José Miguel Pinto dos Santos
Há milénios que os Pukhtun, do
Paquistão, conhecem o comércio, até o dinheiro, mas preferem o adal-badal,
troca direta de uma coisa por outra. Ora para presenciar um adal-badal basta
hoje ir a Atenas
Os Pukhtun são um povo
orgulhoso e cioso da sua independência. Sofreram ao longo dos séculos invasões
armadas e influências culturais de helenistas e budistas, hinduístas e
islamitas, mas nunca perderam a essência milenar de ser Pukhtun. Nem Platão nem
Buda deixaram marca visível no seu código de honra, e a influência que os Vedas
e o Corão nele exerceram não são mais que adornos floreados acrescentados nas
franjas de um tecido áspero e duro.
Há milénios que sabem o que é
o comércio e que usam dinheiro. As suas mulheres usam moeda para comprar ovos e
vender leite. Os homens também a usam para vender ópio e comprar armamento,
assuntos mundanos e necessários no dia-a-dia da sua economia doméstica. Mas o
que verdadeiramente lhes dá gosto e aumenta a adrenalina é adal-badal, a troca
direta de uma coisa por outra. Pode ser a troca de coisas semelhantes como um
telemóvel por outro, ou de coisas diferentes como uns óculos de sol por um
relógio. Adal-badal nunca é praticado com membros da família alargada, e é
usado preferencialmente com forasteiros e completos estranhos, seres com quem
não haja qualquer sentimento de solidariedade. Envolve em regra um moroso
processo de negociação, com ofertas e contraofertas, argumentos e
contra-argumentos (que não têm de ser coerentes ao longo do processo negocial),
disse-que-disse e disse-que-não-disse. Para ser completo envolve ainda a
chamada, por cada uma das partes, de transeuntes e estranhos a dar apoio à sua
posição, quer prestando opinião sobre a qualidade dos bens, quer julgando sobre
a probidade moral dos contendores. E quanto maior for o grupo de mirones que se
formar à volta dos dois, e quanto mais ruidoso for na expressão de argumentos a
favor ou contra, melhor será.
O sucesso num adal-badal está
num homem poder considerar ter levado o outro a melhor, pensar ter feito um
negócio desigual, e achar ter conseguido, de algum modo, enganar o outro. O
verdadeiro ganho não está, note-se, na diferença de valor dos objetos trocados.
Está na perceção da magnitude do embuste infringido. Que depois se transformará
em orgulho e jactância. E será posto a render ao ser recontado, vezes sem conta
pela vida fora, a familiares e conhecidos. Caso uma das partes venha a achar a
troca danosa para si procurará renegá-la caso ainda vá a tempo. Vir a tempo não
significa antes de ter fechado a transação, de ter dado a palavra, mas o ter a
possibilidade de não fazer a entrega do bem. Caso já não seja possível renegar
a troca, procurará transferir adal-badal o mono recebido para outra vítima mais
ingénua.
Felizmente, para presenciar um
adal-badal ao vivo já não é necessário visitar as áreas tribais do Paquistão.
Basta ir a Atenas…
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