Manuel Villaverde Cabral
Escolhi um título bíblico que
ilustra o que o Syriza já fez na Grécia e quer continuar a fazer: «Morra Sansão
e todos os que aqui estão», pois o matador não sobreviverá por muito tempo às
suas vítimas
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Foto: Sakis Mitrolodis/AFP/Getty Images |
Estou há dias à espera dos
últimos volte-faces das negociações entre o Syriza e a Zona Euro (ZE) a fim de
escrever o que penso a este respeito. Vários outros títulos me ocorreram: «A
atracção pelo abismo», «A vertigem do caos» ou simplesmente «Quanto pior,
melhor!», que é a maneira de pensar típica assumida por todas as formas de
oposição às medidas de austeridade fiscal e de ajustamento das políticas
públicas perante a deriva despesista de vários governos da UE, entre as quais
as do governo Sócrates (2005-2011), perante a grande recessão desencadeada nos
USA em 2007.
Subitamente sou surpreendido,
como toda a gente, pelo anúncio inopinado de um referendo ad-hoc destinado,
basicamente, a tentar ilibar o Syriza do ónus daquilo que tem estado a suceder
na Grécia desde o dia em que aquele partido de origem estalinista (o PC grego
dito do «interior») chegou ao poder. E só lá chegou graças à adesão de grande
parte do eleitorado do PS local por causa das medidas da troika impostas ao duo
oligárquico que alternava no governo desde o fim da ditadura militar… Seja qual
for o desenlace deste referendo manipulado desde o início, quem perderá de
certeza será a esmagadora maioria da população grega, pois mesmo no caso de a
maioria votar SIM, o desfecho final da crise política provocada pelo Syriza
estará longe e a Grécia terá de pagar um preço muito alto.
Perante mais este truque de
prestidigitação que a dupla Tsipras-Varoufakis tem vindo a produzir como
pseudo-negociação, ficou claro para todas as pessoas minimamente atentas, lá
como cá, que o actual governo grego não só não pretende chegar a qualquer
acordo, como terá decidido, desde sempre, sair do euro, isolar a Grécia ainda mais
do que já estava, se possível rebentar com a moeda única, pelo menos com
Portugal e eventualmente outros países do ajustamento, assestando desse modo um
golpe de proporções inéditas na UE, até pelas suas manifestas dimensões
geopolíticas.
Se para a generalidade das
pessoas as implicações geopolíticas da crise aberta pelo Syriza são
deliberadamente anti-ocidentais, chamemos-lhe assim, há todavia quem as apelide
candidamente de anti-capitalistas ou, mais subtilmente ainda, como sendo da
responsabilidade da chamada direita neo-liberal, a qual, neste caso, seriam os
18 governos da zona euro. Ora, é isto que continua a suceder, desde o
primeiro minuto até este instante, com esses inesperados admiradores do Syriza
que se revelaram, sofisticamente, António Costa e a direcção do PS!
Acabei assim por optar por um
título bíblico que ilustra claramente o que o Syriza já fez na Grécia e
tenciona continuar a fazer: «Morra Sansão e todos os que aqui estão», pois o
matador não sobreviverá por muito tempo às suas vítimas! É deste tipo de pulsão
niilista que Paulo Tunhas, sem mencionar a Grécia, nos falava aqui
mesmo, e alguns dos comentários desencadeados só confirmam o grau de odium de
que se reveste hoje a discussão política.
Decididamente, no sul da
Europa intervencionada pela «troika», o niilismo das representações míticas da
«revolução» ou, mais modestamente, do «estado social», próprias de uma esquerda
eleitoralmente derrotada na UE, mistura-se perigosamente com o
ultra-nacionalismo, com o qual o Syriza se aliou, não à toa, dando assim corpo
à junção dos soberanismos de direita e de esquerda contra a Europa unida pela
democracia e pela economia liberal há perto de 60 anos.
A moeda única desencadeou
desde o início a feroz oposição da Bolsa de Londres e de Wall Street, mas na
realidade ela não faz mais do que dar expressão financeira a um projecto,
afinal, menos quimérico do que se julga, como se depreende das últimas notícias
dos USA, desde a insolvência de Porto Rico até à «gentrificação» de Detroit. Ambos os exemplos provam como o
dólar único em vigor no continente norte-americano coexiste com a morte e a
ressurreição locais, de acordo com a teoria já relativamente antiga da
austeridade fiscal, que estamos agora a descobrir.
E isso é cada vez mais
frustrante para as esquerdas saudosistas da receita keynesiana, espicaçadas
agora pelo mantra da «reestruturação da dívida», mas os limites da receita são
bem conhecidos 80 anos depois: a teoria de Keynes era explicitamente concebida
para uma sociedade fechada; ora, os USA liquidaram o tratado de Bretton Woods
há quase 50 anos (1971) e puseram a funcionar a máquina imparável da
globalização; entretanto, mercê do welfare state, a cuja ideia ele
apenas dedicara umas linhas, o Estado crescia na Europa acima de 50% do
PIB…
Uma coisa está a demonstrar a
crise agónica do keynesianismo à moda grega: como escrevi há tempos, sair
do euro é andar décadas para trás e recuar do centro para a periferia mais remota.
Na Grécia como em Portugal ou em Espanha. O PS ou supera os seus complexos
esquerdizantes, consecutivos à dupla débacle do socratismo, ou arrisca-se, como
o PASOK e até o PSOE, a ser varrido pelos velhos e novos comunismos devido ao
odioso niilismo político que estes introduziram nas sociedades europeias
meridionais.
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