Nome completo: Mário Alberto Arango Florentino
Nome de Guerra: Mário A.
Florentino (ou Mário Arango, ou MAF, consoante as guerras)
Onde e quando nasceu?
Em Lisboa, no dia 13 de maio
de 1969.
Onde estudou?
Na Universidade Católica
Portuguesa, em Lisboa.
O que cursou?
A licenciatura que tirei
inicialmente foi Economia, mas depois fiz vários outros cursos. Na realidade,
sou uma espécie de colecionador de cursos, gosto de estar sempre a estudar.
Ainda no tempo da licenciatura, tirei também muitas cadeiras de Gestão de
Empresas, e depois, no último ano, fiz parte de um MBA, em Antuérpia, na
Bélgica, ao abrigo do programa Erasmus. Mais tarde, fiz um mestrado em
Investigação Operacional e Engenharia de Sistemas, no Instituto Superior
Técnico. Passado uns anos, fiz um outro mestrado em Ciência Política e Relações
Internacionais, com a especialidade em Política Comparada. Nestes dois
mestrados, fiz só a parte letiva, não fiz a tese, pelo que não tenho o título
de Mestre. Depois fiz ainda uma outra pós-graduação, em Gestão de Empresas de
Telecomunicações e Tecnologias de Informação. Enfim, já tirei muitos cursos, o
próximo terá de ser um doutoramento, vamos a ver quando consigo. Falta decidir
em que área do conhecimento, porque tenho interesses muito diversos.
Onde passou a infância e
juventude?
Passei a infância e juventude em Lisboa, nos Anjos e no Lumiar. Durante as férias, passava grandes temporadas numa aldeia na Galiza, chamada Ermida, que fica no concelho de Covelo, na província de Pontevedra. Os meus avós tinham lá uma casa, que ainda é da família, e eu e os meus irmãos passávamos lá todos os anos, pelo menos, um mês, às vezes dois. Na adolescência, comecei a ir também por vezes ao Algarve com a família, normalmente ficávamos na praia de Monte Gordo.
![]() |
"Com os meus pais e meus irmãos; eu sou o 1º à esquerda" |
Qual (ou quais)
acontecimento marcou a sua infância e juventude?
Tive uma infância feliz, sem grandes sobressaltos. Recordo com saudade as férias de Verão, sempre divertidas, eram os melhores momentos, sempre com grupos de amigos, jogávamos muito futebol de rua, com duas pedras a fazer de balizas. Recordo as longas viagens que fazíamos no início de agosto, de Lisboa para a Galiza. O carro do meu pai não era muito grande, mas cabíamos todos, ele e a minha mãe, e nós, os quatro irmãos, e uma gata, mais a bagagem para férias de um mês.
![]() |
"A Ermida, aldeia dos meus avós, na Galiza, onde ainda temos casa de família" |
Parte dessa bagagem era colocada em cima do tejadilho do carro. Ainda não havia autoestrada até ao Porto, fazíamos o caminho pela Estrada Nacional e levávamos horas, com longas filas de trânsito. Como saíamos tarde de Lisboa, tínhamos que dormir a meio do caminho, normalmente na zona da Cúria, e no dia seguinte arrancávamos de novo, para chegar à Galiza de noite. Durava dois dias uma viagem que hoje fazemos em cinco horas. Era uma aventura. Mas era muito divertido, apesar de andarmos sempre à bulha, eu e os meus irmãos.
Quando começou a trabalhar?
Comecei a trabalhar logo a seguir ao término da licenciatura, em 1992. Fui fazer um estágio na União de Bancos Portugueses, um banco que já não existe. Mas estive lá apenas cinco meses, depois concorri a um lugar de economista no Instituto das Comunicações de Portugal, que agora se chama ANACOM, e é o regulador das comunicações, e é onde fiz grande parte da minha carreira, e onde hoje em dia trabalho. Mas pelo meio estive noutros sítios.
Atualmente reside em
Lisboa?
Sim. Na realidade, regressei
no ano passado à minha cidade natal. Tenho vivido sempre na linha de Cascais.
Em São Domingos de Rana, Estoril e na Parede.
Tinha vontade de voltar a
Lisboa há muitos anos e em 2020, mesmo antes da pandemia, vim morar em Benfica.
Em
1980/81, baseado pela Varig, morei na Parede, quase encostado à Madorna.
Adorei.
Que giro. O mundo é mesmo uma aldeia. A minha casa na Parede, onde
morei até ao ano passado, na Rua Carlos Paião, fica mesmo perto, no Alto da
Parede, entre o Murtal, o Penedo e a Madorna, precisamente.
Você morava nesse endereço em 1980?
Não. Em 1980 ainda morava
em casa de meus pais. Morei no Alto da Parede recentemente, entre 2015 e 2020.
Dentre os seus “interesses
muito diversos” está o da Política?
Sim, claro que sim. Como
disse, estudei ciência e teoria política, no Instituto de Estudos Políticos da
UCP. Interessa-me tanto do ponto de vista mais acadêmico, a filosofia política,
como do ponto de vista do fenômeno político,
Acompanho e sigo a atualidade
social e política, gosto do debate de ideias e de seguir e analisar a vida
partidária e das instituições públicas.
Você
acha que nos dias atuais, gramscianos no esplendor, existe “debate de ideias”?
Pois. Isso é uma pergunta
difícil, dava "azo para mangas". Poderíamos ficar aqui um dia inteiro
a conversar só sobre essa questão. Ou vários dias. Por um lado, a grande massa
da população não se interessa nada por política, muito menos por discutir
ideias. Mas, por outro lado, isto são tempos novos, não só pelo fenômeno das
redes sociais, que permite que muita gente que antes não participava no debate
agora tenha voz. E, pelo menos em Portugal, há muita gente que agora é
comentador político nos jornais ou na TV, que começou primeiro nos blogues, nos
anos 90, e agora nas redes sociais. E ao escreverem nestas redes, depois
tornaram-se conhecidos do grande público e entram no debate público mais
alargado.
Em
Portugal, claro que todo o debate de ideias está enviesado, mas isso vem de
trás, da revolução de 74. E está enviesado
porque toda a gente pensa como socialista, no sentido que a lógica é sempre a
do Estado, está enraizada nas pessoas comuns a lógica de que o Estado é que
importa, é que faz avançar a sociedade.
É uma cultura precisamente
oposta à tradição anglo-saxônica onde o foco do povo é limitar o Estado, não
deixar que o Estado interfira na sociedade, no dia a dia das pessoas.
Em Portugal aconteceu um
fenômeno interessante há cerca de dois, três anos, que foi o surgimento deste
novo partido que é a Iniciativa Liberal.
Num país com uma cultura tão
estatista e socialista, este partido é uma pedrada no charco, uma lufada de ar
fresco. E depois, tem outra vantagem, é um partido de ideias e não de pessoas.
Ao contrário, por exemplo, do Chega, centrado na figura do seu líder.
E como todas as pessoas estão
um pouco fartas dos partidos tradicionais, daquela cultura partidária de
caciquismo e de favores, sempre os mesmos, sempre as mesmas guerrinhas pessoais
que já ninguém aguenta, este partido IL faz a diferença, porque obriga a
pensar. Daí o seu sucesso nas camadas jovens urbanas. Já conseguiu um primeiro
deputado, e prevejo que continue a subir. E assim desejo.
Na realidade, penso que também
contribuí um pouco para o surgimento do pensamento liberal clássico em Portugal,
quando em 2002 fui um dos fundadores de uma associação chamada "Causa
Liberal". As ideias desse grupo de amigos que criou a Causa Liberal no
início do século são as mesmas do IL, e em 2019 começaram finalmente a ser
conhecidas dos portugueses.
Sim, o PS claro que sim. E esses outros também. O PSD talvez
menos. É um partido com características muito próprias. Não existe tanto
"clubismo" no PSD como no PS, nada que se pareça, pelo menos neste
momento.
O PCP e o BE, claro que sim. E o meu ponto foi mesmo dizer que o
IL é que faz a diferença, daí eu dizer que foi, e é, uma lufada de ar fresco.
Outro sinal, que levo muito em conta, a IL não é tão atacada
pela esquerda e extrema-esquerda e pelos militantes destas travestidos de
jornalistas, como é o Chega ou o Ventura…
Interessante essa pergunta. São fenômenos muito distintos, eu
acho. O Chega é atacado com toda a violência porque teve uma ascensão
meteórica, e, atualmente, algumas sondagens até colocam o Chega em terceiro
lugar, à frente de BE e PCP.
O IL é um partido diferente do Chega em tudo, só se fala dos dois
em conjunto porque apareceram mais ou menos ao mesmo tempo e são dois partidos,
se quisermos, da área da Direita ou Centro-direita, fenômeno que não acontecia
em Portugal há décadas. A esquerda sempre esteve dividida, ao passo que na
direita só havia PSD e CDS, e muitas vezes juntos, na AD.
Mas atenção que, no início da IL, antes de ter elegido o
deputado, era também atacada por jornalistas e comentadores de uma forma
agressiva e ridícula. Mais que atacada, era desprezada. Diziam tratar-se de uns
"miúdos mimados" e coisas parecidas.
Depois, quando apareceu o Chega, alguns comentadores
"mainstream" até começaram a elogiar a IL ao fazer a comparação entre
os dois, o que faz sentido para um eleitorado moderado, claro. Mas por outro
lado, na esquerda e extrema-esquerda, há muitos comentadores, como o Francisco
Louçã e o Pacheco Pereira, que revelam um ódio quase visceral ao IL, inventam
mentiras só para atacar. Um pouco como fazem com o Chega.
Enfim, faz parte da sua lógica de estar na política. Mas o IL não
responde a esses ataques, e faz muito bem. Continua o seu caminho sereno e
moderado, divulgando as ideias liberais de que tanto Portugal precisa.
Quem o Pacheco Pereira NÃO odeia?
Pois 😄
enfim, também não sejamos mauzinhos... Ele é um tipo interessante, claro. O que
é curioso é o percurso dele, que veio dos grupos maoístas (MRPP), depois foi
dirigente destacado, deputado, e eurodeputado do PSD (ainda é militante, acho),
e agora tem de novo ideias próximas da extrema-esquerda radical. A última vez
que li coisas escritas por ele, parece-me mais um militante do BE, ou ainda
mais à esquerda. Não faz mal mudar de opinião, mas o que acho estranho nele é
dizer agora exatamente o oposto do que dizia há uns anos. Eu gostava muito do
Pacheco Pereira há uns 10 ou 15 anos, tinha um blog muito bom, chamado Abrupto,
que eu visitava todos os dias e era crítico feroz do Governo PS da altura. O
que ele escrevia lá, eu concordava. Hoje diz o oposto com a mesma convicção de
antes... tudo bem, mas penso que perde credibilidade.
A esquerda e a extrema-esquerda odeiam tudo o que as rodeia.
Essa gente não vive de valores, jamais!, mas de e com rancores.
Certo. Eu tenho muitos amigos de esquerda, talvez até mais do que
de direita. O que reparo nos amigos de esquerda - e isto tanto acontece nas
pessoas comuns como nas elites - é que as pessoas de esquerda acham-se
superiores, não aceitam quem é de direita, ser de direita é como ser criminoso.
Na prática, têm falta de cultura democrática, não aceitam o
debate de ideias, não admitem quem pensa de forma diferente. Se alguém tem
opinião diferente, liberal por exemplo, respondem: "isso é de
direita" ou "isso é fascista", e corta-se aí o debate, como se fosse
proibido ser de direita.
Nos amigos ou nas elites de direita não vejo isso. Aceita-se a
opinião distinta e discute-se de igual para igual. Este desequilíbrio é fruto
da revolução de 74/75, e está enraizado na cultura política até hoje.
Está a demorar muito tempo até se conseguir sair desse
desequilíbrio, mas finalmente está a acontecer um pouco, com estes novos
partidos. Isso é bom para a democracia.
O povo português é de esquerda?
Não, não considero isso. Enfim, como disse atrás, de um ponto de
vista "cultural", sim, é um pouco, como resultado da revolução do 25
de Abril de 1974. Mas, politicamente, não me parece que seja de esquerda, nem
de direita. Haverá um equilíbrio entre direita e esquerda semelhante à maioria
dos países da Europa Ocidental, e os estudos de política comparada comprovam
isso. Portanto não deverá estar muito longe dos 50% para cada lado, sendo que
no meio há um eleitorado chamado do "centro", que umas vezes vota à
esquerda e outras à direita.
Agora, embora eu considere que a divisão entre esquerda e direita
continue a ser válida, até de um ponto de vista académico, há uma outra divisão
que me interessa mais, que é entre liberalismo e autoritarismo, e os
portugueses em geral não estão habituados a esta dimensão. Mas ela é mais
importante até. Por exemplo, partidos como o BE e o PCP são partidos que
defendem regimes autoritários e recusam a democracia liberal e o pluralismo
político. O PSD e o PS são partidos democráticos e liberais, embora - e isso é
o que me preocupa, e deveria preocupar todos - o PS esteja numa fase com
tendências algo autoritárias. E não é só pela proximidade ao BE e ao PCP,
porque precisa do apoio desses partidos para aprovar as leis no parlamento, e
por isso faz cedências, demasiadas cedências, que atrasam o desenvolvimento do
país. Mas o próprio PS, pelos seus dirigentes atuais e figuras principais,
revela uma arrogância e sobranceria com tiques de autoritarismo.
Do outro lado, do lado do liberalismo - que é o oposto do
autoritarismo - temos a Iniciativa Liberal. O partido IL é o partido que mais
se aproxima do modelo prevalecente nas democracias liberais ocidentais, que é
também defendido pelo PS, PSD e CDS. É por isso muito curioso, e só
compreensível no âmbito da luta político-partidária, ver pessoas próximas do PS
chamarem de "radicais" ou "fascistas" ao IL. O IL é o
partido que mais se aproxima, neste momento, dos ideais de liberdade do 25 de
Abril. Claro que falo dos ideais puros de liberdade que foram apenas
implementados após o 25 de novembro, e nada têm a ver com o PREC, um período em
que se pretendeu implementar uma "ditadura do proletariado" que nada
tinha a ver com democracia liberal.
Bem, essa pergunta dava
para uma entrevista inteira... Quem saberia explicar melhor que eu seria
precisamente o Pacheco Pereira, que o viveu 😊.
Mas vou tentar resumir para quem nunca tenha ouvido falar. O Período Revolucionário
Em Curso, PREC, foi o período que se seguiu à revolução do 25 de
Abril em 1974, e antes de se instaurar a democracia de tipo ocidental em
Portugal, em 1976. Nesse período, e simplificado um pouco, havia duas
tendências, por um lado os que queriam criar a chamada ditadura do proletariado
(dizia-se até que Portugal seria "a Cuba da Europa") - agora até se
falou muito nisso a propósito da morte recente do Tenente-Coronel Otelo Saraiva
de Carvalho.
E do outro lado estavam os que defendiam a instauração de uma democracia pluralista de tipo ocidental. Nestes estavam os militares do chamado "Grupo dos Nove", e também os partidos moderados, PS, PSD, CDS, portanto, Mário Soares, Sá Carneiro e Freitas do Amaral. Do outro lado, estava o Partido Comunista de Álvaro Cunhal, que pretendia uma aproximação ao regime soviético.
Estas duas forças
estiveram em confronto durante esse período, e houve momentos em que se viveu
quase à beira de uma guerra civil, com vários golpes e contragolpes, e muita
violência, como ataques às sedes dos partidos de um e de outro lado. No fim, e
para resumir uma história longa, deu-se o 25 de Novembro, que foi uma tentativa
de golpe falhado da ala comunista, acabando por vencer o lado democrático,
liderado pelo Ramalho Eanes e pelo Jaime Neves.
A partir do 25 de
Novembro de 1975, ficaram finalmente criadas as condições para os militares
abandonarem o poder, e serem realizadas as primeiras eleições livres, que
aconteceram em 25 de Abril de 1976. Foi assim que surgiu a democracia
representativa de tipo ocidental.
Mas aquele período do
PREC foi muito complicado, com os radicais a praticarem vários atos violentos e
as populações com medo que Portugal se tornasse um satélite do regime
soviético. O que esteve perto de acontecer, e muita gente não conhece essa
história. Nas escolas ensina-se o 25 de Abril, mas ignora-se totalmente o 25 de
Novembro... Por isso as gerações mais novas não conhecem.
Como avalia o atual Governo de Portugal?
O atual Governo é muito fraco. Não tem um rumo, uma estratégia,
não quer reformar o país, não tem ambição. E, pior do que isso, não governa
para o bem do país, mas apenas para manter o poder, e satisfazer as suas
clientelas. O PS atual tem uma cultura de "assalto ao poder", o seu
grande objetivo é submeter a sociedade ao poder do partido, e para isso coloca
os seus fiéis nos lugares-chave das instituições do poder.
E não é apenas na Administração Pública e nos organismos do
Estado, é também nos Tribunais, e nas instituições independentes. Isto impede o
regular funcionamento dos "checks and balances" necessários ao bom
funcionamento do regime democrático.
Vimos isso nos episódios da não renovação do mandato da anterior
Procuradora Geral da República, na nomeação de Mário Centeno para o Banco de
Portugal, e muitos outros casos. Segundo uma notícia recente do jornal
Expresso, quase 70% das nomeações para altos cargos do Estado foram baseadas em
regras viciadas. Tem havido, com este governo, uma diminuição da qualidade da
democracia, e isso é visível em vários indicadores, como o da corrupção, falta
de transparência etc.
Mas pior ainda é não haver perspectivas de melhoria das condições
econômicas. Nos últimos vinte anos, a maioria com governos socialistas, estamos
a perder lugares no ranking do PIB per capita da União Europeia, estamos a ser
ultrapassados por vários países e, se continuarmos assim, ficaremos em breve no
último lugar. O governo não tem uma estratégia para mudar isto. O Plano de
Recuperação e Resiliência, ao apostar tudo no Estado e não nas empresas, não me
parece que vá mudar este estado de coisas. Um investidor não tem razões para
investir em Portugal, neste momento. Portanto, avalio mal o atual Governo.
Ainda voltando ao PS, há um ponto que gostava de frisar. Este
partido está ferido moralmente perante os portugueses. Um partido decente,
qualquer partido decente numa democracia ocidental teria feito um mea-culpa, e
uma condenação forte e veemente do governo Sócrates e da sua conduta como PM e
como líder do partido. Se tivesse feito essa condenação, os portugueses poderiam
voltar a confiar no PS. Mas, pior, não só não o fez, como hoje temos no governo
vários ministros e secretários de estado que estiveram nesse governo de
Sócrates. Isto é absolutamente inacreditável.
Ao não o fazer esse corte, é natural pensar-se que as práticas
são as mesmas das desse governo. Por exemplo, a falta de transparência, a
tentativa de controlo dos media, que é crescente e preocupante. Assim, não há
forma de o povo confiar nos seus governantes. Depois, claro, abre-se a porta
aos “populismos”. E, note-se, não falo dos processos jurídicos contra Sócrates,
esses serão julgados na Justiça, no Tribunal. Falo naturalmente do
comportamento político eticamente condenável.
Mas as sondagens apontam o PS com ampla
maioria…
Sim, claro. Mas isso é
muito curioso. Como é que um partido que teve o Governo de Sócrates, e que
praticou tudo aquilo que se conhece, levando o país à beira da bancarrota,
consegue depois ganhar eleições? Isso dava uma interessante tese de
doutoramento em ciência política, explicar esse paradoxo 😊.
Em todo o caso, isso não é rigoroso, porque o PS de Costa não ganhou as
eleições de 2015, foi o PSD com Passos Coelho (e apesar da Troika) que ficou em
primeiro lugar. Mas como não teve maioria absoluta, não pode governar, e o PS
aliou-se à extrema-esquerda para formar aquilo que se chamou de
"geringonça" (aliança do PS com o PCP e o BE). Depois, nas eleições
de 2019, já como Rui Rio na liderança do PSD, aí o PS ficou à frente.
Mas voltando à pergunta,
como é que as sondagens dão ampla maioria ao PS neste momento? Eu explico por
duas razões. A primeira, a total ausência da oposição. Rui Rio não faz
oposição, elogia mais o Governo do que critica.
A segunda razão tem a ver
com o momento atual de pandemia. António Costa, muito no início, até era contra
o confinamento, só foi convencido pelo Marcelo. Mas rapidamente mudou a sua
posição. E mudou por quê? Esta situação de pandemia, e falta de segurança leva
ao medo das populações. E esse medo é excelente para quem está no poder. Quem
está no poder adora que as pessoas tenham medo, pois é uma forma de reforçar
esse poder e controlar as pessoas.
E repare, ainda esta
semana há um episódio curioso. O Governo criou um Despacho onde se define os
alimentos que não se podem vender nos bares das escolas. Isto é típico de uma
ditadura, chega-se ao ponto de detalhar quais os tipos de bolachas, com pepitas
de chocolate, ou com cobertura disto ou daquilo, que são proibidos. Então o
Governo tem de fazer de "paizinho" e decidir o que se pode ou não
comer nas escolas? As famílias não são responsáveis para decidir por si? Mas
isto é apenas um exemplo de centenas que eu poderia dar em que o Governo decide
interferir com a liberdade das pessoas.
Só que muitos portugueses
gostam mesmo que mandem neles, que interfiram, que quem está no poder faça de
"paizinho" que decida por eles. Era assim no tempo do Salazar e
continua a ser assim com o atual Governo.
E essa medida das escolas
é obviamente inconstitucional, como são inconstitucionais as muitas medidas
absurdas que o governo tomou no âmbito da pandemia. Qual a lógica de ser
obrigatório um certificado Covid para jantar num restaurante ao fim de semana,
e durante a semana não? Então o vírus só circula no fim de semana? E poderia
dar muitos outros exemplos.
Mas numa pandemia o
Governo abusa do seu poder, porque as pessoas têm medo. Só que, como dizia o
grande filósofo Isaiah Berlim "liberdade é liberdade, não é igualdade, ou
equidade, ou justiça, ou cultura, ou felicidade humana, ou uma consciência
tranquila". Liberdade é liberdade, ponto final. E nestes tempos difíceis,
de pandemia, as democracias liberais deviam ter muito cuidado com a liberdade
que estão dispostas a perder em nome de outras coisas.
São tempos muito
estranhos e difíceis. Mas em tempos destes, e ainda com a pandemia ativa, é
natural que as pessoas não arrisquem e votem em quem já conhecem. Ainda mais
quando a oposição (entendida como o maior partido) desapareceu.
E o Presidente da República?
O Presidente Marcelo. Bom, aqui tenho de dividir a resposta em
duas partes. Por um lado, a pessoa Marcelo Rebelo de Sousa. Por outro lado, a
sua atuação enquanto PR. Eu admiro muito o Professor Marcelo, acho-o uma pessoa
brilhante, teve uma carreira política brilhante. Na realidade, ele é também um
pouco responsável por eu ter este “bichinho” da análise política, pois nos anos
80 o Professor Marcelo tinha um programa semanal na rádio TSF, onde comentava a
atualidade, e atribuía notas aos atores políticos de então, como se estivesse a
dar notas na faculdade (de 0 a 20). Ele realmente
era brilhante como comentador, depois passou para a TV, e foi assim que ganhou
popularidade que lhe permitiu ser eleito PR. E é também um excelente professor,
dizem todos os seus alunos. Resumindo, é uma pessoa muito inteligente e com
grandes qualidades, justificando a enorme popularidade que tem, dentro e fora
do país. É um fenômeno.
Quanto à sua atuação enquanto Presidente. Votei nele na primeira
eleição, e já não votei na segunda. Creio que tem sido um mau PR essencialmente
porque está demasiado colado ao Governo. Em certas situações tem sido até um
“bombeiro” do governo, sempre pronto a ajudar e dar uma mãozinha quando o
governo está em dificuldades. Ao apoiar todas as políticas do governo, que são
más políticas e que conduzem a um empobrecimento e uma degradação da qualidade
da democracia, está a ser um mau PR.
Pode dizer-se que, apesar de tudo, ele tem vetado algumas
medidas, e noutros casos, tem feito o seu “magistério de influência”, falando
com o Governo e influenciando as decisões. Sim, isso é verdade, mas em meu
entender foi muito pouco, tem sido muito pouco face ao que eu, e muitos
eleitores, esperávamos dele. E é imperdoável ter sido conivente com a não
recondução da anterior PGR, com a nomeação do Mário Centeno para o BdP, com
outras nomeações semelhantes. Por exemplo, agora, não exigir a demissão do ministro
Cabrita, envolvido em tantas polémicas.
Marcelo terá agora, no segundo mandato, que mudar a sua atuação,
para poder sair com a mesma popularidade com que entrou. E ele tem mostrado
alguns sinais disso, alguns sinais de insatisfação. Vamos ver como se sairá
nessa tarefa, num contexto de pandemia.
O grande problema que ele enfrenta agora é não existir oposição.
Falei sobre a desgraça que tem sido este governo, mas infelizmente a oposição
não está melhor. O PSD, o maior partido da oposição, simplesmente demitiu-se
desse papel. Alguém imagina um partido da oposição que faz mais elogios que
críticas ao Governo? Não, nunca se viu tal coisa. Pois, é o que o PSD tem feito
com o atual líder, Rui Rio. Ele tem a estratégia de ser o mais semelhante
possível ao PS, convencido que só assim ganha eleições, roubando-lhe o
eleitorado.
Só que as pessoas, entre o original (o PS) e a cópia (o PSD),
preferem naturalmente o original. É a pior estratégia possível para um partido
da oposição, e isso tem-se refletido nas sondagens, com o PSD sempre a descer.
Espero que, na sequência das eleições autárquicas de setembro, o PSD troque de
líder, para passarmos a ter alguma oposição em Portugal. Que tanto precisamos.
Conhece o Brasil?
Não. Infelizmente ainda não conheço. Tenho viajado muito, mas com
grande pena minha ainda não tive oportunidade de conhecer esse grande país. Mas
vou fazê-lo, claro. Sempre quis conhecer o Brasil, até porque os meus pais
conheceram e a minha mãe sempre me contou maravilhas do Brasil.
Acompanha a atualidade brasileira?
Também não. Deveria acompanhar mais. Só acompanho pelas poucas notícias
que vão passando na comunicação social portuguesa, o que é muito pouco.
Curte futebol?
Sim, gosto de ver. Não acompanho muito. Em criança e jovem, sim,
seguia tudo, era adepto do Benfica, claro. Seguia os jogos todos, conhecia
todos os jogadores. Depois, em adulto, deixei de ligar. Na televisão raramente
vejo um jogo, exceto aqueles mais importantes, quando joga a seleção ou quando
o Benfica vai a uma final. Mas gosto de ir ver um jogo ao estádio, de vez em
quando. Ao estádio da Luz, claro. Ainda por cima agora moro perto.
No Brasil,
seria Vascaíno, confere? 😊
Vascaíno é adepto do Vasco da Gama? Sim, será isso. Não acompanho
o futebol brasileiro, mas se você diz, confere 😊. Nós, benfiquistas, dizemos que "quem
não é do Benfica, não é bom pai de família". Por isso, eu disse "era
do Benfica, claro".
Conhece algum (ou alguns) dos já ‘entrevistados’ por nós?
Sim, conheço o Lourenço Bray. Somos amigos, ele foi meu colega na Anacom,
conhecemo-nos aí e ficámos amigos. Atualmente partilhamos os mesmos interesses,
nomeadamente políticos, ele também é um liberal clássico.
E o José Brás, conheço apenas por ser amigo dele no Facebook, e fiquei a
conhecer melhor na entrevista. As redes sociais têm esta coisa curiosa. Ao fim
de alguns anos conhecemos melhor uma pessoa que nunca vimos pessoalmente, mas
com quem interagimos todos os dias nas redes, do que outra pessoa que
conhecemos na "vida real" há anos.
Conhecia o Cão?
Não, por acaso não conhecia. Tenho estado a ver agora, e acho muito interessante. Parabéns por esta iniciativa de entrevistar pessoas comuns.
Mário, tocou no ponto fraco, ou forte: “entrevistar pessoas comuns”. Ou, como disse José Brás: “falar com as pessoas”. Sim, ouvir as pessoas que, na maioria das vezes, têm mais a dizer (e ensinar) do que os manjados comentaristas e “especialistas”. Muito obrigado!
Pois. Em Portugal é diferente. O Primeiro-ministro e o Presidente
estão muito alinhados no tema Pandemia, e os resultados têm sido relativamente
bons. Só tivemos um período de grande stress do sistema de saúde, a seguir ao
Natal, janeiro e fevereiro. Em geral, o programa de vacinação tem corrido bem,
e creio que Portugal é dos países do mundo com maior percentagem de vacinados
neste momento.
Eu não queria alongar-me muito neste tema, porque não sou médico
nem epidemiologista, e critico todos os que falam na comunicação social e nas
redes sociais como se fossem especialistas, não o sendo.
Mas queria fazer só duas observações. Sou crítico do papel da
comunicação social aqui, porque é de uma total falta de transparência, além
disso há um exagero na propaganda do medo. Todos os especialistas que vão à TV
apelar ao medo, e às desgraças que aí vêm, têm horas de tempo de antena. Se,
por acaso, há algum que vem dizer o contrário, que não é necessário máscaras na
rua, ou algo do género, então nunca mais aparece e cortam-lhe a voz. Não há
debate algum, não se discutem as medidas. E, nuns momentos, as decisões são
exclusivamente técnicas, quando dá jeito, e noutras alturas já não podem ser
técnicas, e têm de ser exclusivamente políticas, quando isso interessa.
Perde-se um pouco a credibilidade.
A outra crítica que eu faço é não haver prestação de contas (como
alguém pedia num artigo de opinião recente do Observador). Estamos há quase
dois anos com medidas intrusivas e restritivas das liberdades mais básicas -
ok, admito que necessárias por uma razão de saúde pública - mas com implicações
fortíssimas em termos da vida diária das pessoas, da economia, das escolas,
etc. E há que fazer um balanço, porque outros países seguiram outras medidas.
Quais os impactos? os resultados foram bons ou maus? As escolas estarem
fechadas foi bom ou mau? Portugal foi dos países europeus onde as escolas
estiveram fechadas mais tempo. Qual o impacto disso no futuro dessas crianças?
Isto devia ser avaliado, já é tempo, ao fim de quase dois anos.
Mas não se faz, porque não interessa ao Governo. Isto para não
falar no impacto na saúde de todas as outras doenças que não Covid, que é
brutal, mas também não se fala nisso. E no impacto a médio prazo na saúde
mental, que será ainda mais preocupante.
Acredita em Deus?
Sim, acredito. Na verdade, tive uma educação na Igreja Católica
muito rigorosa, a minha mãe foi a minha catequista, o que agradeço muito, era
muito boa catequista, e ia à missa todos os domingos, etc.
Em adulto, afastei-me um pouco, e mais tarde, há uns dez anos,
quando aconteceu uma doença grave a uma pessoa próxima, aproximei-me de novo.
Depois, fiz um percurso que muita gente faz em certa idade, que foi a procura
de outras explicações, outras abordagens, perceber o sentido da vida, procurar
a minha essência, o meu interior. Fiz alguns retiros de meditação, ligados a
espiritualidades, mas não religiosos.
Creio que estamos todos sempre a procurar o sentido da vida. As
explicações para o que nos acontece.
No Brasil são mais avançados do que aqui em muitas coisas. Por
exemplo, uma abordagem interessante é a das "Constelações
Familiares", que no Brasil já é aplicada, no Direito, nos Tribunais, e parece-me
que pode ser útil. Aqui ainda não é.
Mas, sim, definitivamente acredito em Deus, acredito que há algo
superior, que está a um outro nível. E acredito que cada um de nós é também um
ser divino, e devemos procurar esse divino em nós próprios.
Fernando Pessoa, que era um místico, e também astrólogo (um excelente astrólogo mesmo) escreveu esta frase "o que está em cima é como o que está em baixo e o que está em baixo é como o que está em cima". Eu acredito que todos temos um pouco de divino.
Uma pergunta que não foi feita?
Duas. E respondo, posso? 😀"Quantos filhos tem?"
Tenho três, que são o meu orgulho, um rapaz e duas meninas.
E "quais os seus hobbies?"
Tenho vários, mas o mais recente é a pintura, hobbie que partilho com a Célia, minha namorada. Aproveitamos o confinamento para pintar. Tenho quadros alusivos a Lisboa, Fernando Pessoa, e muitos outros. A pintura é também uma excelente forma de terapia.

Nestes tempos difíceis que
vivemos, não só pela pandemia, mas sobretudo pelas mudanças políticas e a
ascensão dos radicalismos e extremismos em todo o mundo, devemos ter muito
cuidado em não recuar no nosso modo de vida democrático e na defesa
intransigente das liberdades individuais (democracia e liberdade não são a
mesma coisa, embora sejam muitas vezes confundidas).
Neste sentido, aconselhava os
leitores a lerem os autores da tradição liberal clássica, como John Locke,
Stuart Mill, Adam Smith, Alexis de Tocqueville, Friedrich Von Hayek, Milton
Friedman ou Ludvick Von Mises. Está lá o essencial sobre as liberdades.
Se quiserem ler apenas um
livro leiam "O Caminho da Servidão", do Hayek, um livro pequeno, mas
essencial.
E, já agora, para finalizar,
aconselho também os livros (a publicar em breve) sobre a Filosofia Viva, do meu
amigo José Prudêncio, que está a criar em Lisboa uma nova Filosofia para a
Europa.
Obrigado, Mário! 😉
Bem articulado esse seu entrevistado,
ResponderExcluirAté...