Muito dessa tensão que estamos vivendo tem ligação com o fato de Bolsonaro representar uma ruptura, e o sistema estar unido contra ele
Rodrigo Constantino
O Brasil terminou o primeiro trimestre de 2021 com quase 15 milhões de desempregados, enquanto o nível de pobreza atingiu praticamente 30% do total da população, ante os 25% no mesmo período do ano anterior. Além disso, o fardo inflacionário tem aumentado, e as previsões apontam para mais de 7% no fechamento acumulado do ano, medido pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPCA). No mais, a volatilidade dos mercados financeiros aumentou, e o Ibovespa, que atingiu 130 mil pontos em junho, perdeu cerca de 10 mil pontos desde então. O que está por trás disso?
Ilustração: Gabriel de Oliveira |
Quanto aos indicadores macroeconômicos,
é impossível fazer qualquer análise sem levar em conta a pandemia. Não só o
vírus chinês em si, mas a reação que muitos países adotaram por conta dele. Se
esta pandemia não foi sem precedentes, a decisão de fechar tudo foi. No Brasil,
ela ficou a cargo de prefeitos e governadores, com o aval supremo. Muitos
repetiam que o foco deveria ser a saúde, e que a economia ficaria para depois.
O “depois” chegou.
As restrições ao funcionamento
da economia impuseram um custo muito elevado, que explica o aumento da pobreza.
Ele teria sido ainda pior não fossem os programas de auxílio emergencial do
governo federal. Os mesmos que apoiaram o fechamento e repetiram que a
economia poderia ficar para depois exploram politicamente os dados negativos
contra o presidente Jair Bolsonaro, demonstrando puro oportunismo demagógico.
O fato é que o PIB brasileiro
caiu menos do que as estimativas do ano passado, que chegavam a apontar até 10%
de declínio, e neste ano deve acontecer uma recuperação razoável, com crescimento
da ordem de 5%. Em comparação com nossos vizinhos, o Brasil não fica entre os
piores, cabendo o posto aos argentinos, com folga. A situação de miséria se
agravou tanto no país governado pela esquerda lulista que o escambo voltou a
ser praticado. Famílias se desfazem do que tiverem em casa para trocar
principalmente por alimentos ou produtos de limpeza e higiene pessoal.
O fenômeno inflacionário, assim como a queda da atividade, também é global. Bancos centrais do mundo todo injetaram muita liquidez nos mercados para impedir recessões maiores, e há gargalos enormes na logística e na mão de obra, produzindo choques de oferta e alta de preços. Nos Estados Unidos, a inflação ultrapassa os 5%, para se ter ideia. O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a inflação brasileira não está fora de controle e que os índices de preços sobem no mundo todo. Para ele, uma inflação entre 7% e 8% está “dentro do jogo”. E ele tem um ponto.
Claro que assusta esse
patamar, ainda mais num país com péssimo histórico como o nosso. Felizmente,
temos agora um Banco Central independente, graças ao governo Bolsonaro, e cujo
presidente tem credenciais liberais sólidas para transmitir a confiança de que
não permitirá uma espiral inflacionária. O ideal seria acelerar reformas que
reduzissem os gastos públicos, mas isso depende do Congresso, e perto de
eleições complica mais ainda. Se o BC tiver de usar sua cavalaria monetária,
porém, isso será feito para ancorar as expectativas. A escalada da taxa de
juros medida pela Selic já teve início com esse propósito.
Vale notar que a crise hídrica
também agravou o quadro, e isso é choque pontual de oferta, não uma política
inflacionária deliberada produzida pela expansão do crédito. Só no resultado do
mês passado, os custos de moradia subiram 3,1%, puxados pela energia elétrica,
que subiu 7,88%. Houve também uma alta forte do preço das commodities no mercado
internacional, causada pelo reaquecimento de economias como a chinesa, a que
menos sofreu com a pandemia originada justamente lá, talvez em laboratório.
Mas há um fator interno nos
números negativos, sim, e se trata da instabilidade política. Por um lado,
decisões do governo sobre precatórios e renovação de auxílios acenderam uma luz
amarela sobre uma guinada populista de abandono à responsabilidade fiscal,
ainda que a crise pandêmica justifique a medida. A demora nas reformas
estruturais, como a administrativa, também desanima investidores. Por fim, não
se pode ignorar a tensão institucional em curso no Brasil. Mas de quem é a
culpa aqui?
A imprensa em geral a coloca
em Bolsonaro, ignorando os vários abusos por parte do Supremo Tribunal Federal.
E aqui cabe uma análise um pouco mais detalhada. Bolsonaro venceu com um
discurso disruptivo, quase revolucionário. Tentou governar com bancadas
temáticas e pressão das ruas, sabendo dos grandes desafios disso, mas recusando
lotear os ministérios no velho toma-lá-dá-cá. A aprovação da importante reforma
previdenciária animou, mas era talvez um lapso de sensatez de um Congresso
fisiológico em busca de sobrevivência. O “centrão” sabia que tinha de preservar
as galinhas dos ovos de ouro.
Logo ficou claro que o presidente
precisava chamar os parlamentares para o governo, transferir poder e cargos.
Ele não venceu para ser um déspota esclarecido, e o Congresso, ainda que com
regras ruins, foi eleito. Bolsonaro se rendeu, então, ao “centrão”, mas parte
disso tem como meta somente sua própria permanência, já que a ameaça de
impeachment é constante. Algumas reformas até avançaram, mas bem aquém do
necessário. Seria tudo mais simples e fácil se Bolsonaro ao menos aderisse de
vez ao mecanismo corrupto, não é mesmo?
A pergunta é capciosa de
propósito. Muito dessa tensão que estamos vivendo tem ligação com o fato de
Bolsonaro representar uma ruptura, e o sistema estar unido contra ele. A coisa
que os mercados mais temem é incerteza, indefinição. Investidores não costumam
deixar de alocar capital em países dominados por corruptos ou mesmo por
ditaduras. Vide a China. Claro que podem preferir democracias sólidas, mas isso
não é necessariamente um impeditivo. O que não gostam é de insegurança.
São nossas liberdades como
cidadãos que estão em jogo.
Pode parecer amoral ou
insensível isso, mas é exatamente esse o jogo: os investidores não priorizam a
ética ou a liberdade dos povos, apesar da sinalização de virtude com campanhas
como o ESG (Environmental, Social, and Governance, em inglês). O
objetivo continua sendo maximizar o retorno sobre o capital investido.
Investidores não são ONGs, e mesmo essas muitas vezes viram negócios lucrativos
sob o manto do ativismo nobre. É o que é, não o que romantizam. E movimentos
bruscos de mudança assustam investidores, eis a verdade.
O caso extremo é uma
revolução. Ela pode acabar bem, como a liberal americana, ou muito mal, como as
“progressistas” francesa, cubana, soviética etc. Mas, durante o processo de
parto, os investidores ficam receosos demais, justamente pela indefinição do
resultado. É por isso que já vemos bilionários desejando a volta do corrupto
petista: eles sabem que isso significa um retrocesso ético na política, o
retorno da roubalheira, mas não ligam muito, se em troca tiverem a garantia de
“normalidade”. Bolsonaro incomoda por não transmitir essa “tranquilidade”
dentro de um esquema podre.
Esse breve resumo serve para a
seguinte conclusão: há problemas reais em nossa economia, parte deles oriunda
da pandemia, e outra parte derivada do clima tenso na política. Mas esse
ambiente nervoso tem como principal causa o fato de que o presidente vem
resistindo aos esforços do “mecanismo” de derrubá-lo num ato golpista. Os
investidores podem sofrer no curto prazo, mas são nossas liberdades como
cidadãos que estão em jogo, a tentativa de construir uma democracia mais
robusta, impondo limites ao arbítrio supremo. E raramente há parto sem dor…
Título e Texto: Rodrigo
Constantino, revista OESTE, nº 75, 27-8-2021
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-