sexta-feira, 24 de julho de 2015

O estranho caso do IVA dos restaurantes

Paulo Ferreira
Nunca se abriram tantos negócios e tão inovadores na restauração. Afinal, o tal sector esmagado pelo IVA a 23% e pelo aperto do cinto mostra, paradoxalmente, uma vitalidade nunca antes vista.


O IVA da restauração deve baixar? Claro que deve. Tal como o da electricidade. E o da roupa e calçado. E também o dos iogurtes e dos concentrados de fruta. Para não falar do das conservas e sem esquecer o dos ginásios. A carga fiscal é sufocante e tudo o que se possa fazer para a aliviar é bem-vindo. No IVA, no IRS ou no IRC. No IMI e no IUC. E no imposto sobre os combustíveis. Vá lá, mantenhem-se impostos elevados sobre o tabaco e o álcool que quem quer vícios deve pagá-los – aos vícios e às externalidades sociais e económicas que eles provocam. E, se quiserem, mantenha-se também a nova taxa sobre os sacos de plástico que só nos faz bem reutilizá-los.

Então coloquemos a questão de outra maneira. O sector da restauração deve ser positivamente discriminado e beneficiar de uma baixa do IVA? Claro que os empresários do sector defendem que sim. Mas quem é que não gostava de ter um IVA de 13% em vez de 23% nos produtos e serviços que vende? Todos, verdade? Eu também gostava que os serviços de criação e produção de conteúdos e as colaborações com os media – como este texto que estão a ler – tivesse um IVA mais baixo. O ideal é que estivesse mesmo isento. Já viram o desemprego que por aí anda entre os jornalistas e licenciados em comunicação? Já repararam na dificuldade que as empresas de comunicação social têm tido na última década para equilibrar as contas?

Mas interesses próprios à parte, não vejo qualquer racionalidade económica e fiscal em fazer dos restaurantes e cafés uma excepção. O sufoco tributário é generalizado, a crise afectou de forma idêntica ou muito superior vários outros sectores – basta pensar na construção ou na venda de automóveis, por exemplo – e o desemprego involuntário também se distribuiu pela economia – excepção feita ao Estado, claro, e daí também esta carga fiscal pornográfica.

Mas é certo e sabido que até às eleições este vai ser um dos temas em discussão, já que está transformado numa “bandeira” de querela partidária e de diferenciação de promessas eleitorais. É apenas por isso – e pela capacidade reivindicativa do sector – que ele é discutido e não pela relevância económica do IVA da restauração que não é diferente da fiscalidade de outras indústrias. Infelizmente, o destino do país não muda se tributarmos o bitoque ou a francesinha a 13% em vez de 23%. Era bom que este fosse o grande assunto que temos para resolver.

Eleições rima com mistificações e este caso não é excepção.

Dificilmente o nível do IVA é para este sector um drama maior do que para outros. O problema é que a restauração – como, de resto, outras áreas do comércio e serviços – sofreu outro impacto maior. Foi aquele que resultou do combate à fuga ao fisco, com os novos sistemas electrónicos de facturação e com o incentivo dado aos consumidores para exigirem factura. A “gestão” da facturação declarada ao fisco e do IVA a entregar ao Estado – fosse ele de 13% ou de 23% – deixou de poder ser feita com a mesma amplitude e a rentabilidade do sector ressentiu-se. Mas esse é um problema criado por más práticas dos empresários que tinham que acabar por um imperativo de justiça tributária. Ou vamos defender a fuga ao fisco como meio legítimo de sobrevivência das empresas?

Outro impacto importante para muitos restaurantes foi o corte nos rendimentos das famílias, que as levaram a reduzir drasticamente as refeições fora. Muita gente deixou de almoçar e jantar no restaurante com a mesma frequência porque deixou de ter dinheiro para pagar 10 ou 20 euros por uma refeição e não porque a mesma passou a custar 11 ou 22 euros, respectivamente, por efeito (aproximado) do IVA.

Mas apesar de tudo isto este é um sector em crise? O que vejo olhando à volta é que nunca como agora se abriram tantos negócios e tão inovadores na restauração. Não passa uma semana sem que veja nos jornais várias páginas de sugestões de novos sítios para ir comer e beber. São hamburgueres de todas as formas e feitios, francesinhas do Porto a invadir Lisboa, tapas e copos de vinho, padarias reinventadas, sushi tradicional ou de fusão, mexilhões com cerveja ou com gim, pregos e bifanas gourmet, iogurtes naturais ou em gelado, novos negócios de “street food” que aparecem todos os dias, chefs famosos que não param de abrir novos espaços para todas as bolsas e paladares, esplanadas e terraços para aproveitar o bom tempo, bolos de chocolate ditos os melhores do mundo e tartes com amêndoa verdadeira. E os “brunchs” e as ceias. Com muito ou pouco colesterol. Uns baratos, outros caros. Para comer em pé ou sentado. No centro comercial ou em mercados de bairro reinventados.

O tal sector esmagado pelo IVA a 23% e pelo aperto do cinto mostra, paradoxalmente, uma vitalidade nunca antes vista.

Parecem, de facto, dois países diferentes. Estarão os milhares de empresários que têm lançado estes novos negócios todos enganados? Não saberão fazer contas ao IVA e às margens de lucro? Não ouviram falar da crise no país e no sector? Ou, pelo contrário, acreditam na inovação, na diversificação da oferta, na qualidade dos produtos e do serviço que prestam para atrair clientes?

Nestas discussões sobre o IVA da restauração não me esqueço de como tudo começou. Estámos a meio da década de 90 e António Guterres decidiu dar um bónus ao sector em nome de um alegado problema de competitividade – não fôssemos todos começar a ir almoçar e jantar a Espanha. Criou a taxa intermédia de 12% para os restaurantes e cafés numa altura em que a taxa máxima de IVA era de 17% (que saudades). Os preços não mexeram e as margens aumentaram cerca de 5%. Na altura ninguém se preocupou com o pobre do cliente. A vida é difícil. Mas é difícil para todos.
Título e Texto: Paulo Ferreira, Observador, 24-7-2015

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