Alberto Gonçalves
A greve dos médicos, ao que
consta muito concorrida, revelou um grau de abnegação na classe que eu
sinceramente desconhecia. Segundo os próprios, a greve fez-se em prol dos
doentes e da salvação do Serviço Nacional de Saúde (SNS), contra uma perspectiva
"economicista" (cito) que favorece o sector privado, degrada as
condições de atendimento, obriga à importação de colegas estrangeiros e força
os melhores clínicos a emigrar.
Confesso-me estupefacto. Não
fazia ideia de que o adiamento de cirurgias ajuda os pacientes. Não fazia ideia
de que o excelso SNS se encontra em tão mau estado que só pode beneficiar de
dois dias de paragem. Não fazia ideia de que suprimir, ainda que
provisoriamente, uma instituição que se garante necessária merece festejos
pelos números da adesão. Não fazia ideia de que havia tantos médicos avessos
aos sórdidos hospitais e clínicas particulares a ponto de recusarem
terminantemente trabalhar para eles, dentro ou fora das horas de expediente.
Não fazia ideia de que os nossos médicos eram assim indiferentes aos apelos
materiais e vivem fundamentalmente como ascetas. Não fazia ideia de que, na
área em questão, a xenofobia constitui uma atitude louvável. Não fazia ideia de
que alguém se espantaria com o recurso a médicos de fora quando, a bem do
"prestígio", se limita cá dentro o número de licenciaturas em
Medicina. Não fazia ideia de que a elite dos profissionais de saúde já
abandonou este ingrato país e, pelos vistos, deixou o SNS entregue a gente
fraquinha. Altruísta, é certo. Mas fraquinha.
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O Bastonário da Ordem dos Médicos. Fotografia © José Carlos Pratas/Global Imagens
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Agora a sério. Do alto do
pedestal em que o servilismo pátrio os coloca, não admira que os senhores
doutores vejam uma data de ingénuos dispostos a acreditar em tudo. O mais
preocupante, porém, é que alguns dos senhores doutores também parecem engolir
as patranhas que difundem, incluindo a de que agem por generosidade em vez do
típico, e até certo ponto compreensível, interesse corporativo. A confirmar-se,
no SNS não são só os "utentes" que precisam de tratamento.
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