processo de impeachment. A palavra diz exatamente do que se trata ... E alguns se perguntam se os Estados Unidos, muitas vezes comparados à Roma antiga, não estão em processo de mudança da República para o Império.

Em Washington, a hora é séria, é claro. A democracia está realmente em perigo. Mas aqueles que a maltratam talvez devam ser menos procurados no círculo folclórico de excêntricos desorientados, sem acompanhamento de ideais, do que do lado da nebulosa hiperorganizada e hiperestratégica, os gigantes da esfera digital. Eles dão a palavra e a retiram; eles apoiam certas políticas e optam por aniquilar outras; eles agem em silêncio, sem fofoca ou jargão. Eles deixam esse pequeno trabalho para os gansos.

Título e Texto: Franck Ferrand, Valeurs Actuelles, nº 4390, de 14 a 20 de janeiro
Tradução: JP, 4-2-2021


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