sábado, 7 de julho de 2012

A estratégia dos movimentos de protesto

Francisco Vianna
O islamismo político, propositalmente, se faz confundir e se mesclar com a religião maometana, a ponto de não se saber onde termina um e onde começa o outro. Na verdade, há uma vertente cada vez maior de fé muçulmana que incorpora a politização radical promovida pelos fundamentalistas islâmicos em guerra aberta e declarada – a jihad – contra o Ocidente.
Recentemente, o movimento islâmico fundamentalista, o – digamos assim – braço político da “fé islâmica” no mundo, tem assumido uma nova tática pela qual a Irmandade Muçulmana pretende sua expansão no Oriente Médio e no mundo, ao usar os movimentos de protesto contra as autocracias nos países árabes, como os que ocorreram no Sudão, no Egito, na Líbia, e os que ainda ocorrem na Síria e na Tailândia. Tal tem sido a tendência contínua desses movimentos de protesto ao redor do mundo, de apoiadores da Irmandade Muçulmana, em se tornarem uma estratégia eficaz contra regimes autocráticos, para substituí-los, na verdade, por outros regimes de repressão política e por medidas de austeridade religiosa, política e econômica. 

Revolta egípcia em 2011 – O movimento custou algumas vidas mas levou à deposição do ditador Mubarak
O principal fator para essa ‘estratégia da insurgência’ é o apoio da parte fundamentalista do mundo muçulmano, em luta pelo poder para dar continuidade à sua ‘jihad’ antiocidental. Tanto a insurgência como os protestos são formas de oposição assimétrica, pelas quais os insurgentes ou manifestantes não conseguem ter sucesso usando a força para superar o estado, mas deve encontrar (ou criar) e explorar as fraquezas específicas desse mesmo estado.
Todavia, os movimentos de protesto não são tão agressivos como são as insurgências. A violência é parte integrante e efetiva da ‘estratégia da insurgência’, ao passo que os movimentos de protesto podem ser apenas uma tática de negociação para a obtenção de concessões do estado ou de uma empresa. As greves constituem as formas mais comuns de protesto e de pressão utilizadas para valorizar o trabalho e para a obtenção de mais benefícios. Milhares de protestos e greves ocorrem em todo o mundo a cada semana. As maiorias são pequenas e insignificantes manifestações da comunidade e não resulta em insurgência.
Esta análise vai deixar essas formas, digamos assim, pacíficas de protestos de lado e se concentrar na importância geopolítica dos movimentos de protesto, que adotam a “tática da insurgência” destinada a criar mudança política do regime.
Não é raro o fato dos protestos virem a estimular insurgências. No caso da Síria, por exemplo, os civis se reúnem nas ruas e em locais públicos para clamar pela mudança política do regime de Assad, mas, as respostas do regime de Damasco tornam-se cada vez mais violentas. Como a violência gera violência, os manifestantes passaram então a formar uma milícia que começou uma insurgência paralela ao movimento de protesto, fazendo com que a escalada da violência na Síria, gerada pela ‘tática da insurgência’, tenha substituído os movimentos de protesto.
Isso ocorre eventualmente, como um resultado da lei de ação e reação, mas nem todos os protestos evoluem para insurgências. No entanto, alguns são reprimidos violentamente pelo regime e passam a responder com violência proporcional, enquanto outros são capazes de atingir seus objetivos através de outros meios mais pacíficos, tudo dependendo de como o regime do país se comporta em face dos protestos. Um último desafio é o de se distinguir entre os movimentos que conseguiram alterar a ordem em vigor no país e os que arrefeceram após terem alcançado as manchetes dos jornais. Tal distinção entre esses dois tipos de movimento se faz observando as táticas que um determinado grupo de manifestantes usa e as respostas estratégicas do estado contra o qual os manifestantes estão protestando.

Na Líbia, o número de mortos foi muito maior, mas o movimento resultou na execução do ditador Khadafi com apoio da OTAN
Os movimentos de protesto, em geral, começam com muito menos recursos e organização do que possui a entidade estabelecida contra a qual estão protestando. A batalha que lutam é assimétrica e contra um estado que tem muito mais recursos para usar contra tais manifestantes. Por exemplo, em 06 de abril de 2011, o movimento de protesto por trás das mudanças do regime egípcio começou com a juventude inexperiente pressionando as autoridades do Cairo e sofrendo, em resposta, uma série de prisões de seus manifestantes. Já, em 2008, o estado egípcio tinha sido capaz de acabar com o movimento de protesto, de forma relativamente calma e sem violência, mas não conseguiu acabar com a insatisfação gerada pelo caráter autocrático do regime.
Os grupos de manifestantes que sobreviveram se adaptaram a ponto de adquirir uma capacidade organizacional mais ágil, e sua ação impuseram ao estado a percepção do que eles – seus adversários – tinham vindo para ficar. Ou seja, o Cairo passou a vê-los não mais como simples manifestantes de um movimento de protesto, mas como uma insurgência em ascensão, cujo teor de violência iria depender do teor de violência que o estado, eventualmente, viesse a usar na sua repressão. 
Organizar protestos se torna cada vez mais perigoso e o perigo aumenta muito quando os movimentos de protesto se tornam bem-sucedidos. A maioria das autoridades tolera certa quantidade de ativismo contrário porque considera isso, inicialmente, como uma espécie de desabafo popular. O regime tenta inicialmente apaziguar os manifestantes, deixando que eles pensem que estão fazendo a diferença – desde que não se tornem uma ameaça real ao regime. Mas, na medida em que os movimentos de protestos crescem e passam a envolver muito mais pessoas, as autoridades tendem a agir mais agressivamente para neutralizar os manifestantes usando de violência crescente.
Os movimentos de protesto autênticos e sinceros só conseguem ser bem-sucedidos quando conseguem sobreviver a uma fase de prisões, de mortes e de perseguição policial ou até de milícias contra protestos organizadas pelos que apoiam o governo.
Outro elemento a ser procurado na organização dos movimentos de protesto é a ‘unidade da mensagem’. Observar se estão sendo usados os mesmos slogans e se estão sendo carregados cartazes e faixas produzidos em massa, especialmente se os manifestantes estão em várias cidades, mostrará o ‘nível de unidade’ que indica uma única e central organização, seja um indivíduo, uma comissão, ou mesmo uma instituição. A centralização de um movimento de protesto é fundamental, pois significa uma melhor coordenação e mais rápida tomada de decisão em resposta às repressões e obstáculos que surgirão adiante. E, mais tarde, caso o movimento de protesto seja bem-sucedido, haverá – como sempre - um indivíduo ou um pequeno grupo de indivíduos que poderá explorar a energia gerada pelo movimento de protesto para ganhos políticos.
O nível de disciplina mostrado pelos manifestantes e pela coordenação do movimento é outro indicador importante da organização do mesmo. É absolutamente crítico que um movimento de protesto mantenha uma elevada moral de seus participantes, caso contrário será muito fácil para seus adversários difamá-los como ladrões, bandidos ou terroristas. Como o número de manifestantes chegando a dezenas ou centenas de milhares de pessoas, fica impossível para os organizadores impor uma disciplina espartana ao movimento. Mas, se, no entanto, os organizadores puderem reconhecer a importância dessa disciplina e tentarem estabelecer uma “regra de violência zero” em todo o movimento, dependerão para tal proeza dos esforços da base de uma segurança própria para impô-la.
Os movimentos de protesto se tornam bem-sucedidos quando um número grande e crescente de pessoas se reúne para cumprir uma agenda reivindicatória de forma pacífica, abstendo-se da óbvia tentação de depredar, agredir, saquear, roubar ou cometer outros crimes em meio ao caos natural que os protestos de rua já, por si, causam. Tal controle emocional e abstenção mostram que a disciplina foi aceita como regra básica e indica controle sobre seus atos, fatores que podem transformar a turba protestante numa espécie de exército civil efetivo.
Numa primeira fase, os organizadores do protesto devem superar as tentativas das autoridades para dispersar o movimento, bem como a falta de legitimidade inicial do movimento. Os movimentos de protesto tipicamente começam com um número pequeno de pessoas que representam uma opinião marginal. A fim de aumentar o número de seus ativistas, os organizadores do movimento têm de convencer os outros de que seus interesses e aspirações somente serão alcançados através do protesto. Uma das maneiras de conseguir isso é fazer com que as manifestações ainda pequenas pareçam maiores, com o fito de convencer outras pessoas de que os protestos representam de fato o interesse de uma maioria da população.
Os movimentos de protesto, quase sempre enquadrar suas manifestações de modo a fazê-los parecer maiores. Se um protesto tem apenas algumas centenas de pessoas, ele vai parecer pequeno e insignificante se elas estiverem amontoadas no meio de uma praça central ampla. Parecerá muito maior se deslocando por uma rua estreita e sinuosa que esconde a duração da sua procissão e amplia seu ruído. Isso não significa que os movimentos de protesto, em ruas estreitas e sinuosas sejam necessariamente pequenos; mas, se forem, é provável que alguém tenha sido hábil em escolher tal local adequado para a manifestação. Saber quando, onde, e como protestar indica a sofisticação de um movimento de protesto.
Um protesto só tem algum valor quando é visto e ouvido por um contingente o maior possível de pessoas e de uma forma a impactá-las o suficiente para que debatam entre si as razões e os motivos do protesto. Muitas vezes, a disponibilidade de imagens de um protesto é o modo como a mídia mostra o quanto um movimento de protesto é atilado e bem articulado. Um movimento sofisticado irá alertar os meios de comunicação antecipadamente, para garantir que ele será transmitido e que em torno dele os debates serão iniciados através do ‘quarto poder’, a mídia; movimentos mais sofisticados irão se certificar de que as imagens simbólicas do movimento serão difundidas e suas razões e objetivos debatidos em mesas redondas, entrevistas, e em longas e sucessivas matérias dos jornais dos meios de divulgação em massa.
Um bom exemplo disso ocorreu quando estudantes iranianos violaram o perímetro da embaixada britânica em Teerã, em novembro de 2011. Dezenas de jornalistas e cinegrafistas (muitos com suas câmeras em tripés pré- posicionados) estavam prontos para registrar o ‘momento simbólico’. Nesse caso, a violação em si não causou muito dano, mas o grau com que as autoridades iranianas exibiam a sua desconsideração quanto à segurança de uma embaixada estrangeira em seu país, levou a Grã-Bretanha em fechar sua missão diplomática.
Imagens de cenas de protesto são cruciais para a análise desse protesto, quando as cenas são criadas dessa maneira, e é provável que alguém tenha organizado desse modo para garantir que a mensagem tenha sido dada.
A percepção do protesto aumenta na medida em que o medo do regime diminui. Regimes despóticos mantêm o controle das pessoas através do medo e, quando manifestantes perdem o medo do regime e começam a perceber que têm o poder de fazer mudanças, os protestos rapidamente evoluem na medida em que ganham a adesão de mais pessoas que se identificam com eles - como ocorreu na rápida queda do ex-presidente romeno Nicolae Ceausescu, em 1989. No entanto, esta perda de medo nem sempre garante o sucesso do movimento, com o governo às vezes aumentando drasticamente a violência para combater essa falta de medo dos manifestantes – tal como se pode ver na Praça de Tiananmen, em Pequim, em 1989.
No levante que ocorreu na Síria em 1982, o medo do regime de Assad não evaporou, e o movimento foi rápida e firmemente rechaçado em poucas semanas. Na versão atual do movimento, a iteração atual com a oposição síria, o medo do regime evaporou, e o movimento persiste há já mais de um ano, mesmo que a violência da resposta da ditadura Assad tenha se tornado muito mais violenta e já tenha produzido muito mais de 150 mil mortos.
Uma vez que as táticas de um movimento de protesto tenham sido avaliadas como organizada e sofisticada, é hora de avaliar as fraquezas estratégicas do estado, as quais o movimento pode atacar. Governos mandam através dos controles que têm sobre os pilares fundamentais da sociedade, através dos quais eles exercem a sua autoridade sobre a população. Estes pilares incluem as forças de segurança (polícia e demais forças armadas), o sistema judicial, o parlamento, os serviços públicos e os sindicatos, sem falar na mídia sobre controle direto e indireto do regime.

Se o movimento de protesto tenta derrubar o governo e não apenas extrair dele concessões, o movimento vai agir no sentido de minar o controle do regime sobre esses pilares da sociedade controlados pelo estado. Retirar do regime o apoio de um ou mais desses pilares irá corroer o poder de um governo até que ele não possa mais efetivamente governar, a partir de cujo ponto os movimentos de protesto organizados e sérios podem começar a assumir o controle institucional do país.
É importante, então, para avaliar o grau de controle do governo sobre os principais pilares do país, que um movimento de protesto tenha como isso como alvo. No caso da Síria, identificado o clã ‘al-Assad’ como pertencente à minoria islamofascismo alawita, vê-se que a supremacia do partido Baath estabelece o controle sobre o aparato militar e de inteligência como fundamentais para o controle dos demais pilares fundamentais da sociedade síria pelo regime. A oposição síria pode empregar as táticas mais sofisticadas possíveis, mas, a menos que essas táticas corroam um ou mais desses pilares, o governo poderá continuar a exercer seu poder sobre eles até que a maioria esteja subjugada ou morta a ponto de se tornar uma minoria social.
Finalmente, ao considerar o impacto global de um movimento de protesto, o contexto é crucial. Alguns estados têm uma maior tolerância para os protestos do que outros. Normalmente, os estados democráticos toleram mais abertamente os protestos do que os estados repressivos que os combatem, uma vez que a segurança do regime não é como a de um pilar fundamental nos estados abertos, como é nos estados fechados. Por exemplo, a Tailândia vê regularmente protestos com dezenas de milhares de participantes. Os protestos conseguem efetivamente paralisar a capital Bangkok e até a interromper uma conferência da Associação dos Países do Sudeste Asiático, em 2009, mas os pilares básicos do Estado permaneceram intatos, ao passo que os protestos que começaram em 16 de junho no Sudão da ordem de apenas algumas centenas de pessoas – mas que já atraem a atenção da mídia – recebem forte e violeta repressão por parte do regime sudanês. Devido à reputação do Sudão como sendo um estado repressivo, até mesmo pequenos protestos como esses podem desencadear respostas dramáticas do estado.
A Tailândia tem uma série de instituições estatais – particularmente a monarquia – com as quais o regime exerce autoridade, apesar de o regime sudanês se basear muito mais em receitas de segurança e em medidas enérgicas para afirmar a sua autoridade. O Sudão tem menos tolerância para até ameaças leves para ambos os pilares. Os analistas observam hoje o Sudão cuidadosamente para ver se o movimento de protesto poderá ou não sobreviver à operação de segurança em curso.
Ao compreender como um movimento de protesto funciona e como ele atinge e explora os pontos fracos do estado contra o qual está protestando, podemos avaliar como os movimentos bem-sucedidos tendem a ser e como eles podem se tornar em verdadeiras insurgências civis e militares contra o regime.
O ocidente, livre e democrático, observa atentamente o embate entre os regimes opressivos e ditatoriais e os movimentos de protestos estimulados pela Irmandade Muçulmana nos países árabes ou de maioria muçulmana e sobre essa observação constrói sua estratégia no sentido de não permitir que os regimes resultantes desses levantes se constituam numa ameaça direta aos seus povos.
O socialismo, sob as diversas formas com que se apresenta, só têm, na verdade um obstáculo para se alastrar e se generalizar: a pujança e o progresso das democracias capitalistas, que contrastam com o atraso e a pobreza de todos os povos submetidos à sua doutrina coletivista, distributivista e construtivista estatal.
Em todos os casos, o perigo está no fato de que, ao contrário das democracias capitalistas, é o estado que concentra em suas mãos todo o capital e o poder político capaz de amordaçar e eliminar sumariamente quem discorde dele. 

LAÇOS DE SANGUE – A invasão de uma fazenda pelo MST (acima) e a marcha de soldados das FARC: guerrilheiros colombianos estão entre os sem-terra
No Brasil, é justamente o estado petista que usa a estratégia da insurreição a seu favor e conveniência. É assim que o governo de Brasília financia o MST – que age em associação e orientação com as FARC colombianas – para que invadam fazendas produtivas e causem prejuízos ao agronegócio, e convoquem hordas de baderneiros nas cidades para promover quebra-quebras e invasões de instituições várias, para fomentar a pressão sobre a sociedade civil, quem sabe, para que esta exija nas ruas ações de exceção para o “controle” dessas situações de violência criadas pelo próprio regime. Isso sem falar nas associações espúrias de Brasília com o crime organizado no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Título, Imagens e Texto: Francisco Vianna, 06-07-2012

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