quarta-feira, 1 de junho de 2022

[Observatório de Benfica] Domingo

Mário Florentino

O domingo é o dia mais triste, dizem alguns. Na Avenida Gomes Pereira, em Benfica, não se vê muita gente. As lojas estão fechadas e as obras do grande empreendimento de luxo paradas. De quando em vez passa uma família, em passo lento, sem pressa de chegar a casa. Os autocarros também são bastante mais escassos que durante a semana. O tempo não ajuda. Há um silêncio que convida à reflexão.

O país parece anestesiado, ainda que muita coisa aconteça. Dinis de Abreu escreve que estamos "sem Rei... nem roque", e parecemos um "país de opereta" (in Nascer do Sol). Não há tema nem polémica suficiente para entusiasmar os nativos. Desde os metadados às traquinices do Presidente da República, desde a morte de João Rendeiro às viagens de Sócrates à revelia da justiça. Nem sequer as eleições no PSD ou a aprovação do Orçamento de Estado pareceram tirar os portugueses da letargia em que se encontram. Sem saberem muito bem se o Covid ainda por aí anda ou se, agora, o perigo maior vem da tal varíola dos macacos. Em qualquer caso, o mundo está perigoso, isso todos sabem, porque há guerra na Ucrânia, os preços sobem e os salários não, a miséria aumenta, e ninguém descobriu ainda uma solução milagrosa.

Com mais ou menos metadados, mas certamente mais macacadas, a vida continua, isso é certo. O filme "Paris" retrata a vida moderna como ela é na grande cidade. Cada um com os seus problemas, uns mais cómicos que outros, mas todos dramáticos. Enquanto alguém sofre com uma doença, sem saber quanto tempo lhe sobra de vida, outrem, a quem a vida parecia sorrir, morre subitamente num acidente de moto. Um professor universitário de meia idade chora no gabinete do psiquiatra, mas no dia seguinte já dança e ri com uma aluna adolescente. O doente aguarda um telefonema para o transplante que o pode salvar, embora as chances sejam poucas, ao mesmo tempo que nasce um bebé na maternidade. E a vida continua.

A estrada de Benfica tem agora a cor lilás dos Jacarandás, ainda que o sol não esteja muito primaveril neste final de maio. As pessoas com quem me cruzo terão dramas maiores ou menores. Alguns serão parecidos com os do filme de Cédric Klapish. Outros terão acolhido refugiados da Ucrânia em suas casas. Outros talvez estejam preocupados com um familiar próximo, isolado num hospital, sem poder receber visitas. Outros ainda, talvez festejem o seu aniversário, ou o nascimento de um filho. Lisboa é semelhante a Paris, nesta Europa tão diferente e tão complexa do século XXI.

É domingo. O governo ainda não me devolveu todo o IRS que paguei em 2021, mas já recebi o aviso dos "metadados" para não me esquecer de pagar o IMI. Felizmente o meu filho já me tranquilizou que está tudo bem lá pelo Japão. Talvez afinal o pior dia seja mesmo a segunda-feira. Com chuva e sem sol.

BEM FICA 👍

José Milhazes já era bastante conhecido dos portugueses que seguem a política internacional. Ao surgir todos os dias num noticiário televisivo, onde, junto com Nuno Rogeiro, nos traz as notícias mais relevantes da guerra da Ucrânia, passou a estrela televisiva. Mas o ponto mais alto foi quando traduziu à letra o que gritavam milhares de jovens num concerto na Rússia. Com a sua autenticidade, Milhazes conquistou o coração dos portugueses.

FICA MAL 👎

De novo numa escola dos EUA. Desta vez, uma escola primária. Dezanove crianças e dois adultos foram mortos por um jovem americano que teve acesso legal a armas de guerra. Custa a entender como é possível este problema se arrastar há anos e não serem tomarem medidas, por quem de direito, que sejam eficazes e evitem a repetição destes episódios de horror.

Título e Texto: Mário A. Florentino, Benfica, 29 de maio de 2022

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