Murilo Basso
No início de 2021, o mundo foi
surpreendido por uma atitude até então inédita tomada por empresas de
tecnologia: o chefe de Estado de uma das mais importantes nações do mundo foi
banido das principais redes sociais — Facebook, Twitter e Instagram. Já plataformas
como App Store, PlayStore e Amazon Web Services removeram o mensageiro
utilizado por seus apoiadores – no caso, o Parler.
Soukup é autor do livro “The
Dictatorship of Woke Capital: How Political Correctness Captured Big Business”
(“A Ditadura do Woke Capital: Como o Politicamente Correto Se Apropriou das
Grandes Corporações”, em tradução livre), ainda sem edição no Brasil. Na
publicação, Soukup busca demonstrar como nas últimas décadas a esquerda e suas
pautas têm marchado rumo àquela que parecia ser a última instituição não
progressista remanescente: os grandes negócios norte-americanos.
“Essas corporações fazem parte
de um movimento que vem ocorrendo no Ocidente e neste país [EUA] em particular
nos últimos 100 anos, aproximadamente, para mover a cultura de forma muito
consistente e agressiva para a esquerda, a fim de preparar, mais ou menos, o
caminho para a revolução. Só que os empresários que se envolveram nisso se
esqueceram de que o objetivo final é a revolução. Mesmo assim, engajaram-se
fortemente nesse movimento cultural de esquerda”, afirma o escritor.
O woke capitalism se trata de um movimento de cima para baixo, antidemocrático e que parte de alguns dos maiores e mais importantes nomes dos negócios norte-americanos para mudar a forma como o mercado funciona, alterar a própria definição de “capitalismo” e modificar a relação entre cidadãos e Estado de forma permanente.
“Muitos executivos do alto
escalão sentem que têm pouca escolha. Eles estão sendo pressionados pelos
consumidores e cada vez mais por funcionários jovens e progressistas para que
as empresas falem publicamente sobre questões que estão nos holofotes. E na era
das mídias sociais, permanecer caladas pode trazer mais problemas para as
companhias do que se posicionar”, escrevem os jornalistas Ben Casselman e Jim
Tankersley, do New York Times, em artigo sobre o tema.
A ditadura ESG
Stephen R. Soukup cita como
exemplo a onda do ESG, sigla em inglês para governança ambiental, social e
corporativa, que ele julga ser a tendência de investimentos mais “quente” do
mundo na atualidade, ao menos no Ocidente, e se trata da sucessora do que antes
se chamava de investimento socialmente responsável.
Antes, qualquer um que
estivesse preocupado em alinhar investimentos a valores pessoais poderia
fazê-lo, pois bastava conversar com consultores ou examinar, por iniciativa
própria, as ações disponíveis para compra. Segundo o autor, “era um processo
totalmente voluntário, totalmente bipartidário e não abertamente político”.
Na última década, entretanto, o ESG tomou, de forma agressiva, o lugar do movimento original de investimentos socialmente responsável não para filtrar, simplesmente, as empresas em portfólios de ativos, mas alterar as companhias, seus conselhos de administração, sua gestão e estatutos, forçando essas organizações a adotar e cumprir determinadas convicções políticas.
“O ESG, portanto, se tornou
uma força motriz muito perniciosa nos negócios americanos, que está levando as
empresas a adotar valores políticos em detrimento dos valores tradicionais de
negócios”, pontua o escritor.
Agora, uma empresa é
considerada mais atrativa para investimentos se possui um planejamento e ações
voltados à sustentabilidade e privilegia a diversidade nos seus quadros de
gestão, para citar alguns exemplos, do que se dá um retorno constante e seguro
aos seus acionistas.
“A ironia, claro, é que esse
movimento, o movimento ESG ou o movimento do capitalismo shareholder [das
partes interessadas], orgulha-se de ser muito mais receptivo às causas das
outras partes interessadas do que dos acionistas e funcionários. Esse
movimento, portanto, que orgulhosamente proclama que é muito mais favorável aos
colaboradores está, na verdade, punindo funcionários por violarem a ortodoxia
política. Este é um exemplo bastante claro da hipocrisia absoluta que estamos
testemunhando, particularmente entre algumas das maiores empresas de tecnologia
dos EUA”, explica Soukup.
Hipocrisia
A adesão de grandes empresas
ao woke capitalism gera situações, para não dizer bizarras, hipócritas. Em “The Dictatorship of Woke Capital: How Political Correctness Captured
Big Business”, um exemplo de destaque é o da Apple e seu CEO, Tim Cook, os
quais Soukup considera os queridinhos da onda ESG que vem ditando os rumos do
mundo dos negócios. Cook, se não for o mais, é um dos CEOs que mais se
posiciona quando o assunto são temas ambientais ou relacionados à pauta da
justiça social.
“Nenhuma questão de justiça
social ocorre neste país [EUA] sem que Tim Cook sinta que precisa se envolver,
escrever um artigo, fazer uma declaração ou usar parte do dinheiro da empresa
[Apple] para tentar chamar atenção para o problema”, comenta o escritor.
Ao mesmo tempo, nos últimos 20
anos, a Apple tem investido pesadamente na República Popular da China, cujo
desrespeito às liberdades individuais, aos direitos humanos, é notório. Pequim
considera, inclusive, Cook um aliado. A Apple, por outro lado, precisa da China
para a sobrevivência dos seus negócios — ao menos nos moldes atuais.
Em outubro de 2019, por
exemplo, um dia após sofrer duras críticas da imprensa estatal chinesa, a
empresa removeu da App Store um aplicativo que manifestantes em Hong Kong
usavam para rastrear a polícia, que reagia com truculência a protestos que
ocorriam na ilha na época.
“Deixar no ar um software
venenoso é uma traição aos sentimentos do povo chinês”, pontuou artigo
publicado no People’s Daily, principal jornal do Partido Comunista Chinês.
Depois disso, o app sumiu da loja da Apple. Para justificar a atitude, a
companhia alegou que os manifestantes estavam usando o app para atacar as
forças policiais, o que seria contrário tanto a políticas da empresa quanto à
legislação local.
“É importante notar (...) como
a disposição de Tim Cook em bancar o guerreiro da justiça social quando o alvo
são alguns restaurantes aleatórios de Indiana que podem não querer autorizar
festas hipotéticas em celebração a casamentos homoafetivos não se estende a
reconsiderar o relacionamento da Apple com muitos países ao redor do mundo onde
os direitos humanos são mais ameaçados do que no Meio-Oeste norte-americano”,
escreveu o analista político Ross Douthat.
A Disney, que tem adotado
pautas cada vez mais progressistas e aplicado exaustivos treinamentos sobre
“racismo sistêmico”, “privilégio branco” e “fragilidade branca” aos
funcionários e criado “grupos de afinidade” racialmente segregados na sede da
empresa, também é um exemplo. Por outro lado, a produtora não abre mão do
mercado chinês, que representa gorda fatia de seus lucros.
Já a The North Face, que produz roupas, calçados, equipamentos e acessórios para atividades ao ar livre, passou por uma situação, no mínimo, desconfortável recentemente. Em dezembro de 2020, o CEO da empresa de petróleo Innovex Downhole Solutions, Adam Anderson, encomendou à The North Face 400 casacos para presentear seus colaboradores no Natal. As peças deveriam ser bordadas com o logotipo da petrolífera, pedido que a marca negou, porque não queria ter seu nome associado ao setor de combustíveis fósseis.
O que se viu nos meses
seguintes foi uma enxurrada de críticas irônicas à The North Face, vez que
materiais comumente usados na fabricação de roupas, como poliéster, poliuretano
e náilon, vêm de combustíveis fósseis. O CEO da Liberty Oilfield Services,
companhia de petróleo localizada em Denver, no Colorado, chegou a lançar uma
campanha batizada de “Thank you, North Face”, que inclui conteúdo na Internet e
até outdoors, para expor as incongruências da companhia ao se posicionar contra
o setor.
Há saída?
Para Soukup, a saída para os
consumidores conservadores não é boicotar as empresas que se renderam ao woke
capitalism, mas procurar envolver-se com elas. Isso porque se chegou à situação
atual porque os progressistas começaram a pressionar as empresas há dez, 15, 20
anos para que elas se engajassem nesse movimento.
“O que precisamos fazer é
manobrar a engenharia reversa disso e nos tornarmos estridentes. Se nos
separarmos, se boicotarmos, se abandonarmos o barco, os progressistas o tomarão
sem qualquer oposição. Acredito que seja um erro sair de cena, o melhor é nos
envolvermos. E você pode presumir, como eu, que os Serviços de Atendimento ao
Cliente [SACs] odeiam receber reclamações de consumidores irados e que os
departamentos de relações com investidores detestam receber reclamações de
acionistas indignados. Se você for um acionista, essa atitude pode ser ainda
mais eficaz”, acredita o escritor.
O que Soukup gostaria é de ver
as companhias retornarem à sua função principal e atuarem, efetivamente, como
empresas. Para ele, porém, hoje estamos diante de organizações que atuam como
verdadeiros braços políticos a favor de ideologias progressistas.
Título e Texto: Murilo
Basso, Gazeta do Povo, 21-6-2021, 19h51
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