Os ministros do STF têm o aplauso ativo e
entusiasmado da mídia, das classes intelectuais e de todo o vasto mundo que
pode ser escrito como a elite urbana do Brasil
Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
J. R. Guzzo
O deputado Daniel Silveira,
preso pelo Supremo Tribunal Federal desde o último mês de junho, pediu ao
Supremo Tribunal Federal — que é ao mesmo tempo policial, carcereiro e juiz
em todo o processo de sua prisão — autorização para utilizar o seu telefone
celular. Sua intenção era voltar a participar dos trabalhos na Câmara dos
Deputados — se o seu mandato não foi cassado até agora, e ninguém assumiu o seu
lugar, por que não poderia trabalhar a distância, em regime de “prisão office?”
Como o presidente da Câmara
não deixa — num caso possivelmente único na história parlamentar do mundo
livre, esse presidente e a maioria dos demais deputados são a favor da
prisão —, Silveira entrou com um mandado de segurança no STF, reivindicando o
exercício do seu direito. No STF? Pura perda de tempo, é claro. A ministra
Cármen Lúcia, a quem coube julgar o pedido, naturalmente disse “não”; quem é
ela para desagradar o colega Alexandre Moraes e outros peixes gordos do STF,
que fazem questão de exterminar o deputado e sua carreira?
Mas Cármen, além de obedecer,
resolveu pensar — e o resultado foi mais um desses momentos de superação que só
os 11 ministros conseguem apresentar hoje em dia ao público pagante. Ela disse
em seu despacho, acredite se quiser, que não podia ir contra a decisão do
presidente da Câmara para não violar a “independência entre os Poderes”.
Ficamos assim, então. O STF
pode perfeitamente enfiar na cadeia, por quanto tempo quiser, um deputado
federal em pleno exercício do seu mandato, algo que faz em desrespeito absoluto
às imunidades parlamentares e à Constituição brasileira. Mas não pode
contrariar o deputado Arthur Lira quando ele resolve que Silveira está proibido
de usar o telefone celular e de exercer o seu mandato em esquema de
tornozeleira remota.
Quando prende um deputado, o STF não ofende em nada a “independência entre os Poderes”, segundo o seu entendimento da vida e do mundo. Depois da prisão, vira um defensor extremado da ideia de “separação” do Legislativo e Judiciário. Que nexo faz um negócio desses?
Não faz nexo nenhum, como
continua incompreensível a prisão, dias atrás, do presidente do PTB, despachado
para o presídio de Bangu por ordem do mesmo ministro do Supremo — hoje o
marechal de campo de uma cruzada heroica, segundo a mídia, as elites e as empreiteiras
de obras públicas, contra aquilo que ele considera “atos antidemocráticos”, “fake
news” nas redes sociais e delitos de bolsonarismo em geral. Mas aí é
que está a chave do sucesso crescente do STF: ninguém, a começar pela classe
política, está interessado numa Corte Suprema que faça nexo. Tudo o que importa
é perguntar o seguinte: “Como a gente faz para obedecer?”
A partir de agora, o
dinheiro tem de ir para uma conta do TSE
Jefferson foi preso em
flagrante, mas até agora o ministro Moraes e o grupo de policiais que opera sob
o seu comando direto não conseguiram descrever que crime ele estava praticando
na hora em que o camburão chegou — ou nas 24 horas anteriores, ou em qualquer
outro momento. É certo que Jefferson, como Silveira, fala as maiores barbaridades
do STF e da conduta dos seus ministros; também organiza manifestações de rua
contra todos eles, com caminhoneiros, tratores e um cantor de música caipira.
Mas qual é a lei que proíbe essas coisas?
O ex-deputado poderia ser
processado por injúria, difamação e até mesmo calúnia pelos ministros, como
está previsto no Código Penal. Só que não foi; esses delitos, aliás, não
permitem a prisão de ninguém. Foi preso e pode ficar em Bangu até o fim da
vida, ou enquanto o STF quiser, por “atentado contra a democracia”. Que
atentado, exatamente? Formação de grupos clandestinos para tomar o governo?
Aquisição secreta de armas? Treinamento de guerrilha? Distribuição de senhas,
codinomes e “pontos”? Planos detalhados para fazer a ocupação do governo?
Captura da central de eletricidade? Ninguém diz nada.
O mesmo mistério envolve a
última e talvez mais extravagante decisão da “Resistência a Favor da
Democracia” instalada nas Cortes Superiores de Justiça deste país. Um
funcionário do Tribunal Superior Eleitoral, no cargo de “corregedor”, mandou
que as grandes plataformas de comunicação social — Twitter, YouTube, Facebook
etc. — parem imediatamente de pagar as somas que devem aos canais com
orientação política de direita, pela transmissão dos seus conteúdos. A partir
de agora, o dinheiro tem de ir para uma conta do TSE. É isso, e não se discute
mais o assunto.
Nem na Justiça? Nem na
Justiça. Segundo os altos tribunais federais, este é um caso que não pode ser
apreciado pelo Judiciário brasileiro; tudo deve ser resolvido lá em cima. O TSE
não tem absolutamente nada a ver com a publicação de notícias, de comentários e
de opiniões nas redes sociais; trata, exclusivamente, de questões eleitorais,
que vão do registro de candidatos à apuração dos resultados da eleição. Mas o
que é a lei, a mera lei, diante da missão de salvar a democracia no Brasil,
coisa muitíssimo mais importante, segundo o STF e seus subúrbios?
O resultado é que blogs e
sites com posições de direita, ou bolsonaristas, ou anticomunistas, foram
punidos sem que a punição tenha sido determinada por nenhum juiz, em nenhum
processo judicial, com direito de defesa e as outras garantias mínimas
estabelecidas pela lei brasileira.
A decisão não saiu do nada, é
claro. O corregedor do TSE decidiu, para justificar o castigo, que os canais
aos quais aplicou o bloqueio financeiro estavam publicando “fake news” —
assim mesmo, em inglês, como se não fosse obrigatório o uso do idioma nacional
em todos os documentos oficiais. Muito bem: e daí? E se os comunicadores
punidos realmente publicaram notícias falsas? Que diabo a repartição pública
que cuida de eleições tem a ver com isso? Mais: não existe, em nenhuma lei, o
crime de “publicar notícia falsa”, ou fazer “desinformação”. Como alguém pode
ser castigado por cometer um crime que não existe? Da mesma forma que nos casos
anteriores, divulgar mentiras num veículo de comunicação pode dar processo
criminal por injúria, difamação ou calúnia — além de penas cíveis como
pagamento de indenizações em dinheiro e retratação dos autores ou dos órgãos de
imprensa que fizeram a publicação. Mas é isso, e só isso.
Não cabe ao TSE ou a nenhum
braço do Estado, fora as varas de Justiça, decretar punições contra quem usa o
direito de livre expressão, garantido pelo Artigo 5 da Constituição.
Pela decisão tomada, além
disso tudo, o TSE acaba de dar a si próprio o direito de definir o que é
verdade e o que é mentira no território brasileiro. Pode? O corregedor, com a
colaboração da polícia — sempre ela, a polícia, ocupando o primeiro plano em todas
essas histórias —, decidiu, autorizado não se sabe por quem, que as notícias
publicadas pelos sites “A” ou “B” são falsas; as dos sites “C” e “D” são
verdadeiras. Como são falsas, na opinião do burocrata do TSE, têm de ser
punidas — mesmo que a lei brasileira não estabeleça nenhuma punição para isso.
É algo inédito no Direito universal.
Daniel Silveira, Roberto
Jefferson e os canais de comunicação de direita formam uma soma
Os casos narrados acima
comprovam que estão indo para o espaço, por ação direta dos tribunais supremos
e superiores, três regras absolutamente fundamentais no presente sistema legal
brasileiro. A primeira é que ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa a não ser em virtude da lei. A segunda é que ninguém pode ser acusado
por crime que não esteja definido por lei anterior; além disso, todo e qualquer
crime tem de ser “tipificado”, como dizem os juristas — ou seja, tem de ser
descrito com absoluta clareza para valer alguma coisa. A terceira determina que
só o Ministério Público tem o direito legal de acusar criminalmente alguém — e
que o cidadão só pode ser julgado por um juiz de Direito, após o devido
processo judicial.
Não são coisas que o Brasil
deve à “Constituição Cidadã” e a outras bobagens do nosso folclore político-ideológico;
estão aí desde sempre e fazem parte, em todo o mundo civilizado, dos direitos
fundamentais dos seres humanos. O desrespeito sistemático e crescente a esse e
a outros mandamentos da lei transforma o país, cada vez mais, numa republiqueta
subdesenvolvida de Terceiro Mundo — e numa sociedade que vai se acostumando a
viver num estado de exceção. Não é assim em tudo, claro — o que faria do Brasil
uma Cuba ou uma Venezuela, onde milhares de infelizes lotam hoje as prisões.
Mas é exatamente assim em tudo o que o STF quer que seja.
Daniel Silveira, Roberto
Jefferson e os canais de comunicação de direita formam uma soma; tudo isso está
indo na mesma direção. O STF, a menos que se transforme em algo diferente do
que tem sido, parece perfeitamente decidido a continuar assim. Por que não? Os
ministros têm o aplauso ativo e entusiasmado da mídia, das classes intelectuais
e de todo o vasto mundo que pode ser escrito como a elite urbana do Brasil.
Estão numa disputa de força com o presidente da República e seus sistemas de
apoio — e vêm ganhando todas as paradas. Não encontram planos, ações
organizadas nem preparo do outro lado.
O STF está funcionando cada
vez mais como um Supremo Talibã Federal.
Título e Texto: J. R. Guzzo, revista OESTE, 20-8-2021
É uma vergonha dizer-se que não elegemos juízes do SUPREMO TALIBÃ FEDERAL.
ResponderExcluiriNSICAÇÃO DO PRESIDENTE ELEITO POR NÓS. E SABATINADOSE PERPETRADOS POR SENADORES ELEITOS POS NÓS.
SIM, NÓS ELEGEMOS OS CALHORDAS.
E agora precisamos ficar com essas desgraças encalhadas em nossos rabos.
ResponderExcluirCarina Bratt
Ca
Vila Velha ES
E agora, para o mal dos pecados, precisamos ficar com essas desgraças encalhadas em nossos rabos.
ResponderExcluirCarina Bratt
Ca
Vila Velha ES