sexta-feira, 18 de junho de 2021

1963 e o voto do Brasil contra Portugal

Aristóteles Drummond

Quando o Brasil deixou de se abster no voto anual da ONU contra Portugal, por considerar os territórios portugueses como resquícios do colonialismo, condenação com origem na URSS, que também promovia censuras e represálias à África do Sul, o impacto interno foi muito grande.

Naquela altura, em 1963, a comunidade portuguesa no Brasil ainda era significativa, em número e em forte presença empresarial, no comércio de alimentos, na restauração, nos transportes públicos, autocarros e táxis. Esta influente comunidade guardava grande respeito e admiração pelo Primeiro-ministro, António de Oliveira Salazar.

Convém lembrar que antes, em 1958, quando o presidente Craveiro Lopes visitou o Brasil, a convite do presidente Juscelino Kubitscheck, ocorreu a maior manifestação popular de acolhimento a um chefe de Estado estrangeiro, não superada até hoje. Manifestações de igual amplitude apenas voltaram a acontecer na comemoração da Revolução de 64, que derrubou o governo que havia votado contra Portugal, na chegada dos campeões do mundo e num comício pedindo eleições directas para presidente, em 1984.

O voto no governo João Goulart, o Jango, teve inspiração no chanceler Afonso Arinos Sobrinho, filho de um dos grandes diplomatas do Brasil, intelectual que obteve mandatos pela direita e os exerceu pela esquerda.

Sucedeu que as instruções do Ministério das Relações Exteriores à Delegação do Brasil na ONU chegaram por telegrama, causando grande impacto. O embaixador chefe da missão recusou-se a pronunciar o voto constrangedor, o seu número dois teve a mesma atitude. Sobrou um, então, jovem diplomata, marxista conhecido, António Houaiss [foto], que declarou a surpreendente posição do Brasil, sob aplausos dos países da Cortina de Ferro, incluindo Cuba. Houaiss foi afastado do Itamaraty quando da Revolução e dedicou-se à grande obra que foi um dicionário, em associação ao filho do, então, chanceler Afonso Arinos.

O estadista Francisco Negrão de Lima era embaixador do Brasil em Lisboa, referência da diplomacia e da política. Este era estimado pelo governo e pelos portugueses em geral, tendo deixado o Ministério e ido para Lisboa justamente para corrigir o equívoco do presidente JK de nomear o sr. Álvaro Lins, que fez da Embaixada do Brasil um ponto de conspiração contra o regime português.

Negrão de Lima contava na intimidade, com a qual fui agraciado, que foi chamado pelo ministro Franco Nogueira ao Palácio da Ajuda, como um gesto político do governo português, para efeitos de “media” interna e externa. Fechada a porta do gabinete, conversaram sobre a crise que o Brasil vivia e ouviu de Franco Nogueira a curiosa observação de que Portugal já esperava a atitude, por conhecer Arinos e saber da influência comunista e esquerdista no governo Goulart. E acrescentou: “Sabíamos do voto, mas nunca imaginamos que ele seria pronunciado com um ‘muito prazer’”. Realmente impuseram-se ao jovem diplomata as suas convicções marxistas e o alinhamento com o que a URSS fazia e, na hora de votar, disse que o fazia “com muito prazer”.

António Houaiss era homem de grande cultura, chegou à Academia Brasileira de Letras, mas era de tal maneira ligado ao esquerdismo mais radical que, sendo uma das referências da Confraria dos Gastrónomos, implodiu a entidade em protesto contra a presença num dos almoços, em casa de um confrade, do então ex-presidente Emílio Médici, homem cordial. Dali formou os Companheiros da Boa Mesa, que substituiu a entidade original. 

A esquerda exerce suas convicções no melhor estilo bolchevista. Sem sutileza! 

Título e Texto: Aristóteles Drummond, jornal o Diabo, nº 2319, 11-6-2021

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