sábado, 12 de junho de 2021

Olha que três!

Este Pedro Nuno Santos de agora, que recusa a nacionalização da Groundforce, que propõe um programa de despedimentos na TAP, não é o mesmo Pedro Nuno Santos que queria pôr as pernas a tremer aos banqueiros alemães com a ameaça de não pagar a dívida portuguesa

José António Saraiva

O que estaria hoje a dizer Pedro Nuno Santos se estivesse na oposição e um Governo de ‘direita’ decidisse um despedimento coletivo na TAP?

Que nomes chamaria ao primeiro-ministro responsável por essa decisão, ‘atentatória dos direitos dos trabalhadores’?

Até por isso, é bom que políticos como este exerçam de vez em quando o poder.

Para verem como é diferente falar e fazer; para perceberem a distância que vai da teoria à prática, da ideologia à realidade.

Este Pedro Nuno Santos de agora, que recusa a nacionalização da Groundforce, que propõe um programa de despedimentos na TAP, não é o mesmo Pedro Nuno Santos que queria pôr as pernas a tremer aos banqueiros alemães com a ameaça de não pagar a dívida portuguesa.

E o que diria João Galamba deste programa de despedimentos se ainda fosse deputado?

Aplaudi-lo-ia?

Ou, como Ana Catarina Mendes – e de forma muito menos diplomática do que ela… –, execrá-lo-ia?

Quem chama «esterco» a um programa de TV, o que não chamaria a uma proposta de mandar para o desemprego mais de 200 trabalhadores numa altura em que o número de desempregados já é altíssimo e as oportunidades de emprego escasseiam?

Mas também Galamba não é o mesmo Galamba que era há uns anos, antes de ser secretário de Estado.

Ainda pode fazer uma outra ‘arruaça’, injuriando uma jornalista, mas não se atreve a atacar os seus colegas de partido e muito menos de Governo.

Estranho também é o silêncio dos socialistas perante a proposta de reposição de uma ‘censura’, impulsionada pelo ex-deputado comunista e socialista José Magalhães, e aprovada inadvertidamente pela Assembleia, sem um só voto contra.

O que diriam Pedro Nuno Santos, João Galamba, etc., se essa lei tivesse sido apresentada por um partido da ‘direita’?

Que epítetos lhe poriam em cima?

No mínimo, que se tratava de uma lei «fascista».

Uma lei «saudosa dos tempos negros da ditadura».

Mas não. Um destes dias vi a deputada Isabel Moreira – que se apresenta como uma rebelde – a defender a lei sem nenhum pudor.

Só que cometeu um deslize fatal.

Querendo dar um exemplo de como a lei é necessária, evocou o caso da pandemia.

Disse qualquer coisa como: «A lei justifica-se em casos como a pandemia, em que há pessoas que fazem desinformação, que transmitem informações falsas, as quais já tiveram consequências trágicas…».

A deputada achou que era este o melhor modo de ilustrar a sua verdade.

Ora, provou exatamente o contrário: a pandemia é um daqueles casos em que foi importante haver liberdade de expressão para se poder contraditar a ‘opinião única’ que tendia a formar-se.

Mas contraditar essa opinião não poderia ser perigoso, perguntará o leitor?

E eu respondo: perigosa é a censura, é a impossibilidade de se questionarem as verdades absolutas.

Vejamos.

Portugal seguiu um determinado modelo de combate à epidemia – mas nem todos os países adotaram a mesma ‘receita’.

Para não falar dos nórdicos, cito os Estados Unidos e o Brasil, cujos Presidentes desvalorizaram a doença e propuseram estratégias diferentes.

E o que aconteceu nesses países?

Tiveram proporcionalmente mais mortos do que nós?

Embora se tenha instalado a ideia oposta, quando Trump saiu da Presidência o número de mortos nos EUA em consequência da covid-19 era percentualmente inferior ao de Portugal.

E no Brasil ainda era menor.

E, quase com certeza, tiveram menos danos económicos do que nós.

Bastaria isto para se instalar a dúvida.

Recordo que Fernando Nobre, um médico sério e sem interesses no caso, andou meses a bater-se contra a tal verdade única.

E quem nos diz que, se tivéssemos seguido a sua opinião, teríamos tido mais mortos? Não se sabe. Mas, muito provavelmente, teríamos menos gente na situação económica aflitiva em que muitos portugueses se encontram hoje.

E não é verdade que Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa tiveram quase sempre opiniões divergentes?

Marcelo queria ter começado o confinamento mais cedo, contra a opinião de Costa, e pretendia agora acelerar o desconfinamento, contra a opinião do mesmo Costa. Quem teria razão nesta divergência?

A pandemia é precisamente um daqueles casos em que, por se saber pouco do fenómeno, é importante haver debate, discussão, não impor uma receita universal e absoluta, calando as vozes dissonantes.

Isabel Moreira, pensando que dava um exemplo que acabava com a discussão – até porque toda a gente teme a pandemia e gostaria que em torno dela houvesse um consenso total –, acabou por dar o pior exemplo.

Acabou por ilustrar um daqueles episódios em que a História é fértil em que se pensa que a verdade é óbvia, em que se acha legítimo queimar os hereges porque eles são nocivos à sociedade, e depois se vem a verificar que os hereges afinal é que estavam certos e a verdade única estava errada.

Isabel Moreira, querendo mostrar uma ‘coisa evidente’, afinal mostrou a evidência contrária.

Mostrou como a lei da censura, que se propôs defender, pode ser perniciosa e obscurantista. 

P.S. 1 – Ainda há um mês Miguel Frasquilho era confirmado para um novo mandato como chairman da TAP – e agora confirma-se a sua saída. A TAP nas mãos de Pedro Nuno Santos é como um brinquedo nas mãos de uma criança. Só que é um brinquedo muitíssimo caro…

P.S. 2 – Uma pergunta ingénua: o que estariam a dizer Pedro Nuno Santos, João Galamba e Isabel Moreira se o que se passou na Câmara de Lisboa se tivesse passado na Câmara do Porto?

Título e Texto: José António Saraiva, SOL, 12-6-2021

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