José Manuel
Quando entrei no avião da VARIG para o primeiro voo, já tinha uma bagagem profissional, um tempo de nove anos na estrada da vida.
Foto: Marcelo Magalhães |
Esses anos em que muitas vezes
tive de me virar sozinho e muita responsabilidade forjaram o meu caráter, e um
sentido profissional aguçado. Estava pronto para encarar o mundo e o que viesse
pela frente.
Trabalho desde os doze anos.
Iniciei trabalhando com o meu
pai em seu escritório, onde fazia de tudo, desde cobranças externas, entregas,
serviço de escritório, isso tudo em 1962.
Depois, em 1964 resolvi bater asas sozinho, abandonar o ninho, e fui ser
secretário num curso preparatório ao Banco do Brasil, onde também era pau para
toda a obra.
Em 1965, fui admitido numa
cooperativa bancária que na época funcionava exatamente como um banco, e
novamente percorri setores como caixa, contas correntes, e na saída do
tesoureiro, fui empossado como tal. Tinha apenas dezenove anos e uma
responsabilidade imensa, como, por exemplo, a chave do cofre forte e até a da
agência.
Os donos eram dois judeus,
Joel Gelbaum e Herman Sztajn, pessoas ótimas que me ensinaram como ter
responsabilidades, e chegaram ao ponto de deixar o “coração” do banco deles na
minha mão. Era eu quem abria agência e,
às vezes, às 22 horas, ainda estava na tesouraria fechando o caixa. Foi uma
experiência ímpar e uma gratidão eterna àqueles dois homens que forjaram a
responsabilidade na minha vida.
Em 1967, o Banco Central
extinguiu esse tipo de banco e um dos donos, Joel Gelbaun, foi ser diretor num
banco S.A. me carregando com ele a tiracolo. Era uma época turbulenta no
sistema bancário, com muitas fusões. Trabalhávamos num dia numa razão social e
no dia seguinte acordávamos comprados por outra. Essas situações conflitantes
começaram a me desagradar, e no início de 1969 pedi demissão e resolvi estudar
idiomas.
Sem nenhuma pretensão no horizonte, escolhi o inglês e o italiano, e fui à luta.
Morava com os meus pais e me senti seguro para dispor pelo menos por um ano só para estudar. Morávamos em Botafogo e lá nas idas e vindas aos cursos conheci uma linda gaúcha que vinha passar as férias na casa dos tios que moravam no mesmo prédio, eles no segundo e nós no quarto andar. Começamos a sair, passear pelo Rio e ficamos muito amigos.
Logo, as duas famílias se
tornaram amigas, pela proximidade de vizinhança, amizade que perdura até hoje.
Os tios da Nara, a Lilian e o Álvaro (in memoriam) que tinham à época duas
crianças muito lindas, eram extremamente simpáticos e sociáveis.
Eu e Nara saíamos todos os
dias, quando possível, à noite ou durante o dia, e mostrei um Rio, bonito,
gostoso e tranquilo à época, à gauchinha bonita de Novo Hamburgo, que ficou
encantada até com o verde dos semáforos que, segundo ela, aqui eram de um verde
mais bonito. Fizemos muitos programas agradáveis e também nos tornamos grandes
amigos. Até hoje!
Corria o meio do ano de 1969,
continuava meus cursos, sem saber muito bem o que iria fazer da minha vida,
quando certo dia, sentado na poltrona da portaria após ter chegado do curso de
italiano, o Álvaro chegou do trabalho e começou a conversar, me perguntando o
que estava lendo e o que pretendia fazer com os idiomas. Depois de alguns minutos
de conversa, fiquei sabendo que ele era ex-tripulante e naquele momento exercia
o cargo de professor do ensino da Varig. Professor Nelson Álvaro Rodrigues.
E aí... emendou com a
pergunta, "não gostarias de voar na Varig“?
Aquelas palavras soaram como a
abertura do mar morto pelo Moisés e quase caí da poltrona, pois quando
trabalhava no último banco vivia imaginando exatamente isso!
- Mas... o que tenho que
fazer?
- Como já tens dois idiomas,
vais no endereço que vou te dar e acredito que não terás nenhuma dificuldade.
- Não sou brasileiro nato, tem
algum problema?
- Não teria, mas neste momento
estão completas as admissões para os voos internacionais. O que podes fazer é
te naturalizar o mais rápido possível.
Não seria preciso escrever que
naquela noite não consegui dormir e no dia seguinte já estava no Ministério da
Justiça entregando toda a papelada necessária à naturalização. Estaríamos
talvez por volta de junho e teria que correr com os cursos e o meu processo,
para que no máximo em um ano estivesse com tudo pronto. E assim foi recebendo
em julho de 70 o meu certificado e me inscrevendo na Varig em agosto para
iniciar os testes eliminatórios.
No dia 15 de outubro de 1970,
portanto, há cinquenta e um anos e com vinte e quatro (de idade) estava sendo
admitido na Pioneira e iniciando uma vida de sonhos.
E a Nara?
Bem, a Nara se casou, teve
três filhos, continua morando na área de Novo Hamburgo, está feliz da vida e
nos falamos quase todos os dias pelo WhatsApp.
E a esposa do Álvaro, a sempre
inesquecível Lilian? Continuamos nos falando por telefone.
Vida de sonhos e amigos de
sonhos.
Título e Texto: José Manuel – Sempre há um anjo voando em nosso entorno. O meu, pousou ao meu lado naquele dia. Novembro de 2021
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