sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Sínodo da Amazônia: o que está em jogo?

Mathias von Gersdorff

O Sínodo da Amazônia causa irritações e perplexidades não consideráveis entre os católicos. A razão para tal foi primeiramente o estilo do documento de trabalho (Instrumentum laboris), mais parecido com um panfleto dos Verdes e que mostra nítidas simpatias pelos hábitos (pagãos) dos povos indígenas na região amazônica.

O desagrado aumentou depois do anúncio dos nomes dos participantes do Sínodo. Encontram-se entre eles os representantes mais radicais das teologias da libertação, ecológica e indígena. Essas orientações teológicas defendem um caminho completamente novo para a Igreja Católica e um abandono drástico da tradição e do magistério eclesiástico. E vão aparecendo, um após outro, relatos de práticas pagãs em função do Sínodo ora em curso e de declarações heterodoxas na sala sinodal.

Como se chegou a esta situação? O que está acontecendo em certos setores da Igreja Católica?


O ponto de partida: Hans Küng

Em seu livro Sete Papas (2015), o teólogo Hans Küng [foto acima] descreve o que considera como o mal fundamental da Igreja Católica: a constituição no Vaticano de um aparato eficiente e ágil sob o pontificado de Inocêncio III (Papa de 1198 a 1216), ou seja, a Cúria Romana.

Todos os progressistas são praticamente unânimes em afirmar que naquela época a Igreja Católica tornou-se mais ou menos (existem matizes consideráveis) um aparato que sufoca o espírito. Desde então, na Igreja, a Fé direta e irrestrita não estaria mais no ponto central, mas sim o direito canônico, os documentos magisteriais, a pretensão de poder do Papa e a administração eclesial.

Essa caricatura só pode surgir na mente daqueles que não veem a Igreja como uma instituição sobrenatural, cuja vida é governada pela graça divina. Daí pode-se facilmente chegar à conclusão de que a vida real existente na Igreja poderia ter tomado também um rumo completamente diferente, como se afinal de contas Deus não dirigisse a História.

O progressismo hodierno deseja no fundo corrigir a história da Igreja. Isso se dá por meio de duas vias: a europeia e a sul-americana.

A visão européia (progressista) do cardeal Marx & Cia.

É bem conhecido o que almeja o catolicismo reformista europeu: a adaptação da Igreja ao espírito do tempo, ao qual os progressistas atribuem autoridade até mesmo para interpretar como a vida e a fé deveriam existir na Igreja. Por isso as teses do espírito do tempo são adotadas de bom grado: a Igreja deve ser democrática, a moral sexual deve pautar-se pelas concepções do mundo, o feminismo deve determinar as estruturas da Igreja e o ecologismo sua ideia marcante.

A tradição, a história da Igreja, o magistério eclesiástico, os dogmas e a piedade popular são considerados um lastro desnecessário. Pelo contrário, a Igreja deveria estar constantemente se reinventando nos campos litúrgico, religioso e moral-teológico.

A visão latino-americana (baseada na teologia da libertação) do cardeal Humes & Cia.

Na América do Sul, o progressismo tomou uma via diferente por estar fortemente influenciado pelo marxismo. A assim chamada “teologia da libertação” é a adoção do método da luta de classes na Igreja Católica. A teologia da libertação defendia a necessidade de uma luta de classes dos pobres contra os ricos, à maneira do marxismo clássico.

Como a fé católica não conhece “classes”, a teologia da libertação foi condenada pelo Vaticano (p. ex., pela Instrução Libertatis nuntius, da Congregação da Doutrina da Fé, em 1984). Mas sobreviveu na cabeça de muitos teólogos e passou por uma metamorfose surpreendente, dando origem à “teologia feminista”, à “teologia ecológica” e à “teologia indígena”.

Na base de todas essas teologias encontra-se a tese fundamental de que uma classe dominante oprime a grande maioria das pessoas.

Numa perspectiva cultural-revolucionária, a “teologia indígena” é a mais radical: de acordo com ela, a colonização e a evangelização da América Latina constituíram um ato de opressão. A primeira teria imposto aos nativos uma visão europeia de mundo; a segunda, destruído hábitos religiosos legítimos.

Dessa maneira, os povos primitivos vivem cultural e religiosamente oprimidos há 500 anos.

Uma versão europeia desta tese alegaria (como o ideólogo nazista Rosenberg também o defendeu) que os germanos teriam sido despojados de sua ligação com a natureza e de seu culto à “Mãe Terra” e a outras divindades.

Qual é o elo entre o progressismo europeu e o latino-americano?

Embora o progressismo europeu e o latino-americano sejam aparentemente muito diferentes, eles estão intimamente relacionados: ambos rejeitam a tradição e o magistério; ambos são da opinião de que a fé deve se desenvolver completamente livre e não precisa de Cúria, nem de Direito Canônico, de Dicastérios e da Hierarquia.

O que pensa a maioria dos bispos?

As correntes acima descritas são radicais, mas não formam uma maioria. A maioria dos bispos tenta viver em equidistância face à tradição e à adaptação ao mundo. Mas, devido à crise geral da Igreja (casos de abuso sexual, crise vocacional, número cada vez menor de fiéis etc.), essa maioria é muito fraca e pálida. Donde ser muito forte hoje em dia a influência dos progressistas — e também a dos progressistas radicais. Eles se apresentam como munidos de grande autoridade e quase ninguém ousa contradizê-los.

O que há de novo na situação atual: a coesão está rompida

Ora, poder-se-ia dizer que essa formação de correntes ou partidos tem sido muito marcante desde o Concílio Vaticano II. Alguns querem mudar tudo; outros não aceitam qualquer mudança; outros ainda desejam um retorno à época de Pio XII.

A novidade hoje em dia é que os diferentes setores da Igreja vivem como ilhas isoladas. A coesão, que ainda havia na época de figuras como o cardeal Lehmann, não existe mais. Cada grupo vive, por assim dizer, sozinho.

Isso tem como resultado que os porta-vozes radicais que não levam em consideração o Magistério e a Tradição vão se radicalizando ainda mais e agindo de modo cada vez mais aberto.
Está desaparecendo o consenso sobre o que é católico e o que não é. Nada mais vincula. As forças centrífugas crescem. Entrementes fala-se abertamente de possíveis cismas, o que seria impensável alguns anos atrás.

Perspectivas

O simples fato de alguns bispos estarem pensando em voz alta sobre o sacerdócio de mulheres, como Dom Peter Kohlgraf, bispo de Mainz, mostra que a situação é extremamente crítica.

Na América Latina o progressismo faz exigências como, por exemplo, um pedido de desculpas da Igreja pela evangelização dos índios. Estes teriam sido diretamente “batizados” por Deus e viveriam num estado paradisíaco. O Ocidente teria destruído tudo isso e Jesus Cristo não seria mais um Salvador necessário.

Aqui não se trata “apenas” de heresias, mas de apostasia aberta, de um afastamento completo do Cristianismo.

Qual é o resultado: O progressismo parece ter feito do Sínodo da Amazônia um jogo de risco. Ou seja, “tudo ou nada”. Há muitas indicações de que os progressistas querem finalmente criar fatos, custe o que custar.

Isso se aplica tanto a latino-americanos quanto a europeus.

O que devem fazer os católicos fiéis ao Magistério?

A Igreja se move em alta velocidade para a anarquia.

Em primeiro lugar, em semelhante situação, o fiel católico deve cuidar para que sua fé se torne robusta em face da tormenta, através da oração, dos sacramentos, do aprofundamento das verdades católicas.

Através da piedosa e atenta recitação do Credo!

Em segundo lugar, ele precisa também resoluta e vigorosamente declarar sua fidelidade à Igreja Católica e aderir firmemente à sua crença na indestrutibilidade da Igreja, prometida por Nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Mt 16, 18 e ss.).
Título e Texto: Mathias von Gersdorff; Tradução do original alemão: Renato Murta de Vasconcelos. ABIM, 25-10-2019

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