Maria João Marques
No
mundo heterossexual, as mulheres gostam de serem apreciadas pelos homens e
estes de serem apreciados por elas. E nem só pelo aspeto físico. Fazerem
iguarias culinárias também pode suscitar apreço.
O cruzamento entre feminismo e
esquerdismo é mais perigoso do que uma guerra nuclear declarada. Não por culpa
do feminismo, claro, que ainda faz muita falta. Mas o esquerdismo é assim: pega
num bom conceito, tritura os neurónios ao seu portador e apresenta-nos os
resultados. Com o cristianismo sucede a mesma coisa. Conheço muito católico de
esquerda que transporta o sonho de viver numa espécie de comunismo beato, numa
casa albergando várias famílias vivendo comunitariamente, educando a criançada
em conjunto, partilhando cozinha, e outras ideias aterradoras semelhantes.
Quando cruzado com o esquerdismo, nada está a salvo.
De volta ao feminismo (versão
histérica) acrescentado de esquerdismo. Li no outro dia um texto sobre piropos de Jessica Valenti, antes feroz
denunciadora desta calamidade (com rival só no degelo das calotes polares) que
é o piropo de rua. Que agora fica insegura se nenhum senhor desconhecido com
quem se cruza não faz uns barulhos esquisitos nem lhe dirige nenhum impropério
hardcore. Que pensa que está particularmente atraente no dia em que (enfim,
enfim!) os impropérios regressam. Que se questiona angustiadamente se aos 36
anos já passou o seu ‘last fuckable day’.
Perante isto, penso que é bom
fazer aqui uma proposta para as nossas políticas de saúde. Isto porque nós
também temos excesso de oferta desta subespécie feminista que perde tanto do
seu claramente pouco precioso tempo a clamar contra esse problema – inexistente
para a maioria das mulheres – que são as opiniões de desconhecidos oferecidas
na rua. E só não lemos textos como o de Jessica Valenti porque afinal as nossas
feministas, subespécie louca, não são tão desassombradas a olharem para si
próprias (levam-se demasiado a sério e desconhecem o auto-humor) nem entendem a
ambiguidade. Assim, parece-me oportuno sugerir que aquela consulta obrigatória
de apoio psicológico para as mulheres que querem abortar seria bem mais útil se
dirigida para estas feministas bipolares.
Porque, minhas queridas sem
juízo, como já tive ocasião de vos dizer, há incómodos muito maiores para as mulheres,
mesmo aqui no nosso mundo ocidental livre. E perder tempo com o assunto menor
do piropo só ajuda a perpetuar esses inconvenientes um tudo-nada mais danosos
como, só um exemplo, as vergonhosas sentenças que os tribunais fornecem em
casos de violação ou de abusos sexuais. No mundo livre, progressista, moderno e
mais uns tantos qualificativos bonitos, tudo continua a ser atenuante para a
violência sexual. Um homem abusa de um menino, mas não faz assim tanto mal porque o rapaz é gay. Um homem
abusa de uma adolescente, mas não é assim tão grave, que a Lolita já era experiente. Um
homem viola uma mulher, ai mas as roupas, ai mas o violador até foi simpático e
nem lhe deixou muitas nódoas negras, ai que ela também não se costuma fazer
difícil. Provenientes tanto dos preconceitos dos juízes (que nunca entendem que
a sua visão do mundo não se sobrepõe ao que é justo) como de legislações que
permitem abusos judiciais por cima de abusos sexuais.
Já agora: a gravidade com que
vão cada vez mais sendo encarados os crimes de violência sexual, sobre menores
ou mulheres adultas, é uma consequência das denúncias e do ativismo de
feministas (não loucas) nas últimas décadas do século XX.
Mas por cá maus-tratos de uma professora tem maior sentença do que o abuso sexual de uma neta? Uma falha
no pagamento de IVA traz perseguições fiscais e judiciais, mas espancar a mulher merece uma ensaboadela do polícia e outra do juiz e já está? O que interessa? Deixemos esta neura, bebamos uns mojitos, aproveitemos as férias e
dediquemo-nos à tonteria da criminalização do piropo.
E quando se abandona a cruzada
de tentar criar um tribunal internacional para julgar o piropo de rua, estas
queridas almas queixam-se porque não têm a atenção dos desprevenidos homens que
passam nas ruas. O que, convenhamos, resulta igualmente de pouca sanidade.
Ninguém no seu juízo mesmo que só vagamente perfeito atribui tanta importância
à opinião de desconhecidos.
Outro ponto eventualmente a
levarem ao apoio psicológico é esta mania de teimarem em assumir que tudo o que
pode ser transformado pela ação progressista dos iluminados que sabem como se
deve mudar o mundo (eu referi lá em cima o esquerdismo, não referi?) é sempre
melhor do que a biologia. Descansem, bebam mais mojitos, que nem sempre é.
No mundo heterossexual, as
mulheres gostam de serem apreciadas pelos homens e os homens gostam de serem
apreciados pelas mulheres. E os gays e as lésbicas gostam de serem apreciados,
por esta ordem, pelos gays e pelas lésbicas. E nem só pelo aspeto físico. Há
pessoas que até gostam de ser positivamente notadas pelas suas iguarias
culinárias. Outros pelas habilidades do guaxinim de estimação. Os casos mais
desesperados teimam em obter aprovação através da exibição de fotografias do
vestido de noiva de poliéster da filha. Eu, por mim, reservo vinganças atrozes
para aqueles que não reparam nas minhas peculiaridades que eu determinei que
deviam ser sempre elogiadas.
Não se trata de sexismo; anda
tudo à volta da autoestima e das hormonas.
Título e Texto: Maria João Marques, Observador,
29-7-2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos.
Se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-