Este Pedro Nuno Santos de agora, que recusa a nacionalização da Groundforce, que propõe um programa de despedimentos na TAP, não é o mesmo Pedro Nuno Santos que queria pôr as pernas a tremer aos banqueiros alemães com a ameaça de não pagar a dívida portuguesa
José António Saraiva
O que estaria hoje a dizer
Pedro Nuno Santos se estivesse na oposição e um Governo de ‘direita’ decidisse
um despedimento coletivo na TAP?
Que nomes chamaria ao
primeiro-ministro responsável por essa decisão, ‘atentatória dos direitos dos
trabalhadores’?
Até por isso, é bom que
políticos como este exerçam de vez em quando o poder.
Para verem como é diferente
falar e fazer; para perceberem a distância que vai da teoria à prática, da
ideologia à realidade.
Este Pedro Nuno Santos de
agora, que recusa a nacionalização da Groundforce, que propõe um programa de
despedimentos na TAP, não é o mesmo Pedro Nuno Santos que queria pôr as pernas
a tremer aos banqueiros alemães com a ameaça de não pagar a dívida portuguesa.
E o que diria João Galamba deste programa de despedimentos se ainda fosse deputado?
Aplaudi-lo-ia?
Ou, como Ana Catarina Mendes –
e de forma muito menos diplomática do que ela… –, execrá-lo-ia?
Quem chama «esterco» a um programa de TV, o que não chamaria a uma proposta de mandar para o desemprego mais de 200 trabalhadores numa altura em que o número de desempregados já é altíssimo e as oportunidades de emprego escasseiam?
Mas também Galamba não é o
mesmo Galamba que era há uns anos, antes de ser secretário de Estado.
Ainda pode fazer uma outra
‘arruaça’, injuriando uma jornalista, mas não se atreve a atacar os seus
colegas de partido e muito menos de Governo.
Estranho também é o silêncio
dos socialistas perante a proposta de reposição de uma ‘censura’, impulsionada
pelo ex-deputado comunista e socialista José Magalhães, e aprovada
inadvertidamente pela Assembleia, sem um só voto contra.
O que diriam Pedro Nuno
Santos, João Galamba, etc., se essa lei tivesse sido apresentada por um partido
da ‘direita’?
Que epítetos lhe poriam em
cima?
No mínimo, que se tratava de
uma lei «fascista».
Uma lei «saudosa dos tempos
negros da ditadura».
Mas não. Um destes dias vi a deputada Isabel Moreira – que se apresenta como uma rebelde
– a defender a lei sem nenhum pudor.
Só que cometeu um deslize
fatal.
Querendo dar um exemplo de
como a lei é necessária, evocou o caso da pandemia.
Disse qualquer coisa como: «A
lei justifica-se em casos como a pandemia, em que há pessoas que fazem
desinformação, que transmitem informações falsas, as quais já tiveram
consequências trágicas…».
A deputada achou que era este
o melhor modo de ilustrar a sua verdade.
Ora, provou exatamente o
contrário: a pandemia é um daqueles casos em que foi importante haver liberdade
de expressão para se poder contraditar a ‘opinião única’ que tendia a
formar-se.
Mas contraditar essa opinião
não poderia ser perigoso, perguntará o leitor?
E eu respondo: perigosa é a
censura, é a impossibilidade de se questionarem as verdades absolutas.
Vejamos.
Portugal seguiu um determinado
modelo de combate à epidemia – mas nem todos os países adotaram a mesma
‘receita’.
Para não falar dos nórdicos,
cito os Estados Unidos e o Brasil, cujos Presidentes desvalorizaram a doença e
propuseram estratégias diferentes.
E o que aconteceu nesses
países?
Tiveram proporcionalmente mais
mortos do que nós?
Embora se tenha instalado a
ideia oposta, quando Trump saiu da Presidência o número de mortos nos EUA em
consequência da covid-19 era percentualmente inferior ao de Portugal.
E no Brasil ainda era menor.
E, quase com certeza, tiveram
menos danos económicos do que nós.
Bastaria isto para se instalar
a dúvida.
Recordo que Fernando Nobre, um
médico sério e sem interesses no caso, andou meses a bater-se contra a tal
verdade única.
E quem nos diz que, se
tivéssemos seguido a sua opinião, teríamos tido mais mortos? Não se sabe. Mas,
muito provavelmente, teríamos menos gente na situação económica aflitiva em que
muitos portugueses se encontram hoje.
E não é verdade que Marcelo
Rebelo de Sousa e António Costa tiveram quase sempre opiniões divergentes?
Marcelo queria ter começado o
confinamento mais cedo, contra a opinião de Costa, e pretendia agora acelerar o
desconfinamento, contra a opinião do mesmo Costa. Quem teria razão nesta
divergência?
A pandemia é precisamente um
daqueles casos em que, por se saber pouco do fenómeno, é importante haver
debate, discussão, não impor uma receita universal e absoluta, calando as vozes
dissonantes.
Isabel Moreira, pensando que
dava um exemplo que acabava com a discussão – até porque toda a gente teme a
pandemia e gostaria que em torno dela houvesse um consenso total –, acabou por
dar o pior exemplo.
Acabou por ilustrar um
daqueles episódios em que a História é fértil em que se pensa que a verdade é
óbvia, em que se acha legítimo queimar os hereges porque eles são nocivos à
sociedade, e depois se vem a verificar que os hereges afinal é que estavam
certos e a verdade única estava errada.
Isabel Moreira, querendo
mostrar uma ‘coisa evidente’, afinal mostrou a evidência contrária.
Mostrou como a lei da censura,
que se propôs defender, pode ser perniciosa e obscurantista.
P.S. 1 – Ainda há um mês
Miguel Frasquilho era confirmado para um novo mandato como chairman da
TAP – e agora confirma-se a sua saída. A TAP nas mãos de Pedro Nuno Santos é
como um brinquedo nas mãos de uma criança. Só que é um brinquedo muitíssimo
caro…
P.S. 2 – Uma pergunta ingénua:
o que estariam a dizer Pedro Nuno Santos, João Galamba e Isabel Moreira se o
que se passou na Câmara de Lisboa se tivesse passado na Câmara do Porto?
Título e Texto: José
António Saraiva, SOL,
12-6-2021
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