quarta-feira, 29 de julho de 2015

Feministas (da subespécie louca) que afinal gostam de piropos

Maria João Marques
No mundo heterossexual, as mulheres gostam de serem apreciadas pelos homens e estes de serem apreciados por elas. E nem só pelo aspeto físico. Fazerem iguarias culinárias também pode suscitar apreço.

O cruzamento entre feminismo e esquerdismo é mais perigoso do que uma guerra nuclear declarada. Não por culpa do feminismo, claro, que ainda faz muita falta. Mas o esquerdismo é assim: pega num bom conceito, tritura os neurónios ao seu portador e apresenta-nos os resultados. Com o cristianismo sucede a mesma coisa. Conheço muito católico de esquerda que transporta o sonho de viver numa espécie de comunismo beato, numa casa albergando várias famílias vivendo comunitariamente, educando a criançada em conjunto, partilhando cozinha, e outras ideias aterradoras semelhantes. Quando cruzado com o esquerdismo, nada está a salvo.

De volta ao feminismo (versão histérica) acrescentado de esquerdismo. Li no outro dia um texto sobre piropos de Jessica Valenti, antes feroz denunciadora desta calamidade (com rival só no degelo das calotes polares) que é o piropo de rua. Que agora fica insegura se nenhum senhor desconhecido com quem se cruza não faz uns barulhos esquisitos nem lhe dirige nenhum impropério hardcore. Que pensa que está particularmente atraente no dia em que (enfim, enfim!) os impropérios regressam. Que se questiona angustiadamente se aos 36 anos já passou o seu ‘last fuckable day’.

Perante isto, penso que é bom fazer aqui uma proposta para as nossas políticas de saúde. Isto porque nós também temos excesso de oferta desta subespécie feminista que perde tanto do seu claramente pouco precioso tempo a clamar contra esse problema – inexistente para a maioria das mulheres – que são as opiniões de desconhecidos oferecidas na rua. E só não lemos textos como o de Jessica Valenti porque afinal as nossas feministas, subespécie louca, não são tão desassombradas a olharem para si próprias (levam-se demasiado a sério e desconhecem o auto-humor) nem entendem a ambiguidade. Assim, parece-me oportuno sugerir que aquela consulta obrigatória de apoio psicológico para as mulheres que querem abortar seria bem mais útil se dirigida para estas feministas bipolares.

Porque, minhas queridas sem juízo, como já tive ocasião de vos dizer, há incómodos muito maiores para as mulheres, mesmo aqui no nosso mundo ocidental livre. E perder tempo com o assunto menor do piropo só ajuda a perpetuar esses inconvenientes um tudo-nada mais danosos como, só um exemplo, as vergonhosas sentenças que os tribunais fornecem em casos de violação ou de abusos sexuais. No mundo livre, progressista, moderno e mais uns tantos qualificativos bonitos, tudo continua a ser atenuante para a violência sexual. Um homem abusa de um menino, mas não faz assim tanto mal porque o rapaz é gay. Um homem abusa de uma adolescente, mas não é assim tão grave, que a Lolita já era experiente. Um homem viola uma mulher, ai mas as roupas, ai mas o violador até foi simpático e nem lhe deixou muitas nódoas negras, ai que ela também não se costuma fazer difícil. Provenientes tanto dos preconceitos dos juízes (que nunca entendem que a sua visão do mundo não se sobrepõe ao que é justo) como de legislações que permitem abusos judiciais por cima de abusos sexuais.

Já agora: a gravidade com que vão cada vez mais sendo encarados os crimes de violência sexual, sobre menores ou mulheres adultas, é uma consequência das denúncias e do ativismo de feministas (não loucas) nas últimas décadas do século XX.

Mas por cá maus-tratos de uma professora tem maior sentença do que o abuso sexual de uma neta? Uma falha no pagamento de IVA traz perseguições fiscais e judiciais, mas espancar a mulher merece uma ensaboadela do polícia e outra do juiz e já está? O que interessa? Deixemos esta neura, bebamos uns mojitos, aproveitemos as férias e dediquemo-nos à tonteria da criminalização do piropo.

E quando se abandona a cruzada de tentar criar um tribunal internacional para julgar o piropo de rua, estas queridas almas queixam-se porque não têm a atenção dos desprevenidos homens que passam nas ruas. O que, convenhamos, resulta igualmente de pouca sanidade. Ninguém no seu juízo mesmo que só vagamente perfeito atribui tanta importância à opinião de desconhecidos.

Outro ponto eventualmente a levarem ao apoio psicológico é esta mania de teimarem em assumir que tudo o que pode ser transformado pela ação progressista dos iluminados que sabem como se deve mudar o mundo (eu referi lá em cima o esquerdismo, não referi?) é sempre melhor do que a biologia. Descansem, bebam mais mojitos, que nem sempre é.

No mundo heterossexual, as mulheres gostam de serem apreciadas pelos homens e os homens gostam de serem apreciados pelas mulheres. E os gays e as lésbicas gostam de serem apreciados, por esta ordem, pelos gays e pelas lésbicas. E nem só pelo aspeto físico. Há pessoas que até gostam de ser positivamente notadas pelas suas iguarias culinárias. Outros pelas habilidades do guaxinim de estimação. Os casos mais desesperados teimam em obter aprovação através da exibição de fotografias do vestido de noiva de poliéster da filha. Eu, por mim, reservo vinganças atrozes para aqueles que não reparam nas minhas peculiaridades que eu determinei que deviam ser sempre elogiadas.
Não se trata de sexismo; anda tudo à volta da autoestima e das hormonas.

Título e Texto: Maria João Marques, Observador, 29-7-2015

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