terça-feira, 24 de agosto de 2021

[Livros & Leituras] Ponerologia - Psicopatas no poder


O século XX foi o século mais sangrento da história da humanidade. Justamente quando parecia chegar ao domínio da energia nuclear, ao conhecimento do inconsciente, da biologia etc., aconteceram genocídios e guerras violentas. Diante do desenvolvimento da noção de indivíduo racional e político, conhecemos totalitarismos assassinos. Esse livro é uma tentativa de compreensão desse fenômeno. Antes de tudo, é preciso dizer que apesar da origem do autor (um psiquiatra), o livro vem sofrendo críticas ao longo dos anos por falta de dados que comprovem as afirmações do autor. Além disso, falta organização e por diversas vezes o texto poderia ser mais claro e direto. A explicação do autor para esses inconvenientes aparece logo de início, quase como uma desculpa, portanto não vou reproduzi-la aqui. Quero apenas expor alguns pontos importantes para a compreensão do texto e que podem merecer um debate mais detalhado: a questão do bloqueio reverso, da histerização e da política. 

Bloqueio reverso é o mecanismo criado pelos psicopatas, quando no poder, para falsificar a realidade. Todos nós, para estabelecer nossa visão de mundo, confrontamos os dados da realidade com aquilo que sabemos e aprendemos, estabelecendo nossas “verdades” em alguma região entre elas. Mas quando há psicopatas destruindo o real, o que se aprende é necessariamente distorcido, uma mentira mesmo. A consequência é que as pessoas normais acabam perdendo os parâmetros de percepção da verdade e aceitam calmamente o que lhes foi imposto. Esse método investe na impossibilidade de comunicação do que é a verdade. É um método de educação, afinal, que molda a apreensão do mundo. Dessa forma, não chega a surpreender que os regimes patocráticos insistam em uma nova e inédita visão da história, uma reformulação completa, que insiste em negar conhecimentos estabelecidos e verdades incontestáveis. A verdade se torna mera questão de interpretação, uma dentre tantas versões possíveis da realidade. 

Todo o conhecimento do psicopata sobre a natureza humana (lembrando que ele tem o domínio intelectual sobre as emoções, mas não as desfruta, apenas percebendo como elas afetam as pessoas normais) serve como base para esse método. É como se ele soubesse quais temas e atitudes vão despertar as emoções alheias. Assim, consciente do peso da verdade para as pessoas normais, e como elas se apegam, constrói uma negação completa do mundo existente, uma nova história. O regime não precisa de psicopatas espalhados por toda a sociedade para se manter. Ao contrário, precisa apenas encontrar docilidade, pessoas que acreditem em seu discurso igualitário de novos tempos e justiça, para depois mostrar a elas que corresponde a suas expectativas. Dessa forma, embora não cite, Lobaczewski [foto] dialoga com a interpretação de Reich (como o sistema nazista conseguiu canalizar o desejo reprimido das massas para a destruição através de símbolos), mostrando que o regime não mente, não manipula as massas, mas muda sua interpretação da realidade a ponto de fazer parecer que assassinatos e vingança são meras punições legítimas para crimes (termo que, por sua vez, também tem o significado alterado). 

É como se fosse construído um novo mundo bem diante de nossos olhos. E ele nega os valores antigos, aposta na solidariedade e na justiça social, termos que apresentam um significado também diferente do que se poderia supor a princípio. Dessa forma, com um trabalho paciente, a sociedade vai sofrendo uma transformação importante, até chegar ao ponto de uma completa histerização da vida política. Esse fenômeno pode ser entendido da seguinte maneira: todo assunto público que diga respeito aos temas elencados pelo governo patocrático, são entendidos de um ponto de vista emocional. A reflexão deixa essa arena e sequer é lembrada, de modo que as discussões se tornam acaloradas e pobres de reflexão e argumentos elaborados. Os representantes políticos apelam para o aspecto emocional do eleitorado, referindo-se a questões em que é imoral não apoiar os oprimidos ou sofredores etc. Um exemplo: presidentes que choram ao receber relatórios ou ao se referir ao combate à fome. Em suas falas não há sinal algum de reflexão, não há argumentos racionais e objetivos, apenas apelo ao lado emocional da plateia. E qualquer tentativa de elucidação dessas questões, que passe por discussões racionais, é afastada. Uma atitude dessas é vista como enfrentamento do que é “certo”. 

Vemos, portanto, que a grande consequência da ascensão de psicopatas ao poder é uma distorção do sentido da política. O termo deixa de significar a arena para discussões e tomadas de decisão para ser apenas o meio de intervenção na sociedade. É preciso fazer o melhor para uma parcela da sociedade que sempre foi ultrajada, se ouve dizer. E aparecem diversos novos mecanismos para isso. Aqui se percebe que mais importante do que trocar informações e chegar a um consenso com as diferentes noções, é preciso submeter todos a sua vontade. O discurso, no entanto, frisa que a democracia e a tolerância nunca foram tão buscadas e realizadas. Para o observador, que já está confuso com os novos tempos (e é um embotado moral, portanto), parece uma época de ouro, verdadeiramente justa e democrática. Mas na prática a política deixou de existir, sobra uma vaga lembrança de seu sentido real. 

A questão de que qualquer coisa que ameace o governo patocrático se torna imediatamente imoral é muito óbvia: aparece na fala de Hugo Chávez, como a oposição que é contra a revolução, inimiga do povo; na fala do governo brasileiro, atacando a elite branca (coxinha), por querer sustentar (de acordo com a fala deles) privilégios não apenas imorais, mas ofensivos em relação ao restante da população. E em tantos outros casos, que não vale a pena ficar lembrando aqui. Dessa forma, tudo o que não estiver dentro de seu território delimitado pelo poder, automaticamente se torna inimigo, uma ameaça. E nada melhor do que isolar os opositores como inimigos do progresso, da justiça social. Um paramoralismo abjeto, embora muito eficaz, como podemos perceber todos os dias na fala dos defensores do atual governo. 

A rigor ponerologia é a ciência que estuda os fenômenos relacionados à origem e efeitos do domínio do mal nas sociedades. É um empreendimento bastante ambicioso, que ilumina uma série de eventos históricos do século XX. Por exemplo, quando estudante, assisti ao interminável debate sobre e possível natureza do regime soviético. Uns o atacavam por ser a realização plena do ideal marxista, segundo pensavam; enquanto outros desculpavam Marx e suas propostas, afirmando que aquilo era apenas uma variante selvagem do sistema capitalista, um capitalismo de estado. 

No entanto, essa discussão acadêmica escapou de seu espaço restrito e ganhou a sociedade. Durante esse movimento, se tornou francamente ideológica e pouco se diz de relevante a esse respeito hoje em dia. A maior consequência dessa transformação é que podemos encontrar até quem hoje defenda o regime soviético, negando os expurgos stalinistas e milhões de mortes, causadas direta e indiretamente. Pois esse livro serve como um antídoto para essa discussão estéril. Não se trata de defender ou não uma ideologia, precisamos lidar com os resultados práticos dos regimes e tentar entender como chegaram ao poder, além de analisar detidamente a personalidade de seus dirigentes.

Resenha de: Marc, Skoob, 14-12-2014

 

Livro de Andrew Lobaczewski, é um mergulho na mente de líderes que tem certeza de que são deuses com a missão divina de salvar o mundo, oferecendo a este um lugar paradisíaco a imagem e a semelhança da sua loucura. Diante de seus sonhos megalomaníacos, esses líderes não conhecem fronteiras para a frieza como tratam os problemas humanos e acreditam que em pró da causa maior, os fins sempre justificarão os meios. Líderes desse tipo são conhecidos: Lenin, Stalin, Hitler, Pol Pot, Fidel, Chaves, Idi Amin, Ceausescu, Pinochet, Fidel. As consequências das suas psicopatias são milhões de vidas destruídas num teatro dos horrores perpetrado pelas ideias genocidas destes líderes admirados pela intelligentsia. 

Fruto das suas experiências em diagnósticos na área de psicoterapia, e da participação de um grupo de cientista que estudavam as desordens de personalidades de regimes políticos em líderes totalitário, juntou as análises destes comportamentos psicóticos e os chamou Ponerologia. Fugiu do Leste Europeu, pois tinha muitas informações sobre o comportamento mentais destes líderes e encontrou em Nova York a acolhida para publicar a sua obra. 

Enriquecido com o prefácio do professor Olavo de Carvalho e do escritor Flavio Quintela, o livro mostra o quanto é perigosa a mente de gente bem-intencionada quando chega ao poder: Eles são os salvadores da pátria. 

“Nós enfatizamos que, neste livro, estamos lidando com anormalidades de uma forma qualitativa e não estatística. Pessoas excepcionalmente inteligentes são estatisticamente anormais, mas elas podem ser membros perfeitamente normais de uma sociedade, do ponto de vista qualitativo. Nós estamos procurando por indivíduos que compõem um número estatisticamente pequeno, mas cuja qualidade desta diferença é tal que pode afetar, de forma negativa, centenas, milhares e até mesmo milhões de outros seres humanos.” 

Lobaczewski analisa o perfil psicológico dos diversos tipos de líderes, todos com tendências a megalomanias, e identifica os tipos mais perniciosos. Desde aqueles que diante da sua incompetência, oprime os seus comandados ocultando suas falhas e incompetências, a aqueles que acreditam que estão acima de tudo e de todos, pois são dotados de uma capacidade e inteligência ímpar, ver o resto da humanidade como seu lacaio pronto para obedecer cegamente aos seus comandos e realizar os seus desejos. 

“A sociedade não é um organismo que subordina cada célula ao bem do todo; nem é uma colônia de insetos, na qual o instinto coletivo age como um ditador. Contudo, também deveria ser evitado que fosse um compêndio de indivíduos egocêntricos ligados puramente pelos interesses econômicos e pela organização legal e formal.” 

Naquilo que o autor chama de Ciclo da Histeria, ressalta a relação psicológica que o homem tem na necessidade de se encontrar fora de uma realidade que ele não aceita e não compreende. Isso o leva a buscar alternativas que moldem o mundo ao seu gosto. O autor assevera que a percepção destas verdades conduz ao empobrecimento das capacidades e o culto ao poder. 

“A percepção da verdade sobre o ambiente real, especialmente um entendimento da personalidade humana e seus valores, deixa de ser uma virtude durante os chamados tempos “felizes”; os céticos ponderados são considerados intrometidos que não conseguem viver bem sozinhos. Isso, por sua vez, leva a um empobrecimento do Conhecimento psicológico, da capacidade de diferenciar as propriedades da natureza e da personalidade humana, e da habilidade para moldar criativamente as mentes. O culto ao poder, então, suplanta aqueles valores mentais tão essenciais à manutenção da lei e da ordem por meios pacíficos.” 

Seria bom se todos nós lêssemos este livro. Estamos sempre buscando um salvador da pátria para suprir a nossa incapacidade de observar os fenômenos políticos e saber agir. Transferimos estas responsabilidades, quando o caos se instala, para quem se propõe a tudo concertar, a nossa responsabilidade em preparar os caminhos daquele que nos servirá quando chegar ao poder. Ao não escolher corretamente que nos governará, dado a nossa miopia, colocamos no poder demagogos, corruptos, déspotas e genocidas. A história tem nos mostrado as consequências das nossas escolhas.

Resenha de: Fidel, 22-12-2018 

Leio, logo penso, 31-3-2018

⭐⭐⭐⭐⭐

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