Cristina Miranda
É tão giro ver nos
intelectuais da esquerda à direita, comentadores e comunicação social,
uma preocupação obsessiva com a nomeação do Juiz Sérgio Moro para
ministro da justiça brasileira, alegando que põe em causa o princípio da
separação de poderes. Bem, eu devo ser realmente muito ignorante por ver exatamente
o oposto. Porque este medo não é normal num país cuja Ministra da Justiça
veio do TCIAP e é juíza do Supremo Tribunal de Justiça. A pergunta é: que
“confissão” deu Van Dunem ao aceitar o cargo no ministério ou isto passou ao
lado destes comentadores?
Não compreendo como é que um
país, que além disto, tem um PGR (Procurador-Geral
da República) nomeado por governos, uma eleição de juízes por via
electrónica, se acha com superioridade moral para opinar sobre outros países
que, por muito que lhes custe admitir, estão a fazer melhor que nós na
área da justiça. Ou já se esqueceram que no Brasil os corruptos já
estão na cadeia a cumprir pena (e mais irão), os processos são céleres, e nós,
além de os ter todos soltos e a viver bem – alguns até já condenados – não se
prevê que sejam julgados ou presos tão cedo. E mais: há o risco de
“prescrição” de uns e o habitual arquivamento por “falta de provas”, de outros.
Por isso, é preciso ter muita
falta de vergonha para certos indivíduos virem para as televisões e jornais
criticar o Brasil, com um país como o nosso que protege os corruptos
descaradamente.
Quem não assistiu à
substituição desnecessária, pelo governo, da PGR Joana Marques Vidal, com a
ajuda do Presidente da República e que estava a fazer um trabalho brilhante no
combate aos crimes de colarinho branco? Quem não viu um sorteio para a escolha
de um juiz da Operação Marquês, a ser selecionado à quarta vez, colocando
de fora Carlos Alexandre que conduziu de forma também brilhante o processo, por
outro com currículo vasto em arquivamentos e queixas do ministério público?
Quem não viu no passado, Cândida Almeida, Noronha do Nascimento e Pinto
Monteiro a arquivar tudo o que implicava o arguido Sócrates, onde até se
recortou literalmente provas do processo? E andam estes a fingir estarem
preocupados com a separação de poderes. Francamente.
Nós, como país, somos a prova
que não há nem nunca houve separação de poderes. Só de fachada. Porque na
verdade temos um sistema promíscuo em que o poder político tem tentáculos em
todos os setores. E movimenta-se livre, de forma escancarada, porque já
se sabe que aqui, neste retângulo, só vai preso quem está fora do sistema. E
não há, nem nunca houve, vontade de mudar isto. Mas disso, os comentadores do
regime não falam. Muito menos a comunicação social.
Sérgio Moro, de facto, é um
“perigo” no Ministério da Justiça brasileira, não pelo que o acusam, mas pelo
trabalho sério, honesto e principalmente competente que vai fazer de imediato.
Porque ele conhece bem os
meandros da justiça brasileira. Sabe por experiência o que funciona bem e mal,
para corrigir tudo aquilo que durante anos contribuiu para a escapatória
dos corruptos nas malhas da lei. E sabe como ninguém o que é que o sistema
judiciário precisa melhorar para limpar a corrupção do país. Porque ninguém
melhor que um profissional da área para fazer o que tem de ser feito e bem.
Ora, se isto é assustador? Claro que sim, mas só para aqueles que viveram à
custa do sistema corrupto do país.
É o caso de alguns políticos e
empresários em Portugal. As ligações da Lava Jato têm tentáculos até nós. Um
“super juiz” que já demonstrou ser incorruptível, íntegro e implacável no
combate à corrupção, só pode deixar muita gente sem dormir do lado de cá.
Porque de repente perceberam, que apesar de terem mudado o Juiz Carlos
Alexandre, apesar de terem corrido com Joana Marques Vidal, a ameaça continua
do outro lado do atlântico com o Processo Marquês e Monte Branco, ligado à Lava
Jato. Mas, que ao contrário daqui, não podem mais controlar. O PT foi
corrido.
Por isso dizem-se
“inverdades” sobre Moro e esconde-se as verdades. E as verdades são:
que a Lava Jato teve seu início em 2014 sem que nada fizesse prever
que alguma vez Bolsonaro chegasse à presidência; que essas investigações foram
levadas a cabo pela Polícia Federal sendo que Moro só as autorizou; que
Lula viu sua pena ser aceite e aumentada pelo TRF4 e não por Moro; que
Lula viu sua candidatura ser rejeitada pelo TSE e não por Moro; que Lula
teve seus inúmeros recursos negados pelo STF e STJ e não por Moro. Portanto, a
“culpa” não foi de Moro, mas dos tribunais das instâncias superiores. Logo, a
teoria da perseguição política é falsa.
Enquanto por cá se tenta
ensinar os outros países a se governarem, nós escolhemos os ministros e
secretários de acordo com os laços familiares, amizades e interesses, mesmo
sem qualquer experiência, mesmo com licenciaturas falsas, mesmo sem sequer
serem da área para que são nomeados. Que o diga Galamba que até conseguiu uma
nomeação para secretário da pasta da… energia. Foi escolhido por saber ligar
interruptores?
Num país que não privilegia o
saber, a experiência como fator fundamental para uma nomeação, jamais terá a
eficiência dos ministérios de Bolsonaro. E isso dá medo a quem não interessa
que se prove que sem políticos a fazer política num governo, o país prospera.
Título e Texto: Cristina Miranda, Blasfémias,
5-11-2018
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