João César das Neves
O Tribunal Constitucional
proibiu o corte do 13º mês e do subsídio de férias aos funcionários e
pensionistas, peça central do programa de austeridade. Esta decisão, gravemente
errada, até pode ser benéfica.
Os meritíssimos juízes, no
Acórdão nº 353/12 sobre os artigos 21º e 25º da Lei nº 64-B/2011 de 30/12 (OE
de 2012), trataram de matéria jurídica, que conhecem melhor que ninguém. Mas
economicamente dizem uma tolice e cometem enorme injustiça. O principal
argumento invocado é a violação do princípio da igualdade (II B, III B). Ora,
como diz o próprio acórdão, "o princípio da igualdade determina que se
trate de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente na
medida da diferença" (II 12). Mas os funcionários públicos e pensionistas
não estão em situação de igualdade com os outros trabalhadores.
Primeiro, enquanto os salários
dos sectores produtivos são pagos com produto do seu trabalho, os dos
funcionários e pensionistas são pagos pelos impostos dos primeiros. Tudo o que
consumimos vem exclusivamente do nosso produto nacional, obtido apenas nas
empresas. Os serviços públicos, até os válidos e úteis, são alimentados com a
colecta fiscal sobre esse produto. Isso, não só mostra que invocar a igualdade
não faz sentido, mas até recomenda prudência, pois se o tal princípio mal
aplicado estrangular fiscalmente as empresas, desaparece o valor que nos
alimenta a todos.
Em segundo lugar, quando se
fala em igualdade é preciso considerar a totalidade dos sacrifícios, não apenas
parte. Ao longo dos últimos anos (a crise começou em 2008, senão logo em 2001)
as empresas privadas têm sofrido múltiplas reduções de salários e regalias, ou
até a sua eliminação total, por falência ou despedimento. A crise foi causada
por erros públicos e privados, mas as empresas há muito pagaram os seus,
enquanto a administração assistia impávida e até complicava. Entre os 820 mil
desempregados não existe um único funcionário público ou pensionista. Em tudo
isso o Tribunal nunca invocou a tal igualdade. Agora quando o sector público é
finalmente chamado a partilhar os sofrimentos, vêm os juízes, que também são
funcionários, falar em violação do princípio da igualdade. Podem saber muito de
Constituição, mas não se preocupam com a mais elementar justiça.
Apesar das falácias e erros, o
Acórdão tem a possibilidade de ser positivo, se finalmente levar o Governo às
medidas que resolveriam a crise. Porque o corte dos subsídios pouco contribui
para tratar as nossas dificuldades. Trata-se de um expediente rápido,
justificado apenas pela emergência em que o País se encontrava há um ano. O
remédio foi súbito, mas apenas transitório, para dar tempo à solução duradoura.
Isto não é novidade. Aliás foi
sucessivamente repetido, pois esta é a quarta emergência orçamental do século.
Das três vezes anteriores, como agora, os sintomas foram tratados
provisoriamente, para a doença ressurgir daí a tempos. Guterres em 2001,
Barroso em 2003 e Sócrates em 2005, como Coelho em 2012, subiram impostos e reduziram
salários públicos. Desta vez a dose é maior precisamente porque a coisa piora
com o tempo.
A única cura, sempre anunciada
e nunca realizada, viria de uma verdadeira reforma do Estado, com extinção de
múltiplos serviços inúteis ou ociosos, redução drástica de outros e adopção de
uma atitude geral de parcimónia e respeito pelo dinheiro dos contribuintes.
Como as empresas fizeram já, a nossa máquina pública tem de aprender a viver
com o que temos, curando a sua toxicodependência do crédito externo. Numa palavra,
o contrário da posição dos últimos anos, que nos trouxe à crise.
Se esta decisão do Tribunal
obrigasse o Governo a enfrentar a realidade, então o Acórdão nº 353/12 seria um
momento decisivo do complexo processo que nos levará a novo surto de desenvolvimento.
Só há dois problemas: a baixa probabilidade de os ministros terem força e
coragem para as tão necessárias reformas e a alta probabilidade de elas serem
declaradas inconstitucionais pelos meritíssimos juízes.
Título e Texto: João César das Neves, Diário de Notícias
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