O que poucos sabem é que as primeiras colônias nos Estados Unidos fracassaram. E não foi por fatores relacionados à sorte
Rodrigo Constantino
Comemorou-se nesta semana o feriado mais importante nos Estados Unidos depois do Natal: o Dia de Ação de Graças. Os aeroportos ficam lotados, famílias se reencontram num país em que é bastante comum jovens se mudarem de Estado para estudar, e amigos celebram juntos com o tradicional peru. Gratidão ao Todo-Poderoso é o tema da festa, desde que os primeiros peregrinos obtiveram a sua primeira boa colheita no Novo Mundo. É uma forma de voluntariamente dividir com os outros o privilégio de viver na América.
O que poucos sabem, porém, é
que as primeiras colônias fracassaram. E não foi apenas por fatores
relacionados à sorte. Uma das primeiras colônias a instalar-se na América do
Norte foi a Plymouth Colony, estabelecida onde hoje é o Estado de
Massachussets, nos anos de 1620. Numa experiência inédita até então, um
contrato coletivo estabelecia um sistema no qual as propriedades seriam todas
comuns. Trocando em miúdos, os Estados Unidos começaram como um experimento
socialista.
Toda a produção deveria ser
entregue para armazenamento comunitário, do qual cada indivíduo receberia uma
fração igual, não importando com quanto contribuísse. Esse coletivismo levou
rapidamente a economia da colônia ao caos. Em 1623, apenas dois anos após a
chegada dos primeiros pilgrims, a fome já era a regra. William
Bradford, que viria a ser governador da província algumas vezes, assim
descreveu aquele triste momento da história americana em seu famoso diário:
“Aquela experiência durou
alguns anos… E bem evidencia a vilania deste conceito de Platão e outros
patriarcas antigos, aplaudido por muitos ultimamente, segundo o qual se
acabarmos com a propriedade, em prol da riqueza comum, isto fará a comunidade
feliz e próspera… Para esta nossa comunidade (até onde aquilo poderia ser
chamado de comunidade), o experimento causou muita confusão e descontentamento.
Os homens… lamentavam ter de gastar seu tempo e esforços trabalhando para as
mulheres e as crianças de outros homens, sem que obtivessem qualquer
recompensa…”
O liberal João Luiz Mauad
assim explica a reviravolta que ocorreu: “Encurralada pelas terríveis
circunstâncias, a liderança dos colonos resolveu abolir a estrutura socialista,
que engessava qualquer possibilidade de progresso, transferindo para cada
família uma parcela das terras, e permitindo o usufruto de tudo quanto seu
trabalho produzisse. A eliminação da propriedade comunal em favor da
propriedade privada logo mudou o panorama. Os colonos rapidamente começaram a
produzir muito mais do que eles mesmos poderiam consumir”.
Não tardou para que o comércio
também florescesse e os excedentes da produção fossem trocados com os índios,
que lhes entregavam carnes de caça e peles, estas últimas exportadas com largas
margens de lucro para a nobreza europeia. “Esta decisão foi um grande sucesso,
pois tornou todas as mãos diligentes e industriosas”, escreveria Bradford pouco
tempo depois. Mauad apresenta a razão para esse sucesso:
“Uma das virtudes da propriedade privada é justamente estabelecer a conexão entre esforços e ganhos, custos e benefícios, criando incentivos para que as pessoas produzam conforme as suas necessidades e ambições. Porém, o direito de propriedade é também, e acima de tudo, a melhor arma contra a barbárie, a garantia de que o pão obtido com o suor do próprio rosto não será tomado de ninguém arbitrariamente.”
“O capitalismo de livre
mercado, baseado na propriedade privada e troca pacífica, é a fonte da
civilização e do progresso humano”, sintetiza Thomas DiLorenzo, autor de How
Capitalism Saved America, livro em que resgata a transição redentora do
socialismo ao capitalismo nas primeiras colônias.
Esse
modelo cria um claro incentivo ao ato conhecido como “free ride”, ou
seja, pegar carona no esforço alheio
Os primeiros colonos chegaram
a Jamestown no ano de 1607 e encontraram um solo incrivelmente fértil, além de
muitos frutos do mar e frutas. Entretanto, dentro de seis meses, 66 dos 104
colonos que vieram estavam mortos, a maioria por causa da fome. Dois anos
depois, a Virgínia Company mandou mais 500 “recrutas” para se estabelecerem em
Virgínia, e, dentro de seis meses, 440 tinham morrido de fome ou doenças.
DiLorenzo argumenta que a
ausência de direitos de propriedade destruiu completamente a ética de trabalho
desses colonos. Afinal, não existiam incentivos para o trabalho, já que a
recompensa pela produtividade não era do próprio trabalhador, mas de “todos”.
Esse modelo cria um claro incentivo ao ato conhecido como “free ride”,
ou seja, pegar carona no esforço alheio.
Em 1611, o governo britânico
enviou Sir Thomas Dale para servir como “high marshal” na colônia de
Virgínia. Dale notou que, apesar de a maioria dos colonos ter morrido de fome,
os sobreviventes gastavam boa parte do tempo em jogos. Dale logo identificou o
problema: o sistema de propriedade comum. A propriedade privada logo foi
adotada, e a colônia imediatamente começou a prosperar, inclusive praticando
trocas voluntárias com os índios.
Os investidores no Mayflower
chegaram em 1620 a Cape Cod, assumindo um grande risco financeiro, já que os
investidores em Jamestown tinham perdido quase todo seu investimento. Ainda
assim, eles cometeram o mesmo erro de seus antecessores, estabelecendo
propriedade coletiva da terra. Cerca de metade dos 101 aventureiros que
chegaram a Cape Cod estava morta em poucos meses. O principal investidor do
Mayflower, o londrino Thomas Weston, chegou à colônia disfarçado para examinar
a ruína do empreendimento. Mas os problemas logo seriam solucionados da mesma
forma que ocorrera em Jamestown. A propriedade coletiva foi abandonada e, em 1650,
as fazendas privadas já eram predominantes em New England.
Mas esses colonos, agora
prósperos, estavam cada vez mais preocupados com outra ameaça: o governo
britânico e sua tentativa de impor o mercantilismo nas colônias. A Declaração
de Independência Americana condenava a tirania da Coroa Britânica, assim como
sua postura econômica em relação às colônias americanas. A Declaração menciona
diretamente o fato de o governo britânico cortar o comércio das colônias com as
outras partes do mundo, e o rei foi acusado de criar impostos sem consentimento
dos colonos. Nesse sentido, a Revolução Americana foi contra o mercantilismo, e
a favor do capitalismo.
Uma das primeiras leis
mercantilistas impostas aos colonos foi o Molasses Act, de 1733, que criou uma
elevada tarifa para a importação de melaço. Uma série de leis conhecidas como
Navigation Acts representou mais um grande passo em direção ao mercantilismo
imposto na América. Essas leis foram importantes como causa da Revolução,
segundo DiLorenzo.
O grau de imposição
mercantilista nas colônias aumentou consideravelmente após o término da Guerra
dos Sete Anos, em 1763. Apesar da vitória britânica contra a França, a
Inglaterra estava com um enorme déficit e um império gigantesco cada vez mais
caro de manter. Uma série de novas medidas para aumentar impostos foi adotada
para subsidiar o Império. Em 1764, o governo britânico criou o Sugar Act, que
aumentou impostos para a importação de açúcar. Em 1765, o Stamp Act criou a
obrigação do uso de selos do governo para todas as transações com papel nas
colônias. Em 1767, os Townshend Acts impuseram várias tarifas novas de
importação de produtos ingleses.
Em 1773, novas tentativas de
aumento de impostos ocorreram. Dessa vez, o Tea Act iria impor tarifas maiores
para a importação de chá. Os comerciantes americanos, temendo a ruína econômica
com esse ato, se uniram e orquestraram a famosa Boston Tea Party, onde colonos
vestidos de índios jogaram toneladas de chá no mar. A Revolução Americana pode
ser vista, então, como uma luta contra o mercantilismo, em defesa dos
principais pilares do capitalismo de livre mercado, que tinham permitido a
prosperidade das colônias.
Nesse feriado de Ação de
Graças, muitos vão festejar sem a devida compreensão do que ele representa,
especialmente numa época em que a esquerda promove enorme desinformação sobre o
passado e o legado da nação. O economista Don Boudreaux resume bem: “Seremos
como perus se não conseguirmos compreender a verdadeira fonte de nossa
prosperidade. Essa fonte não é a terra em si — não é a sorte —, não é Deus,
inexplicavelmente, sorrindo para os europeus que ocuparam o norte do continente
americano: é a consistente e generalizada confiança dos mercados na propriedade
privada”.
Título e Texto: Rodrigo
Constantino, revista OESTE,
nº 88, 26-11-2021
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