Francisco Vianna
O islamismo político, propositalmente, se faz
confundir e se mesclar com a religião maometana, a ponto de não se saber onde
termina um e onde começa o outro. Na verdade, há uma vertente cada vez maior de
fé muçulmana que incorpora a politização radical promovida pelos
fundamentalistas islâmicos em guerra aberta e declarada – a jihad – contra o
Ocidente.
Recentemente, o movimento islâmico
fundamentalista, o – digamos assim – braço político da “fé islâmica” no mundo,
tem assumido uma nova tática pela qual a Irmandade Muçulmana pretende sua
expansão no Oriente Médio e no mundo, ao usar os movimentos de protesto contra
as autocracias nos países árabes, como os que ocorreram no Sudão, no Egito, na
Líbia, e os que ainda ocorrem na Síria e na Tailândia. Tal tem sido a tendência
contínua desses movimentos de protesto ao redor do mundo, de apoiadores da
Irmandade Muçulmana, em se tornarem uma estratégia eficaz contra regimes
autocráticos, para substituí-los, na verdade, por outros regimes de repressão
política e por medidas de austeridade religiosa, política e econômica.
O principal fator para essa ‘estratégia da
insurgência’ é o apoio da parte fundamentalista do mundo muçulmano, em luta
pelo poder para dar continuidade à sua ‘jihad’ antiocidental. Tanto a
insurgência como os protestos são formas de oposição assimétrica, pelas quais
os insurgentes ou manifestantes não conseguem ter sucesso usando a força para
superar o estado, mas deve encontrar (ou criar) e explorar as fraquezas
específicas desse mesmo estado.
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Revolta egípcia em 2011 – O movimento custou algumas vidas mas levou à deposição do ditador Mubarak |
Todavia, os movimentos de protesto não são tão
agressivos como são as insurgências. A violência é parte integrante e efetiva
da ‘estratégia da insurgência’, ao passo que os movimentos de protesto podem
ser apenas uma tática de negociação para a obtenção de concessões do estado ou
de uma empresa. As greves constituem as formas mais comuns de protesto e de
pressão utilizadas para valorizar o trabalho e para a obtenção de mais
benefícios. Milhares de protestos e greves ocorrem em todo o mundo a cada
semana. As maiorias são pequenas e insignificantes manifestações da comunidade
e não resulta em insurgência.
Esta análise vai deixar essas formas, digamos
assim, pacíficas de protestos de lado e se concentrar na importância
geopolítica dos movimentos de protesto, que adotam a “tática da insurgência”
destinada a criar mudança política do regime.
Não é raro o fato dos protestos virem a estimular
insurgências. No caso da Síria, por exemplo, os civis se reúnem nas ruas e em
locais públicos para clamar pela mudança política do regime de Assad, mas, as respostas
do regime de Damasco tornam-se cada vez mais violentas. Como a violência gera
violência, os manifestantes passaram então a formar uma milícia que começou uma
insurgência paralela ao movimento de protesto, fazendo com que a escalada da
violência na Síria, gerada pela ‘tática da insurgência’, tenha substituído os
movimentos de protesto.
Isso ocorre eventualmente, como um resultado da
lei de ação e reação, mas nem todos os protestos evoluem para insurgências. No
entanto, alguns são reprimidos violentamente pelo regime e passam a responder
com violência proporcional, enquanto outros são capazes de atingir seus
objetivos através de outros meios mais pacíficos, tudo dependendo de como o
regime do país se comporta em face dos protestos. Um último desafio é o de se
distinguir entre os movimentos que conseguiram alterar a ordem em vigor no país
e os que arrefeceram após terem alcançado as manchetes dos jornais. Tal
distinção entre esses dois tipos de movimento se faz observando as táticas que
um determinado grupo de manifestantes usa e as respostas estratégicas do estado
contra o qual os manifestantes estão protestando.
Os movimentos de protesto, em geral, começam com
muito menos recursos e organização do que possui a entidade estabelecida contra
a qual estão protestando. A batalha que lutam é assimétrica e contra um estado
que tem muito mais recursos para usar contra tais manifestantes. Por exemplo,
em 06 de abril de 2011, o movimento de protesto por trás das mudanças do regime
egípcio começou com a juventude inexperiente pressionando as autoridades do
Cairo e sofrendo, em resposta, uma série de prisões de seus manifestantes. Já,
em 2008, o estado egípcio tinha sido capaz de acabar com o movimento de
protesto, de forma relativamente calma e sem violência, mas não conseguiu
acabar com a insatisfação gerada pelo caráter autocrático do regime.
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Na Líbia, o número de mortos foi muito maior, mas o movimento resultou na execução do ditador Khadafi com apoio da OTAN |
Os grupos de manifestantes que sobreviveram se
adaptaram a ponto de adquirir uma capacidade organizacional mais ágil, e sua
ação impuseram ao estado a percepção do que eles – seus adversários – tinham
vindo para ficar. Ou seja, o Cairo passou a vê-los não mais como simples
manifestantes de um movimento de protesto, mas como uma insurgência em
ascensão, cujo teor de violência iria depender do teor de violência que o estado,
eventualmente, viesse a usar na sua repressão.
Organizar protestos se torna cada vez mais
perigoso e o perigo aumenta muito quando os movimentos de protesto se tornam bem-sucedidos.
A maioria das autoridades tolera certa quantidade de ativismo contrário porque
considera isso, inicialmente, como uma espécie de desabafo popular. O regime
tenta inicialmente apaziguar os manifestantes, deixando que eles pensem que
estão fazendo a diferença – desde que não se tornem uma ameaça real ao regime.
Mas, na medida em que os movimentos de protestos crescem e passam a envolver
muito mais pessoas, as autoridades tendem a agir mais agressivamente para
neutralizar os manifestantes usando de violência crescente.
Os movimentos de protesto autênticos e sinceros só
conseguem ser bem-sucedidos quando conseguem sobreviver a uma fase de prisões,
de mortes e de perseguição policial ou até de milícias contra protestos
organizadas pelos que apoiam o governo.
Outro elemento a ser procurado na organização dos
movimentos de protesto é a ‘unidade da mensagem’. Observar se estão sendo
usados os mesmos slogans e se estão sendo carregados cartazes e faixas
produzidos em massa, especialmente se os manifestantes estão em várias cidades,
mostrará o ‘nível de unidade’ que indica uma única e central organização, seja
um indivíduo, uma comissão, ou mesmo uma instituição. A centralização de um
movimento de protesto é fundamental, pois significa uma melhor coordenação e
mais rápida tomada de decisão em resposta às repressões e obstáculos que surgirão
adiante. E, mais tarde, caso o movimento de protesto seja bem-sucedido, haverá
– como sempre - um indivíduo ou um pequeno grupo de indivíduos que poderá
explorar a energia gerada pelo movimento de protesto para ganhos políticos.
O nível de disciplina mostrado pelos manifestantes
e pela coordenação do movimento é outro indicador importante da organização do
mesmo. É absolutamente crítico que um movimento de protesto mantenha uma
elevada moral de seus participantes, caso contrário será muito fácil para seus
adversários difamá-los como ladrões, bandidos ou terroristas. Como o número de
manifestantes chegando a dezenas ou centenas de milhares de pessoas, fica
impossível para os organizadores impor uma disciplina espartana ao movimento.
Mas, se, no entanto, os organizadores puderem reconhecer a importância dessa
disciplina e tentarem estabelecer uma “regra de violência zero” em todo o
movimento, dependerão para tal proeza dos esforços da base de uma segurança
própria para impô-la.
Os movimentos de protesto se tornam bem-sucedidos
quando um número grande e crescente de pessoas se reúne para cumprir uma agenda
reivindicatória de forma pacífica, abstendo-se da óbvia tentação de depredar,
agredir, saquear, roubar ou cometer outros crimes em meio ao caos natural que
os protestos de rua já, por si, causam. Tal controle emocional e abstenção
mostram que a disciplina foi aceita como regra básica e indica controle sobre
seus atos, fatores que podem transformar a turba protestante numa espécie de
exército civil efetivo.
Numa primeira fase, os organizadores do protesto
devem superar as tentativas das autoridades para dispersar o movimento, bem
como a falta de legitimidade inicial do movimento. Os movimentos de protesto
tipicamente começam com um número pequeno de pessoas que representam uma
opinião marginal. A fim de aumentar o número de seus ativistas, os
organizadores do movimento têm de convencer os outros de que seus interesses e
aspirações somente serão alcançados através do protesto. Uma das maneiras de
conseguir isso é fazer com que as manifestações ainda pequenas pareçam maiores,
com o fito de convencer outras pessoas de que os protestos representam de fato
o interesse de uma maioria da população.
Os movimentos de protesto, quase sempre enquadrar
suas manifestações de modo a fazê-los parecer maiores. Se um protesto tem
apenas algumas centenas de pessoas, ele vai parecer pequeno e insignificante se
elas estiverem amontoadas no meio de uma praça central ampla. Parecerá muito
maior se deslocando por uma rua estreita e sinuosa que esconde a duração da sua
procissão e amplia seu ruído. Isso não significa que os movimentos de protesto,
em ruas estreitas e sinuosas sejam necessariamente pequenos; mas, se forem, é
provável que alguém tenha sido hábil em escolher tal local adequado para a
manifestação. Saber quando, onde, e como protestar indica a sofisticação de um
movimento de protesto.
Um protesto só tem algum valor quando é visto e
ouvido por um contingente o maior possível de pessoas e de uma forma a
impactá-las o suficiente para que debatam entre si as razões e os motivos do
protesto. Muitas vezes, a disponibilidade de imagens de um protesto é o modo
como a mídia mostra o quanto um movimento de protesto é atilado e bem
articulado. Um movimento sofisticado irá alertar os meios de comunicação
antecipadamente, para garantir que ele será transmitido e que em torno dele os
debates serão iniciados através do ‘quarto poder’, a mídia; movimentos mais
sofisticados irão se certificar de que as imagens simbólicas do movimento serão
difundidas e suas razões e objetivos debatidos em mesas redondas, entrevistas,
e em longas e sucessivas matérias dos jornais dos meios de divulgação em massa.
Um bom exemplo disso ocorreu quando estudantes
iranianos violaram o perímetro da embaixada britânica em Teerã, em novembro de
2011. Dezenas de jornalistas e cinegrafistas (muitos com suas câmeras em tripés
pré- posicionados) estavam prontos para registrar o ‘momento simbólico’. Nesse
caso, a violação em si não causou muito dano, mas o grau com que as autoridades
iranianas exibiam a sua desconsideração quanto à segurança de uma embaixada
estrangeira em seu país, levou a Grã-Bretanha em fechar sua missão diplomática.
Imagens de cenas de protesto são cruciais para a
análise desse protesto, quando as cenas são criadas dessa maneira, e é provável
que alguém tenha organizado desse modo para garantir que a mensagem tenha sido
dada.
A percepção do protesto aumenta na medida em que o
medo do regime diminui. Regimes despóticos mantêm o controle das pessoas
através do medo e, quando manifestantes perdem o medo do regime e começam a
perceber que têm o poder de fazer mudanças, os protestos rapidamente evoluem na
medida em que ganham a adesão de mais pessoas que se identificam com eles -
como ocorreu na rápida queda do ex-presidente romeno Nicolae Ceausescu, em
1989. No entanto, esta perda de medo nem sempre garante o sucesso do movimento,
com o governo às vezes aumentando drasticamente a violência para combater essa
falta de medo dos manifestantes – tal como se pode ver na Praça de Tiananmen,
em Pequim, em 1989.
No levante que ocorreu na Síria em 1982, o medo do
regime de Assad não evaporou, e o movimento foi rápida e firmemente rechaçado
em poucas semanas. Na versão atual do movimento, a iteração atual com a
oposição síria, o medo do regime evaporou, e o movimento persiste há já mais de
um ano, mesmo que a violência da resposta da ditadura Assad tenha se tornado
muito mais violenta e já tenha produzido muito mais de 150 mil mortos.
Uma vez que as táticas de um movimento de protesto
tenham sido avaliadas como organizada e sofisticada, é hora de avaliar as
fraquezas estratégicas do estado, as quais o movimento pode atacar. Governos
mandam através dos controles que têm sobre os pilares fundamentais da
sociedade, através dos quais eles exercem a sua autoridade sobre a população.
Estes pilares incluem as forças de segurança (polícia e demais forças armadas),
o sistema judicial, o parlamento, os serviços públicos e os sindicatos, sem
falar na mídia sobre controle direto e indireto do regime.
Se o movimento de protesto tenta derrubar o
governo e não apenas extrair dele concessões, o movimento vai agir no sentido
de minar o controle do regime sobre esses pilares da sociedade controlados pelo
estado. Retirar do regime o apoio de um ou mais desses pilares irá corroer o poder
de um governo até que ele não possa mais efetivamente governar, a partir de
cujo ponto os movimentos de protesto organizados e sérios podem começar a
assumir o controle institucional do país.
É importante, então, para avaliar o grau de
controle do governo sobre os principais pilares do país, que um movimento de
protesto tenha como isso como alvo. No caso da Síria, identificado o clã
‘al-Assad’ como pertencente à minoria islamofascismo alawita, vê-se que a
supremacia do partido Baath estabelece o controle sobre o aparato militar e de
inteligência como fundamentais para o controle dos demais pilares fundamentais
da sociedade síria pelo regime. A oposição síria pode empregar as táticas mais
sofisticadas possíveis, mas, a menos que essas táticas corroam um ou mais
desses pilares, o governo poderá continuar a exercer seu poder sobre eles até
que a maioria esteja subjugada ou morta a ponto de se tornar uma minoria
social.
Finalmente, ao considerar o impacto global de um
movimento de protesto, o contexto é crucial. Alguns estados têm uma maior
tolerância para os protestos do que outros. Normalmente, os estados
democráticos toleram mais abertamente os protestos do que os estados
repressivos que os combatem, uma vez que a segurança do regime não é como a de
um pilar fundamental nos estados abertos, como é nos estados fechados. Por
exemplo, a Tailândia vê regularmente protestos com dezenas de milhares de
participantes. Os protestos conseguem efetivamente paralisar a capital Bangkok
e até a interromper uma conferência da Associação dos Países do Sudeste
Asiático, em 2009, mas os pilares básicos do Estado permaneceram intatos, ao
passo que os protestos que começaram em 16 de junho no Sudão da ordem de apenas
algumas centenas de pessoas – mas que já atraem a atenção da mídia – recebem
forte e violeta repressão por parte do regime sudanês. Devido à reputação do
Sudão como sendo um estado repressivo, até mesmo pequenos protestos como esses
podem desencadear respostas dramáticas do estado.
A Tailândia tem uma série de instituições estatais
– particularmente a monarquia – com as quais o regime exerce autoridade, apesar
de o regime sudanês se basear muito mais em receitas de segurança e em medidas
enérgicas para afirmar a sua autoridade. O Sudão tem menos tolerância para até
ameaças leves para ambos os pilares. Os analistas observam hoje o Sudão
cuidadosamente para ver se o movimento de protesto poderá ou não sobreviver à
operação de segurança em curso.
Ao compreender como um movimento de protesto
funciona e como ele atinge e explora os pontos fracos do estado contra o qual
está protestando, podemos avaliar como os movimentos bem-sucedidos tendem a ser
e como eles podem se tornar em verdadeiras insurgências civis e militares
contra o regime.
O ocidente, livre e democrático, observa
atentamente o embate entre os regimes opressivos e ditatoriais e os movimentos
de protestos estimulados pela Irmandade Muçulmana nos países árabes ou de
maioria muçulmana e sobre essa observação constrói sua estratégia no sentido de
não permitir que os regimes resultantes desses levantes se constituam numa
ameaça direta aos seus povos.
O socialismo, sob as diversas formas com que se
apresenta, só têm, na verdade um obstáculo para se alastrar e se generalizar: a
pujança e o progresso das democracias capitalistas, que contrastam com o atraso
e a pobreza de todos os povos submetidos à sua doutrina coletivista,
distributivista e construtivista estatal.
Em todos os casos, o perigo está no fato de que,
ao contrário das democracias capitalistas, é o estado que concentra em suas
mãos todo o capital e o poder político capaz de amordaçar e eliminar
sumariamente quem discorde dele.
No Brasil, é justamente o estado petista que usa a
estratégia da insurreição a seu favor e conveniência. É assim que o governo de
Brasília financia o MST – que age em associação e orientação com as FARC
colombianas – para que invadam fazendas produtivas e causem prejuízos ao
agronegócio, e convoquem hordas de baderneiros nas cidades para promover
quebra-quebras e invasões de instituições várias, para fomentar a pressão sobre
a sociedade civil, quem sabe, para que esta exija nas ruas ações de exceção
para o “controle” dessas situações de violência criadas pelo próprio regime. Isso
sem falar nas associações espúrias de Brasília com o crime organizado no Rio de
Janeiro e em São Paulo.
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LAÇOS DE SANGUE – A invasão de uma fazenda pelo MST (acima) e a marcha de soldados das FARC: guerrilheiros colombianos estão entre os sem-terra |
Título, Imagens e Texto: Francisco Vianna, 06-07-2012
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