João Miguel Tavares
Quando não se faz nada, fica-se pior a cada dia que passa. A Grécia que
o diga.
O meu texto da semana passada
intitulado “A realidade é de direita” (no final deste texto) mereceu respostas
por parte de Miguel Esteves Cardoso e de José Pacheco Pereira.
Em relação às objecções filosóficas do Miguel tenho pouco a opor, excepto no ponto em que ele recorre à
velha dicotomia pobres vs. ricos para descrever a situação europeia em 2015. A
querer estabelecer opostos, opte-se por ricos vs. classe média, porque os
verdadeiros pobres são os que morrem silenciosamente no Mediterrâneo, a tentar
chegar à Europa de todas as crises. Esquecemo-nos demasiadas vezes disso.
Já Pacheco
Pereira decidiu, como é seu hábito, trocar aquilo que eu escrevi por aquilo
que lhe dava jeito que eu tivesse escrito, de modo a repetir pela enésima vez
as suas profecias apocalípticas e a lançar-se contra os moinhos da “direita
radical”, a que alegadamente pertenço. Pacheco faz questão de sublinhar a
“profunda inanidade intelectual” das minhas posições e alcandora o TINA a uma
nova filosofia do “fim da história”, coisa que nunca defendi. Mas o que mais me
espanta é isto: como é que um homem tão culto e afogado em Marmeleiras de
História de Portugal não percebe como é velha e relha esta sua perpétua,
incansável e desproporcionada resmunguice contra o estado do mundo.
Pacheco é mais um dos
“revolucionários do statu quo”: tem um discurso muito radical sobre o nosso
presente, clamando por grandes mudanças – só que, ao contrário do
revolucionário tradicional, o objectivo de tanto esforço não é chegar aos
amanhãs que cantam, mas recuperar os ontens que cantaram. De facto, se o
revolucionário do statu quo tem a habitual dimensão utópica, nomeadamente nas
exigências – a maior parte delas justíssimas – de uma modificação radical no
funcionamento do capitalismo, ele está ao mesmo tempo satisfeito com o seu
passado recente, e por isso aquilo que exige é isto: que não se toque na classe
média enquanto não se mudarem as regras do capitalismo selvagem e de compadrio.
Esta posição parece racional,
e está aparentemente do lado dos desfavorecidos contra os privilegiados, mas
tem um problema inultrapassável: não se pode pôr em prática em países
brutalmente endividados, que precisam do capitalismo que hoje existe, seja bom ou
mau, para pagar as suas contas. Donde, 100% boas intenções, 0% pragmatismo. Por
muito que Pacheco Pereira tente travar o mundo com os pés, ele continua a
girar, e como qualquer endividado bem sabe, a inacção não é solução. Quando não
se faz nada, fica-se pior a cada dia que passa. A Grécia que o diga. Daí a
necessidade de agir – e daí o TINA.
Porque o TINA, ao contrário do que sugere Pacheco Pereira, não é nenhuma nova versão do “fim da história”, nem qualquer satisfação com o estado do mundo, e muito menos um convite à imobilidade, até porque há sempre alternativa para a Grécia e para Portugal: sair do euro. Bem ao contrário, o TINA sempre foi um argumento para cerrar dentes e andar para a frente, para se reganhar uma liberdade que permita maiores possibilidades políticas. O imobilizado é Pacheco, que só por vesguice não vê que quando há um tremor de terra todos abanam, da base ao topo. Basta olhar à volta: desde o 25 de Abril que os privilegiados não eram tão atingidos em Portugal. A fuga fiscal diminuiu. O BES caiu. Sócrates está preso. Salgado está preso. As investigações de corrupção não param. Chega? Não chega. Mas chega para mostrar o quão patética é a teoria de que a austeridade só serve para proteger o “sistema”.
Porque o TINA, ao contrário do que sugere Pacheco Pereira, não é nenhuma nova versão do “fim da história”, nem qualquer satisfação com o estado do mundo, e muito menos um convite à imobilidade, até porque há sempre alternativa para a Grécia e para Portugal: sair do euro. Bem ao contrário, o TINA sempre foi um argumento para cerrar dentes e andar para a frente, para se reganhar uma liberdade que permita maiores possibilidades políticas. O imobilizado é Pacheco, que só por vesguice não vê que quando há um tremor de terra todos abanam, da base ao topo. Basta olhar à volta: desde o 25 de Abril que os privilegiados não eram tão atingidos em Portugal. A fuga fiscal diminuiu. O BES caiu. Sócrates está preso. Salgado está preso. As investigações de corrupção não param. Chega? Não chega. Mas chega para mostrar o quão patética é a teoria de que a austeridade só serve para proteger o “sistema”.
Título e Texto: João Miguel
Tavares, Público, 30-7-2015
A realidade é de direita
João Miguel Tavares
Achar que mantemos a liberdade de fazer o que queremos com o dinheiro
dos outros é de uma avassaladora ingenuidade.
Que a realidade é de direita
não sou eu que o digo, mas o Alexis Tsipras da era pós-acordo: “Quem tiver uma
solução alternativa que avance e diga qual é”, declarou ele numa reunião do
grupo parlamentar do Syriza.
Embora seja impressionante e
inesperado ver Tsipras rendido ao TINA (There Is No Alternative), a verdade é
que só lhe fica bem admitir o óbvio, que é um óbvio que já era óbvio há muitos
milénios, e que só deixou de ser óbvio nos últimos anos porque há gente que
adora enganar-se a si própria e aos outros: quanto mais endividado estás, menos
liberdade tens. E por muito convencido que estejas que a forma como te querem
obrigar a pagar as dívidas te prejudica tanto a ti como ao teu credor, isso
interessa muito pouco em termos negociais. Os teus argumentos até podem ser
óptimos e Paul Krugman estar cheiinho de razão. Só que não tens dinheiro. Não
tens poder de decisão. E, portanto, és obrigado a fazer o que te mandam.
É por isso que eu sempre
gostei da expressão “protectorado” usada por Paulo Portas para designar o
Portugal intervencionado. Muita gente acusava-o de falta de patriotismo, mas a
mim sempre me pareceu uma formulação exacta e a mensagem certa a passar ao
eleitorado: os países que necessitam de resgates para serem salvos da
bancarrota são, de facto, protectorados, que ficam imensamente limitados na sua
liberdade de acção, na execução das suas políticas e, em última análise, no
exercício da própria democracia. Achar que mantemos a liberdade de fazer o que
queremos com o dinheiro dos outros é de uma avassaladora ingenuidade, só
possível de entender para quem confundiu a União Europeia com um jardim-de-infância,
onde os mais pequeninos, ou os mais irresponsáveis, ou os mais irrequietos,
poderiam fazer o que quisessem porque a mamã Alemanha estaria lá para pagar a
conta.
Dizer que a realidade é de
direita em 2015 não é o mesmo que dizer que ela é sempre de direita, ou que ela
seja de direita em todos os lados do planeta. Mais: a realidade só é de direita
na Europa dos nossos dias porque ela foi de esquerda durante todas as décadas
da construção do Estado Social e do extraordinário progresso pós-guerra. Mas a
partir do momento em que o Estado adquire uma dimensão incomportável e os
cidadãos começam a manifestar-se contra o esbulho fiscal, como acontece tanto
em Portugal como na Grécia, a realidade passa a ser de direita, na medida em
que não há uma alternativa consequente às políticas de austeridade e à
diminuição do papel do Estado nas nossas vidas. É a matemática, estúpido. A
política tem um poder extraordinário, e eu próprio tenho estado ao lado da
Grécia contra aqueles que querem reduzir o projecto europeu à sua dimensão
estritamente económica, mas a política não tem o poder de fazer com que 2 + 2
sejam 5.
Tenho imensa pena que a
política não seja construída a partir desta premissa, e se perca tanto tempo a
tentar derrubar à cabeçada o muro da realidade. Se os partidos de esquerda
gregos, portugueses ou espanhóis canalizassem para a reforma dos seus países a
energia que gastam a protestar contra decisões europeias que não têm forma de
controlar, estou certo que todos estaríamos muito melhores. Agora que Tsipras
percebeu isso, esperemos que as esquerdas portuguesa e espanhola também o
percebam. Não é possível permanecer no euro sem reformas profundas. E a postura
de revolucionários do statu quo é um absurdo: antes de reformarmos a Europa e o
mundo, comecemos por nos reformar a nós próprios.
Título e Texto: João Miguel Tavares, Público, 21-7-2015
Título e Texto: João Miguel Tavares, Público, 21-7-2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-