terça-feira, 30 de novembro de 2021

[Estórias da Aviação] Como entrei na Varig e os meus amigos inesquecíveis

José Manuel

Quando entrei no avião da VARIG para o primeiro voo, já tinha uma bagagem profissional, um tempo de nove anos na estrada da vida.

Foto: Marcelo Magalhães

Esses anos em que muitas vezes tive de me virar sozinho e muita responsabilidade forjaram o meu caráter, e um sentido profissional aguçado. Estava pronto para encarar o mundo e o que viesse pela frente.

Trabalho desde os doze anos.

Iniciei trabalhando com o meu pai em seu escritório, onde fazia de tudo, desde cobranças externas, entregas, serviço de escritório, isso tudo em 1962.  Depois, em 1964 resolvi bater asas sozinho, abandonar o ninho, e fui ser secretário num curso preparatório ao Banco do Brasil, onde também era pau para toda a obra.

Em 1965, fui admitido numa cooperativa bancária que na época funcionava exatamente como um banco, e novamente percorri setores como caixa, contas correntes, e na saída do tesoureiro, fui empossado como tal. Tinha apenas dezenove anos e uma responsabilidade imensa, como, por exemplo, a chave do cofre forte e até a da agência.

Os donos eram dois judeus, Joel Gelbaum e Herman Sztajn, pessoas ótimas que me ensinaram como ter responsabilidades, e chegaram ao ponto de deixar o “coração” do banco deles na minha mão.  Era eu quem abria agência e, às vezes, às 22 horas, ainda estava na tesouraria fechando o caixa. Foi uma experiência ímpar e uma gratidão eterna àqueles dois homens que forjaram a responsabilidade na minha vida.

Em 1967, o Banco Central extinguiu esse tipo de banco e um dos donos, Joel Gelbaun, foi ser diretor num banco S.A. me carregando com ele a tiracolo. Era uma época turbulenta no sistema bancário, com muitas fusões. Trabalhávamos num dia numa razão social e no dia seguinte acordávamos comprados por outra. Essas situações conflitantes começaram a me desagradar, e no início de 1969 pedi demissão e resolvi estudar idiomas.

Sem nenhuma pretensão no horizonte, escolhi o inglês e o italiano, e fui à luta.

Morava com os meus pais e me senti seguro para dispor pelo menos por um ano só para estudar. Morávamos em Botafogo e lá nas idas e vindas aos cursos conheci uma linda gaúcha que vinha passar as férias na casa dos tios que moravam no mesmo prédio, eles no segundo e nós no quarto andar. Começamos a sair, passear pelo Rio e ficamos muito amigos.

Logo, as duas famílias se tornaram amigas, pela proximidade de vizinhança, amizade que perdura até hoje. Os tios da Nara, a Lilian e o Álvaro (in memoriam) que tinham à época duas crianças muito lindas, eram extremamente simpáticos e sociáveis.

Eu e Nara saíamos todos os dias, quando possível, à noite ou durante o dia, e mostrei um Rio, bonito, gostoso e tranquilo à época, à gauchinha bonita de Novo Hamburgo, que ficou encantada até com o verde dos semáforos que, segundo ela, aqui eram de um verde mais bonito. Fizemos muitos programas agradáveis e também nos tornamos grandes amigos. Até hoje!

Corria o meio do ano de 1969, continuava meus cursos, sem saber muito bem o que iria fazer da minha vida, quando certo dia, sentado na poltrona da portaria após ter chegado do curso de italiano, o Álvaro chegou do trabalho e começou a conversar, me perguntando o que estava lendo e o que pretendia fazer com os idiomas. Depois de alguns minutos de conversa, fiquei sabendo que ele era ex-tripulante e naquele momento exercia o cargo de professor do ensino da Varig. Professor Nelson Álvaro Rodrigues.

E aí... emendou com a pergunta, "não gostarias de voar na Varig“?

Aquelas palavras soaram como a abertura do mar morto pelo Moisés e quase caí da poltrona, pois quando trabalhava no último banco vivia imaginando exatamente isso!

- Mas... o que tenho que fazer?

- Como já tens dois idiomas, vais no endereço que vou te dar e acredito que não terás nenhuma dificuldade.

- Não sou brasileiro nato, tem algum problema?

- Não teria, mas neste momento estão completas as admissões para os voos internacionais. O que podes fazer é te naturalizar o mais rápido possível.

Não seria preciso escrever que naquela noite não consegui dormir e no dia seguinte já estava no Ministério da Justiça entregando toda a papelada necessária à naturalização. Estaríamos talvez por volta de junho e teria que correr com os cursos e o meu processo, para que no máximo em um ano estivesse com tudo pronto. E assim foi recebendo em julho de 70 o meu certificado e me inscrevendo na Varig em agosto para iniciar os testes eliminatórios.

No dia 15 de outubro de 1970, portanto, há cinquenta e um anos e com vinte e quatro (de idade) estava sendo admitido na Pioneira e iniciando uma vida de sonhos.

E a Nara?

Bem, a Nara se casou, teve três filhos, continua morando na área de Novo Hamburgo, está feliz da vida e nos falamos quase todos os dias pelo WhatsApp.

E a esposa do Álvaro, a sempre inesquecível Lilian? Continuamos nos falando por telefone.

Vida de sonhos e amigos de sonhos.

Título e Texto: José Manuel – Sempre há um anjo voando em nosso entorno. O meu, pousou ao meu lado naquele dia. Novembro de 2021

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