Paulo Ferreira
O que o Syriza conseguiu com a
sua cegueira ideológica foi, tão só, matar qualquer hipótese de se chegar
rapidamente a uma alternativa decente, equilibrada e exigente para o problema
grego
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Foto: Sakis Mitrolodis/AFP/Getty Images |
Pobre Grécia. Décadas
consecutivas de governos que permitiram a corrupção, alimentaram clientelas
variadas e se tornaram representantes de interesses ilegítimos que capturaram o
Estado, levando o país à bancarrota. Um resgate financeiro mal desenhado e pior
executado, que não resolveu a emergência financeira, apesar de 240 mil milhões
de empréstimos e de um perdão de metade da dívida. E agora um grupo de
lunáticos legitimamente eleito, que coloca a ideologia extrema à frente dos
mais básicos interesses do povo, que em apenas cinco meses voltou a fazer cair
uma economia que começava, lenta e dolorosamente, a crescer, que já provocou o
encerramento dos bancos e o racionamento de dinheiro, que está a pagar as
pensões a conta-gotas, falhou o pagamento ao FMI e lançou o caos num país
massacrado.
Já vimos este filme várias
vezes, em vários cantos do mundo, em vários tempos. Há radicalismos ideológicos
que, de tão iluminados que são, cegam quem tente olhar para eles para
lhes ver a virtude.
O Syriza chegou ao governo com
a promessa, por muitos apadrinhada, de ter a alternativa à austeridade.
Esqueceu-se de acrescentar que dispensa as medidas duras mas nunca os
financiamentos dos outros países.
A proposta que o governo grego
faz ao resto da Europa é simples: caros contribuintes europeus, continuem a
enviar para cá uma parte dos impostos que pagam nos vossos países sob a forma
de empréstimos que não fazemos nenhuma questão de devolver porque o Estado que
construímos não é sustentável mas nem por isso temos intenção de o reformar.
Para grande surpresa de
Atenas, os representantes eleitos dos outros contribuintes não querem aceitar
esta proposta solidária, democrática e na linha do melhor espírito europeu em
que a Grécia se viciou: alguém lá de fora há-de pagar as nossas contas.
Sejamos claros. A receita da
troika falhou na Grécia – mas funcionou na Irlanda, que tinha essencialmente um
problema na banca, e permitiu que Portugal recuperasse a autonomia de
financiamento através dos canais regulares do mercado. Tratava-se então de
arrepiar caminho e mudar a prescrição. Menos austeridade? Uma profunda e rápida
reforma do Estado? Libertação dos interesses que se sentam à mesa do orçamento?
Extensão dos prazos de pagamento das dívidas que, aliás, já estava prevista
para o próximo ano caso a Grécia cumprisse o programa que terminou esta semana?
De tudo isto um pouco?
O que o Syriza conseguiu com a
cegueira ideológica que o impediu de chegar a um acordo – é cada vez mais claro
que um entendimento nunca fez parte do guião político de Atenas – foi, tão só,
matar qualquer hipótese de se chegar rapidamente a uma alternativa decente,
equilibrada e exigente para o problema grego. É a política de terra queimada
levada ao extremo: somos contra mas não temos alternativa válida; e se não é
para nós também não há-de ser para mais ninguém.
O fracasso é chocante e a
conduta é desonesta ao ponto de aqueles que em Janeiro simpatizaram com a
“mudança” que o Syriza podia representar colocaram-se entretanto a milhas e não
querem ser associados a esta alternativa. O PS de António Costa é o exemplo
caseiro mais óbvio. Mas há muitos outros, por essa Europa fora.
Martin Schulz, por exemplo. O
socialista presidente do Parlamento Europeu, que nunca morreu de amores pela
abordagem de Bruxelas ao problema das dívidas, fazia no dia 5 de Março uma
declaração que podia perfeitamente ser subscrita por Alexis Tsipras: “Estamos a
pedir sacrifícios aos cidadãos, aos pais, para aceitarem salários mais baixos,
impostos mais altos e menos serviços. E para quê? Para salvar os bancos. E os
filhos estão desempregados. Se não mudarmos isso, se não voltarmos a um
tratamento igualitário e justo, as promessas feitas pela Europa não serão
cumpridas”.
O mesmo Martin Schulz, ontem:
“[Alexis Tsipras, é] imprevisível e está a manipular as pessoas na Grécia, o
que tem quase um caráter demagógico. A minha confiança na vontade de negociar
do Governo grego atingiu neste momento um mínimo absoluto”.
Isolado por responsabilidade
própria, o Governo grego tenta ainda a fuga em frente com um referendo onde
pede aos gregos que votem sobre uma proposta do Eurogrupo que já não está
disponível, porque expirou à meia-noite de terça-feira, no momento em que
acabou o segundo programa de resgate. Um detalhe sem importância num gesto que
tem mais de manipulação popular do que de amor à democracia.
Ninguém consegue antecipar
como tudo isto vai acabar mas já ficou claro que uma solução para a Grécia no
quadro europeu jamais passará por este governo. Mais do que ser salvo da troika
ou da austeridade o país precisa, antes de tudo o resto, de ser salvo de si
próprio e dos governantes que elege.
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