A presidente do Brasil é Dilma Rousseff, mas isso parece
ser apenas um detalhe. Na fabulação bolivariana, ela não passa de uma nota de
rodapé ante os "gigantes" Luiz Inácio Lula da Silva, Hugo Chávez e
Néstor Kirchner. Por isso, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, não teve
nenhum pudor em deixá-la esperando por quase duas horas, durante sua visita ao
Brasil, enquanto se encontrava com o ex-presidente Lula. Não foi apenas Dilma
que saiu menor desse episódio. É a própria Presidência brasileira que encolhe a
olhos vistos ante o menosprezo de Lula pela liturgia do cargo que ele não mais
ocupa, mas do qual não consegue "desencarnar". Dilma, por sua vez,
obediente e disciplinada, parece aceitar seu status de presidente ad hoc.
Como se sabe, Maduro veio ao Brasil para obter a
legitimidade política que lhe falta na Venezuela, graças à truculência com que
ele está tratando a oposição - dona de metade dos votos na controvertida
eleição vencida pelo herdeiro de Chávez. Maduro enfrenta resistência também nas
próprias fileiras chavistas, porque, com a morte do Comandante, se
multiplicaram focos de rebelião daqueles que se sentiram preteridos dentro do
Politburo venezuelano e relutam jurar lealdade ao presidente.
Já começam a circular rumores de que os próprios
chavistas, principalmente o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado
Cabello, estão conspirando para prejudicar Maduro. Suspeita-se que Cabello -
que já está sendo chamado de "ditador em espera", é muito ligado aos
militares e não é bem visto pelo regime cubano, padrinho de Maduro - esteja
incitando a violência para precipitar a crise.
Tudo isso acontece em meio a uma avassaladora crise
econômica, cujo lado mais perverso e politicamente explosivo é o
desabastecimento de alimentos - que Maduro atribuiu à "sabotagem
econômica", sem reconhecer a óbvia incompetência de seu governo. Não
surpreende que já haja pesquisas mostrando que, se a eleição presidencial fosse
hoje, o vencedor seria o opositor Henrique Capriles.
Nesse contexto, Maduro veio ao Brasil para pedir ajuda -
que se traduzirá em acordos comerciais francamente desequilibrados em favor da
Venezuela - e para consultar-se com Lula para saber o que fazer. O
ex-presidente não o decepcionou. "Hoje, Lula nos banhou de
sabedoria", declarou, entusiasmado, o venezuelano, após a audiência que
contou também com a presença do presidente do PT, Rui Falcão, numa deliberada
confusão de questões de Estado com interesses político-ideológicos. Lula falou
durante uma hora sobre sua "experiência de luta", disse Maduro, que
qualificou o petista de "pai dos homens e mulheres de esquerda da América
Latina". Para o venezuelano, "dos três gigantes que começaram este
processo de integração da América Latina, Kirchner, Chávez e Lula, só nos resta
Lula". Assim, a visita oficial de um chefe de Estado ao Brasil
converteu-se em peregrinação para adorar um santo vivo e beber de seus
"ensinamentos".
Somente depois de beijar a mão de Lula e de reconhecer-se como seu "filho" é que Maduro dirigiu-se ao Planalto para ser recebido por Dilma, que lhe reservou honras de Estado, a despeito do chá de cadeira que levou. Não contente em fazê-la esperar, Maduro ainda lhe presenteou com um enorme retrato de Chávez, numa cena constrangedora, que tornou a presidente ainda menor em todo o contexto. Restou a Dilma fazer um discurso curto, protocolar, em que exaltou a "parceria estratégica" entre Brasil e Venezuela e chamou de "momento histórico" o fato de que a Venezuela assumirá a presidência do Mercosul no segundo semestre - situação esdrúxula que só está sendo possível graças a um golpe bolivariano para isolar o Paraguai, que se opunha à entrada da Venezuela no bloco.
À vontade, Maduro sentiu-se autorizado a dizer, sem que a
mentira fosse contestada, que o projeto do Mercosul "nasceu em essência
das ideias de Chávez". No culto à personalidade de Chávez e Lula, Dilma é
cada vez mais apenas uma coadjuvante.
Título e Texto: Editorial,
O Estado de S. Paulo, 11-05-2013
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