Helena Matos
A esquerda nunca erra.
Desilude-se. Nunca se engana. É enganada. Mesmo quando confrontada com os
resultados mais catastróficos, o máximo que se lhes ouve é um desalentado
"Foi um sonho que acabou mal"
Já todos passámos por aquele
penoso momento em que nos interrogámos se vale ou não a pena dizer a alguém que
se está a enganar a si mesmo e que era melhor parar de fazer de conta que está
tudo bem. Pior, qualquer ser humano desde que saiu do colo da mãe já passou por
aquele cruel instante em que se confrontou a si mesmo com o facto não só de ter
sido enganado mas também de ter querido enganar-se.
Até aqui nada de novo: errar é
humano e querer persistir no erro também. Daqui para a frente é que a
humanidade diverge: de um lado estão aqueles que assumem os seus erros e do
outro aqueles que. saltando por cima dos seus erros, invariavelmente culpam os
outros por os terem enganado.
Eles nunca erram, as suas
intenções são sempre as melhores. Os outros é que os enganam. O desenrolar dos
acontecimentos na Grécia tem levado a que muitos daqueles que em Janeiro faziam
declarações ditirâmbicas com a vitória da esquerda radical na Grécia agora
procurem apagar esse mau momento.
Como? Reflectindo sobre o seu
erro? Tirando conclusões? Nada disso. Simplesmente culpam o mesmo Syriza e o
mesmo governo grego que há meses incensavam. Quem declarou que “A estratégia do
Syriza foi perdedora desde o início” ou que “Governo grego foi de uma enorme
imprudência” foram respectivamente os mesmos Ricardo Paes Mamede e António
Costa que antes declaravam “Syriza já conseguiu mais do que qualquer Governo
bem comportado na Europa” e “Vitória do Syriza é um sinal de mudança que dá
força para seguir a mesma linha”.
Deixando para outra
oportunidade o destrinçar da confusão entre a táctica e a estratégia que levou
o líder do PS e boa parte desse partido a achar que desgastavam o governo
português congratulando-se com a derrota estrondosa do partido socialista grego
e colando-se a uma vitória da esquerda radical, há aqui uma auto-indulgência
que já cansa. A esquerda nunca erra. Desilude-se. Nunca se engana. É enganada.
Mesmo quando confrontada com os resultados mais catastróficos, o máximo que se
lhes ouve é um desalentado “Foi um sonho que acabou mal.”O facto de muitos dos
movimentos de esquerda e, no caso particular de Portugal, o PS acolherem, quais
bíblicos filhos pródigos, todos os provenientes da esquerda radical afecta ao
PCP acentua esta auto-indulgência. É espantoso como gente culta, viajada e
informada declara, quando confrontada com as atrocidades do comunismo que
apoiou, que as desconhecia ou mais perturbantemente ainda que o partido,
entendendo aqui por partido o PCP, as enganava. Na verdade eles quiseram
enganar-se. Não foram os únicos mas em geral os outros admitem que foram eles
mesmos que se quiseram enganar. E assim o viver de enganos que devia ser um
factor de reflexão, torna-se numa circunstância que poetiza aquele que a
invoca.
A direita erra igualmente mas
felizmente não lhe é permitido o discurso do sonho que acabou em desengano, da
ilusão que se desfez, da utopia que não foi. É erro. É crime. É disparate. E
ponto final. E esta pequena enorme diferença face ao erro explica muita coisa.
Explica por exemplo que à esquerda o anunciado seja sempre mais importante que
os resultados. Explica também que, por essas bandas, aqueles que se tinham como
exemplo ontem se tornem inconvenientes dias depois sem que ninguém estranhe tal
transfiguração. E sobretudo torna social e mediaticamente aceitável a quase
candura com que pessoas alinhadas nessa espécie de reiki da política que dá
pelo nome de progressismo dão conta da sua irresponsabilidade.
Neste campo o caso mais óbvio
na crise grega é o de Paul Krugman que em Janeiro escrevia “O problema com os
planos do Syriza poderá ser que não sejam suficientemente radicais” ou “O resto
da Europa deveria dar uma oportunidade [a Tsipras] para acabar com o pesadelo
do país” e que agora declara surpreendido, como quem olha para o ar pesado da
cor que escolheu para as paredes da sala, com a presente crise grega: “Talvez
tenha sobrestimado a competência do Governo grego”. Mais espantosamente ainda o
Nobel da Economia confessa “Não calculei que pudessem tomar uma posição sem ter
um plano de urgência”. Não só é espantoso que Krugman não tenha calculado que
esse plano não existia como que não tenha percebido que a existir um plano
desses iria fazer da Grécia um estado pária sob tutela da China, da Rússia ou
do Irão. Como a Rússia não tem dinheiro, a China tem mais com que se preocupar
e o Irão anda atarefado a negociar o fim das suas próprias sanções, nenhum
desses países se mostrou interessado em arranjar (mais) problemas com a UE,
para mais por causa da pouco confiável Grécia. Logo, o plano B, com prisão do
governador do banco central grego incluído (já agora o que ia acontecer à
liberdade de imprensa?) ficou (por enquanto) na gaveta.
Há anos que isto é assim: as
almas progressistas do ocidente apoiam os mais diversos radicalismos por esse
mundo fora (perturbante mas profundamente verdadeira a descrição efectuada por
Gabriel Mithá Ribeiro do papel desempenhado pelos brancos portugueses”revolucionários” na perseguição aos brancos portugueses”colonialistas” e na destruição da economia e da sociedade, no
caso em Moçambique mas que foi comum a outros países africanos). Depois, quando
os resultados do desastre se mostram óbvios eles dizem-se surpreendidos.
Declaram que foi uma falsa boa ideia. Que nunca tinham pensado que ia ser
assim. Ou, pior, que a sua utopia sempre generosa não é compatível com a
espécie humana invariavelmente egoísta, ressalvada a tribo ou o povo que nesse
momento os faz crer que agora é que vai ser. Nunca é mas isso para eles não
interessa nada.
PS. Desde já manifesto o
meu absoluto apoio à reivindicação de Heloísa Apolónia [foto] de nos debates
televisivos ter um tratamento equiparado ao dos outros líderes, nomeadamente
Paulo Portas. Eu sei que já escrevi que os Verdes nunca foram a votos e que,
como tal, não podem ser considerados um partido no verdadeiro sentido dos
termos. Nada disso me interessa agora e volto já com a palavra atrás. Desde que
a equidade no tratamento aos Verdes leve a que seja agendado um debate Heloísa
Apolónia versus Jerónimo de Sousa. Não sei aliás como vou conter a impaciência
até que chegue esse momento. Desde o frente a frente Soares-Cunhal em 1975 que
o País não vê nada de tão esclarecedor!
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