Miguel Tamen
Comparar a Atenas do século
quinto antes de Cristo com uma democracia é como comparar uma pista de comboios
eléctricos com uma rede ferroviária.
A democracia ateniense durou
pouco e acabou mal; o corpo de cidadãos era aproximadamente equivalente ao dos
habitantes da freguesia de São Domingos de Rana. Durou apesar de tudo o que
durou porque o número de cidadãos era baixo. O processo deliberativo, que
conheceu várias versões, pareceu-se em todas mais com um pátio das cantigas,
onde havia apenas seitas e consensos, do que com qualquer coisa a que
modernamente pudéssemos chamar deliberação. Era um modo de manter uma paz
relativa entre vizinhos rancorosos, e um modo de estimular o meio essencial
para a manutenção dessa paz. O meio era verbal. Atenas foi no seu apogeu um
bairro unido por bisbilhotices, rumores e discursos públicos; comparada por
exemplo com Esparta, que nos seus respectivos tempos áureos tinha todo o
encanto combinado de uma caserna e de um parque de campismo, era a freguesia menos
desagradável da Grécia Antiga.
Não há qualquer paralelo
possível entre aquilo a que hoje se chama geralmente democracia e a Atenas do
século sexto ou quinto. As dificuldades eram aí menores porque havia muito
pouca gente; sem grande esforço as pessoas conheciam-se, ou pelo menos podiam
rapidamente saber quem eram. Casavam-se entre si ou praticamente só entre si.
Solon, um conhecido defensor da democracia em Atenas, era primo do principal
tirano da altura. Naquilo a que hoje se chama democracia é muito raro as
pessoas conhecerem-se; e quanto (considera-se) mais desenvolvida é a
democracia, menos a possibilidade de saber quem alguém é deve contar. Os
eleitores casam-se comummente noutras freguesias.
Comparar a Atenas do século
quinto com uma democracia é como comparar uma pista de comboios eléctricos com
uma rede ferroviária; na minha casa de jantar posso com um único olhar
contemplar toda a pista; posso ocupar-me amorosamente de cada carruagem; e
posso corrigir os meus descarrilamentos e os meus erros. Nada que eu aprenda
com os meus comboiozinhos, porém, me prepara para ser sequer guarda de passagem
de nível. Solon não conseguiria ser eleito deputado numa democracia moderna; e
o primo não conseguiria ser um tirano capaz.
Tal como existe um tamanho abaixo
do qual deixamos de reconhecer uma democracia, assim provavelmente existe um
tamanho acima do qual aquilo a que chamamos democracia se torna dificilmente
reconhecível. Os países em que geralmente se reconhece um modo democrático de
organização são quase todos países de tamanho médio; Andorra é uma tirania, e a
Índia é na melhor das hipóteses uma democracia muito disfuncional. O único
milagre americano, mas que não é pequeno, consiste precisamente no facto de os
Estados Unidos serem o único país do mundo com uma democracia pouco
disfuncional e uma população acima de cem milhões de habitantes.
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