quarta-feira, 16 de junho de 2021

Roube à vontade

Basta dizer à Justiça, depois da condenação, que você deveria ter sido processado na vara “A”, em vez da vara “B”, e correr para o abraço

J. R. Guzzo


O assassinato em público da Operação Lava Jato, o maior e mais bem-sucedido esforço de combate à corrupção jamais feito na história da justiça penal brasileira, é o pior crime contra o respeito às leis, o regime democrático e as instituições que está sendo cometido no Brasil dos nossos dias. O Supremo Tribunal Federal, os chefes da vida política e as elites, com a participação ativa da esquerda e o apoio da mídia, escandalizam-se todos os dias contra os “atos antidemocráticos”, os riscos de “ditadura” e todos os demais fantasmas do gênero; fazem até processos e jogam gente na cadeia por conta disso. Não dizem uma sílaba, porém, diante da licença praticamente oficial para roubar o erário público que foi dada pelo próprio STF e as camadas seguintes do judiciário. É isso, em português claro, que resultou da liquidação da Lava Jato. E isso — a decisão superior da Justiça estabelecendo que as leis não valem para os casos de corrupção — é a própria negação da ideia de democracia. Não existe Estado de Direito onde o crime seja aceito, aprovado e incentivado, como acontece hoje no Brasil — e por determinação da própria Justiça. Fim de conversa.

Foi uma ilusão, ou um momento de estupidez, achar que a decisão do STF que anulou todas as ações penais contra Lula, e sua condenação em três instâncias pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, iria parar nele. É claro que não iria parar — e não parou. Como na história da árvore envenenada, que só pode produzir frutos venenosos, o presente dado a Lula contaminou imediatamente os processos de ladroagem que existem debaixo dele. Resultado: condenações obtidas com base em provas materiais, confissões dos criminosos, delações de comparsas e outros elementos óbvios de culpa estão sendo anuladas para se adaptarem à decisão do STF que desobrigou Lula de pagar pelos delitos que cometeu, segundo a Justiça brasileira.

O Superior Tribunal de Justiça, e o resto do mecanismo judiciário que se pendura embaixo do STF, acaba de dar ao país um exemplo perfeito deste processo de degeneração. Em setembro último, antes da supressão da Lava Jato pela ação combinada dos ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes, executivos da empreiteira de obras Queiroz Galvão foram condenados na 13ª Vara Federal de Curitiba por corrupção, lavagem de dinheiro, cartel, fraude e organização criminosa, no assalto em massa contra a Petrobras. Não houve como escapar: a empresa tinha dado mais de 5 milhões de reais a políticos nomeados pelo doleiro Alberto Youssef, figura central da Lava Jato. Mas a exemplo de Lula, que teve seus processos anulados porque o STF decidiu que ele tinha sido julgado no lugar errado — Curitiba, em vez de São Paulo, segundo descobriu o ministro Fachin — a Queiroz Galvão se safou porque o STJ decidiu que seu caso deveria ser julgado na justiça eleitoral, e não na justiça penal de Curitiba. Pronto: zera tudo. É óbvio que continuará havendo histórias assim.

A mensagem não poderia ser mais clara: seja lá qual for o governo, ou quem estiver na presidência da República, contrate um time de advogados caros, separe uns bons milhões para os honorários (e outras despesas), e roube à vontade. Não tem a menor importância o fato de existir uma montanha de provas contra o ladrão. É só dizer à Justiça, depois da condenação, que você deveria ter sido processado na vara “A”, em vez da vara “B”, e correr para o abraço.

O melhor de tudo é que os militantes das instituições democráticas não acham absolutamente nada de errado com isso.

Título e Texto: J. R. Guzzo, Estado de S. Paulo, revista Oeste, 16-6-2021, 18h

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