Alexandre Garcia
Quem quer que leia a Constituição vai perceber que decisões da mais alta corte não estão batendo com o que está escrito na lei maior. Essas discrepâncias vinham sendo comentadas nesses últimos tempos como denúncia de que algo está errado. Em Lisboa, num simpósio jurídico, o ex-presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli [foto], mostrou às claras o que vem acontecendo: o Supremo é o poder moderador da República. O poder moderador que tivemos foi na Constituição de 1824, em que o Imperador, estando acima dos poderes, poderia intervir em conflitos e manter a harmonia entre eles. Ele era o quarto poder. Se o Supremo, hoje, é o poder moderador, então ele abarca, ao mesmo tempo, dois poderes - mesmo sem ter, para isso, o voto que é a origem do poder.
O Imperador não fazia ativismo
político, não alterava a Constituição, não inventava leis nem mandava prender,
como tuitou o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança. Ademais, não há
registro algum na Constituição a erigir um poder moderador - como afirmou a
presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, deputada Bia Kicis.
O jurista Ives Gandra Martins, ao interpretar o art. 142 da Constituição,
entende que esse poder é das Forças Armadas, como “garantia dos poderes
constitucionais”. Não foi um ato falho do ministro Toffoli; afinal, ele estava
falando de Lisboa para o Brasil; mais parece uma proclamação de que o poder
moderador é o Supremo - embora sem apoio na Constituição e muito menos no voto.
Toffoli também afirmou que o sistema de governo no Brasil é o semipresidencialismo - embora ele tenha se referido ao adjetivo semipresidencial. Na terra de Camões poderia ser mais cuidadoso com a língua. Isso é verdade. A constituinte que acompanhei escreveu uma base de sistema parlamentar com uma emenda presidencial. E criou o seguinte princípio: o presidente, que tem a responsabilidade pelo governo, não tem os poderes para governar; o Congresso, que não tem essa responsabilidade, é que tem esses poderes. O presidente Sarney, no dia da promulgação, quando o entrevistei, disse: “Com esta Constituição, o Brasil fica ingovernável”. Ele foi o primeiro semipresidente. Nélson Jobim, que foi o relator executivo, me disse que os constituintes estavam sob a síndrome do autoritarismo, e enfraqueceram o chefe do Executivo.
É uma agressão à
representatividade do povo, origem do poder, que o exerce diretamente ou por
seus representantes eleitos, como está no primeiro artigo da Constituição.
Ora, hoje, presidentes eleitos
com mais da metade dos votos válidos nomeiam seus auxiliares e tomam decisões
administrativas que têm sido vetadas pelo “poder moderador”. Não custa lembrar
que no referendo pós-constituinte, o sistema presidencial teve 70% dos votos.
O ex-presidente da Câmara Aldo
Rebelo, ex-ministro do PT e ex-PCdoB, no seminário do Instituto Villas-Bôas,
que conduzi sexta-feira, pregou um governo com presidente forte, com democracia
“pois o Brasil não aceita ditadura de ninguém, de patrões ou trabalhadores, de
militares ou do judiciário. Só democracia”. E democracia não comporta
imperadores mandando nos poderes eleitos.
Título e Texto: Alexandre
Garcia, Gazeta do Povo, 23-11-2021
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-