Aristóteles Drummond
Quando o Brasil deixou
de se abster no voto anual da ONU contra Portugal, por considerar os
territórios portugueses como resquícios do colonialismo, condenação com origem
na URSS, que também promovia censuras e represálias à África do Sul, o impacto
interno foi muito grande.
Naquela altura, em 1963, a
comunidade portuguesa no Brasil ainda era significativa, em número e em forte
presença empresarial, no comércio de alimentos, na restauração, nos transportes
públicos, autocarros e táxis. Esta influente comunidade guardava grande
respeito e admiração pelo Primeiro-ministro, António de Oliveira Salazar.
Convém lembrar que antes, em
1958, quando o presidente Craveiro Lopes visitou o Brasil, a convite do
presidente Juscelino Kubitscheck, ocorreu a maior manifestação popular de
acolhimento a um chefe de Estado estrangeiro, não superada até hoje.
Manifestações de igual amplitude apenas voltaram a acontecer na comemoração da
Revolução de 64, que derrubou o governo que havia votado contra Portugal, na
chegada dos campeões do mundo e num comício pedindo eleições directas para
presidente, em 1984.
O voto no governo João
Goulart, o Jango, teve inspiração no chanceler Afonso Arinos Sobrinho, filho de
um dos grandes diplomatas do Brasil, intelectual que obteve mandatos pela
direita e os exerceu pela esquerda.
Sucedeu que as instruções do Ministério das Relações Exteriores à Delegação do Brasil na ONU chegaram por telegrama, causando grande impacto. O embaixador chefe da missão recusou-se a pronunciar o voto constrangedor, o seu número dois teve a mesma atitude. Sobrou um, então, jovem diplomata, marxista conhecido, António Houaiss [foto], que declarou a surpreendente posição do Brasil, sob aplausos dos países da Cortina de Ferro, incluindo Cuba. Houaiss foi afastado do Itamaraty quando da Revolução e dedicou-se à grande obra que foi um dicionário, em associação ao filho do, então, chanceler Afonso Arinos.
O estadista Francisco Negrão de Lima era embaixador do Brasil em Lisboa, referência da diplomacia e da política. Este era estimado pelo governo e pelos portugueses em geral, tendo deixado o Ministério e ido para Lisboa justamente para corrigir o equívoco do presidente JK de nomear o sr. Álvaro Lins, que fez da Embaixada do Brasil um ponto de conspiração contra o regime português.
Negrão de Lima contava na
intimidade, com a qual fui agraciado, que foi chamado pelo ministro Franco
Nogueira ao Palácio da Ajuda, como um gesto político do governo português, para
efeitos de “media” interna e externa. Fechada a porta do gabinete, conversaram
sobre a crise que o Brasil vivia e ouviu de Franco Nogueira a curiosa
observação de que Portugal já esperava a atitude, por conhecer Arinos e saber
da influência comunista e esquerdista no governo Goulart. E acrescentou:
“Sabíamos do voto, mas nunca imaginamos que ele seria pronunciado com um ‘muito
prazer’”. Realmente impuseram-se ao jovem diplomata as suas convicções
marxistas e o alinhamento com o que a URSS fazia e, na hora de votar, disse que
o fazia “com muito prazer”.
António Houaiss era homem de
grande cultura, chegou à Academia Brasileira de Letras, mas era de tal maneira
ligado ao esquerdismo mais radical que, sendo uma das referências da Confraria
dos Gastrónomos, implodiu a entidade em protesto contra a presença num dos
almoços, em casa de um confrade, do então ex-presidente Emílio Médici, homem
cordial. Dali formou os Companheiros da Boa Mesa, que substituiu a entidade
original.
A esquerda exerce suas
convicções no melhor estilo bolchevista. Sem sutileza!
Título e Texto: Aristóteles Drummond, jornal o Diabo, nº 2319, 11-6-2021
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