segunda-feira, 16 de julho de 2012

Pela nossa saúde!

Alberto Gonçalves
A greve dos médicos, ao que consta muito concorrida, revelou um grau de abnegação na classe que eu sinceramente desconhecia. Segundo os próprios, a greve fez-se em prol dos doentes e da salvação do Serviço Nacional de Saúde (SNS), contra uma perspectiva "economicista" (cito) que favorece o sector privado, degrada as condições de atendimento, obriga à importação de colegas estrangeiros e força os melhores clínicos a emigrar.

O Bastonário da Ordem dos Médicos. Fotografia © José Carlos Pratas/Global Imagens
Confesso-me estupefacto. Não fazia ideia de que o adiamento de cirurgias ajuda os pacientes. Não fazia ideia de que o excelso SNS se encontra em tão mau estado que só pode beneficiar de dois dias de paragem. Não fazia ideia de que suprimir, ainda que provisoriamente, uma instituição que se garante necessária merece festejos pelos números da adesão. Não fazia ideia de que havia tantos médicos avessos aos sórdidos hospitais e clínicas particulares a ponto de recusarem terminantemente trabalhar para eles, dentro ou fora das horas de expediente. Não fazia ideia de que os nossos médicos eram assim indiferentes aos apelos materiais e vivem fundamentalmente como ascetas. Não fazia ideia de que, na área em questão, a xenofobia constitui uma atitude louvável. Não fazia ideia de que alguém se espantaria com o recurso a médicos de fora quando, a bem do "prestígio", se limita cá dentro o número de licenciaturas em Medicina. Não fazia ideia de que a elite dos profissionais de saúde já abandonou este ingrato país e, pelos vistos, deixou o SNS entregue a gente fraquinha. Altruísta, é certo. Mas fraquinha.
Agora a sério. Do alto do pedestal em que o servilismo pátrio os coloca, não admira que os senhores doutores vejam uma data de ingénuos dispostos a acreditar em tudo. O mais preocupante, porém, é que alguns dos senhores doutores também parecem engolir as patranhas que difundem, incluindo a de que agem por generosidade em vez do típico, e até certo ponto compreensível, interesse corporativo. A confirmar-se, no SNS não são só os "utentes" que precisam de tratamento.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Diário de Notícias
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