Valfrido Chaves
A luz do sol era mais clara e
o tempo passeava “à espora leve”, por campinas onde o verde era mais verde. As
veredas do futuro mediam léguas, enquanto as do passado estavam logo ali,
“distância de um tiro de garrucha”! Mais que tudo, o mal e o bem não se misturavam.
Ou se era do “bem”, ou “do mal”. Acreditávamos. Como era doce a inocência dos
18 anos, no início dos ásperos anos sessenta!
Eram férias, conhecia o Rio.
Hospedava-me com parentes, em Botafogo, uma casa de vila, a terceira de cinco. A
primeira delas sediava um templo, não sei que denominação religiosa. Uma tarde,
chegando da rua, adentrava na vila e passava pela janela cerrada dessa casa
primeira, quando o inusitado fez-me deter, curioso e mal-educado. Ouvia uma
respiração ofegante, forte e, logo a seguir, uma cadeira empurrada caiu ao
chão, seguido do som de um corpo, também caindo. Morbidamente, tenso, a tudo
ouvia, atento.
Uma voz, rouca e irada, que parecia vir do chão, com clareza passou a enunciar: “... Eu venho para atrapalhar! Onde tem alguém fazendo alguma coisa, realizando, construindo, eu atrapalho! Eu não deixo ninguém realizar nada... Não consegui realizar o que eu queria, agora eu atrapalho, estorvo!” A seguir, ouviu-se outra voz em tom firme, admoestador, mas suave e que dizia: “Você sofre fazendo isso, não descansa, sofre e faz os outros sofrerem! Você deve voltar para o seu lugar, de onde veio, para ter paz”. Assustado, o medo venceu minha curiosidade e abandonei meu indiscreto posto de escuta.
De acordo com as categorias
conceituais que então superficialmente conhecia e aceitava, entendi que ali
estava alguém “tomado por um encosto ou espirito a vagar”, o qual era então
doutrinado conforme convinha, para que abandonasse sua triste, deletéria e paralisante
sina. A verdade, verdade verdadeira, se alguém sabe por onde ela divaga ou
campeia... Parabéns, pois este escriba
não o sabe.
Hoje, até entendo de outra
forma, através da visão e conceitos psicanalíticos, supostamente racionais.
Admito assim que, ali, naquela circunstância, estava uma pessoa dominada por
sentimentos invejosos, tendo por triste destino paralisar e constranger aqueles
a quem via empenhados em ações construtivas e auto-realizadoras que a mesma a
si não se permitia. Através de uma técnica, que alguém poderia chamar de
hipnose ou transe, o baú inconsciente do “atrapalhão” se abriu e “a entidade”
reprimida então se expressou abertamente, à luz de nossos sentidos e
perplexidade. Isso é o que entendo e que tenho hoje como verdade.
Mas a verdade, verdade
verdadeira, por donde andará? Que descaminhos tomaram, em que cordilheiras,
taperas e veredas se amoitaram minhas apaziguadoras certezas?
Éramos felizes e não sabíamos,
nos nebulosos anos 60!
Título e Texto: Valfrido M. Chaves, 07-07-2012
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