Eliminar o corporativismo, o mercantilismo, o privilégio, a transferência de riqueza por meio do Estado deve ser uma meta perseguida por todos os que defendem a liberdade
Rodrigo Constantino
A América Latina é terreno fértil para demagogos, populistas autoritários, socialistas em geral. Em ambiente com miséria e ignorância, esses oportunistas se criam com mais facilidade, exploram suas vítimas mascarando seu projeto de poder com slogans bonitinhos de igualdade e “justiça social”. E o mais grave é que a história se repete com incrível frequência, como se o povo fosse incapaz de aprender com os próprios erros.
A bola da vez é o Peru, depois
de a Argentina trazer de volta ao poder o Foro de SP, mirando no péssimo
exemplo venezuelano. Um livro clássico nos meios liberais é O Manual do
Perfeito Idiota Latino-americano, escrito por três autores, entre eles
Álvaro Vargas Llosa, filho do Prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa,
que escreveu a apresentação do livro. Eles tiveram de retornar ao tema
com A Volta do Idiota, perplexos com essa insistência nos mesmos
erros.
Mario Vargas Llosa disputou a
Presidência do Peru em 1990 e perdeu para Fujimori. Desta vez, o escritor
liberal apoiou a filha do ex-presidente, para tentar impedir o destino trágico
do socialismo. Mas o “professor esquerdista” Pedro Castillo assumiu a liderança
numa contagem sob suspeita e por poucos votos a mais pode selar o destino do
país rumo ao abismo. É uma sensação grande de impotência por parte de quem sabe
o que está em jogo.
Álvaro é autor de outro livro instigante, Liberty for Latin America, em que define os cinco pilares da opressão. A ideia central talvez possa ser resumida por essa frase de Llewellyn Rockwell Jr.: “Devemos nossa liberdade não ao desejo do Estado de permitir que as pessoas e as instituições sejam livres, mas ao desejo das pessoas e das instituições de resistir”. Os oprimidos esperam tudo do Estado opressor! E aí começam os problemas.
Logo na introdução, Álvaro
deixa claro que nada é mais crítico para o objetivo de libertar a América
Latina dessa opressão que compreender por que as transformações políticas e
econômicas das últimas décadas beneficiaram somente uma pequena elite. O autor
levanta o debate entre instituições e culturas, alegando que uma necessita da
outra. As regras de relacionamento entre indivíduos precisam mudar, mas os
valores que determinam a conduta humana também. Esses valores não mudarão a
menos que as pessoas vejam que os novos valores são relevantes por meio de
incentivos e recompensas possíveis pela mudança institucional.
Se é verdade que a tradição
ibérica pesa contra o desenvolvimento da região, também é verdade que a Espanha
e Portugal, onde tal tradição se originou, conseguiram prosperar após mudanças
institucionais. Claro que para um sucesso sustentável é preciso uma mudança
cultural. Victor Hugo já dizia que “não há poder maior que o de uma ideia cuja
hora é chegada”. Mas postergar a remoção das causas diretas de opressão até que
os valores corretos sejam absorvidos pelo povo vai condenar a região à
impotência e ceder espaço para aqueles que são tentados a usar esses
instrumentos de opressão para impedir a mudança cultural.
Quais são, então, esses instrumentos de opressão estatal, causa principal do fracasso da região? É o que Vargas Llosa [foto] busca responder. Os cinco princípios de organização social, econômica e política que oprimem o indivíduo seriam, segundo o autor, o corporativismo, o mercantilismo, o privilégio, a transferência de riqueza e a lei política, aqui entendida como o positivismo, contrário ao império da lei. Vargas Llosa busca as origens desses instrumentos de opressão no passado da região.
Uma pessoa não era uma pessoa,
mas sim parte de um mecanismo maior, e existia somente como fração dessa
entidade coletiva. Os indivíduos trabalhavam não para si próprios, mas para a
manutenção dessa entidade que exercia força sobre eles. Não trabalhavam para
subsistir, mas subsistiam para trabalhar em prol do Estado e seus parasitas. Os
exemplos fornecidos pelo autor incluem o estilo de vida dos astecas e incas, em
que nobres desfrutavam de privilégios como roupas de algodão e joias, enquanto
exploravam escravos.
A organização desses povos era
altamente hierarquizada, e os nobres recebiam direitos sobre a terra e o
trabalho, transferindo renda por meio de tributos. O rei ou imperador era visto
como a própria encarnação divina, e exercia, portanto, autoridade absoluta. A
lei era uma extensão do rei, não uma regra objetiva e isonômica. Os maias e
astecas praticavam sacrifícios humanos, já que o líder tinha poder sobre a
“verdade” e também sobre a vida de todos.
Quando Espanha e Portugal
conquistaram várias regiões da América Latina, no século 16, estavam no auge de
uma longa tradição corporativista. Como consequência do surgimento do
Estado-nação e sua volúpia fiscal, os direitos de propriedade passaram a ser
uma transação mercenária entre a autoridade central e grupos particulares.
Quando os direitos seletivos de propriedade não eram suficientes, o Estado
expropriava riqueza privada diretamente. Esse era o princípio do mercantilismo
ibérico. As encomiendas, grandes pedaços de terras concedidos pelo
Estado como recompensa militar e outros motivos, eram talvez o maior símbolo de
privilégio. Esse símbolo refletia a ideia dominante de que a riqueza não tinha
de ser produzida, mas sim tomada.
A estrutura era bastante
centralizada, e Espanha e Portugal não objetivavam desenvolver suas colônias,
mas obter o máximo de riqueza possível por meio da exploração delas. Chegou a
ser ilegal produzir bens que poderiam ser fornecidos pela metrópole. A
sociedade colonial rapidamente aprendeu que sua sobrevivência dependia dos
esquemas do Estado mercantilista, porque a única atividade rentável era
negociar por meio do governo, não no mercado. Quando os movimentos de
independência ganharam força na região, já existia uma cultura de que a lei não
tinha nenhuma raiz real, sendo algo arbitrário que depende da vontade de uns
poucos poderosos. Todo novo governante apontou ou removeu juízes de acordo com
seus desejos, reescreveu a Constituição, refez ou estendeu os códigos
existentes etc.
Até quando seremos vítimas de opressores mascarados de salvadores
igualitários?
Nesse ambiente, o avanço na
sociedade era possível somente pela influência no processo político que
dominava a lei. Era no teatro da política, não do mercado, que a competição
ocorria. A energia estava focada não em produzir riqueza, mas em direcionar a
lei para a vantagem pessoal. Com essa mentalidade e com as suas correspondentes
instituições estabelecidas, prosperar como nação era praticamente impossível.
Infelizmente, não foi tanto
assim o que mudou desde então. Muitos ainda encaram o Estado como um semideus,
defendem medidas mercantilistas ultrapassadas, pedem mais interferência estatal
na economia, ignoram a necessidade de um império de leis igualmente válidas
para todos, focam suas energias na organização em grupos para extrair o máximo
de privilégio possível do governo. Alterar esse quadro lamentável exige mudança
cultural e institucional. A mudança no campo das ideias será lenta e gradual,
como não pode deixar de ser. Combater as instituições opressoras passa a ser
uma necessidade imediata. Eliminar o corporativismo, o mercantilismo, o
privilégio, a transferência de riqueza por meio do Estado e a lei política
arbitrária deve ser então uma meta perseguida por todos os que defendem a
liberdade.
O que assusta são os
constantes retrocessos na região. É como se o fantasma de Montezuma ou o de
Atahualpa ainda pairassem sobre nós, ou então o espectro cubano, cujo regime
opressor calcado nessas falácias persiste há mais de meio século. Até quando
seremos vítimas de opressores mascarados de salvadores igualitários? Até quando
os latino-americanos vão cair na ladainha da esquerda?
Título e Texto: Rodrigo
Constantino, revista Oeste, nº 65, 18-6-2021
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