terça-feira, 14 de dezembro de 2021

[Estórias da Aviação] O gordão de nariz em pé

José Manuel

O DC-10 era um avião maravilhoso e nos trouxe grandes alegrias, tanto empresarialmente, à VARIG, como conforto aos passageiros e, por que não dizer?, a toda a tripulação tanto técnica como de serviço, com seus avanços tecnológicos para a época.

Aeroporto de Zurique

Apesar de sua silhueta pesada, por conta daquela turbina enorme na cauda, era um avião super avançado com facilidades a todos e uma confiabilidade ímpar em segurança, demonstrada ao longo dos anos em que permaneceu ativo na empresa, tanto na configuração full-pax ou cargueiro, na VARIGLOG.

Toda aeronave, voa com Nose UP em voo de cruzeiro, o que pode variar de 1 a 5 graus, a fim de aumentar a sustentação nas asas, mas aquele nosso gordão já foi chegando com o nariz em pé mesmo, afinal viria mudar todo o perfil da aviação comercial no Brasil. Para melhor!

Literalmente um avião com nariz em pé!

Logo após a decolagem era impossível se levantar dos jump-seats das portas 4LR e se dirigir ao nariz do avião, pois a ladeira era muito forte e difícil de vencer.

Já em voo de cruzeiro "nivelado graduado", os comissários sofriam para puxar os meal-carts, o que com o tempo resultou em alguns problemas ortopédicos a alguns tripulantes de cabine.

Em 9 de novembro de 1986, num show aéreo no aeroporto de Jacarepaguá, três bravos e experientes tripulantes da VARIG, o Comandante Derito, o Comandante Waltemath, ambos infelizmente in memoriam, mais o engenheiro de voo Airson, colocaram tanto o DC-10, como a própria VARIG, nos anais da história ao acrobaticamente, fazerem uma passagem baixa memorável, com "260 toneladas" a menos de dez metros do solo, levando o público presente ao delírio.

Ali naquele momento, ficou provado o acerto da empresa na compra daquela aeronave espetacular, bem como o formidável preparo técnico de seus tripulantes.

Nada igual jamais será visto!

Voltando ao voo normal, fora o mal-estar da inclinação inicial, era um avião gostoso, com um serviço de bordo espetacular e desenvolvido para a sua configuração padrão de três cabines.

Mas, também era uma aeronave, sujeita a turbulências, nada que não fosse administrável pelos nossos tripulantes técnicos, mas certamente desconfortável aos passageiros e tripulantes de cabine.

Neste equipamento voei, alternando com o B-707 e o B- 747 (jumbo) de 1975 até seus últimos momentos na Pioneira.

Eu não posso escrever por outros, mas no tempo que o voei, tive apenas dois episódios de incidentes graves causados por fenômenos meteorológicos.

O primeiro, por volta de 1985, fazíamos um voo para o México, com escala em Bogotá, num dia esplendorosamente azul, um céu de brigadeiro para ninguém botar defeito.

Voo lotado como sempre e eu trabalhando na primeira classe, nesse dia fora da minha tripulação fixa, pois peguei esse voo numa prontidão.

O dia estava tão bonito que após o serviço e já com Bogotá no horizonte claríssimo, resolvi ficar na porta da cabine de comando para apreciar aquela aproximação e mais algum tempo o pouso suave.

Em segundos, tudo se apagou e fui parar dentro do porta casaco esquerdo junto ao toilette, e muitos gritos chegando aos meus ouvidos sem que soubesse sequer o que tinha ocorrido. Apenas senti uma pressão muito forte me jogando para cima e a seguir, outra pressão também forte, me empurrando contra o piso. Foi questão de segundos e quando tudo serenou, consegui sair dos porta casacos, vi que não estava machucado e instintivamente corri para a econômica, passando pela executiva, não sem antes verificar num relance, que tudo estava aparentemente normal no Cockpit, na primeira classe e que os gritos vinham lá de trás.

Já na executiva o cenário não era dos melhores, com passageiros se sentindo mal, vomitando e machucados, mas sendo atendidos.

Continuei, e o cenário ia piorando na medida que avançava na econômica, algo que jamais passou por minha cabeça ver, desde painéis do teto deslocados, até vários braços de poltronas retorcidos pela queda de passageiros sem cinto, sobre eles, encosto de poltronas quebrados e principalmente muita gente machucada.

Vislumbrei que o pior deveria estar na galley aonde quando cheguei já estavam retirando o Cássio Castro debaixo dos carts, caixas e toda a sorte de materiais. Estava com um corte profundo no rosto e quase desmaiado.

Outros colegas apresentavam machucados leves e medo estampado em seus olhares.  Enfim, fomos fazendo o que era possível, em atendimentos pessoais e tentando arrumar o que havia se deslocado de seus lugares originais.

Ao entrar em um "Jet stream", sofremos uma queda de dois mil metros e um retorno ao nível original em segundos.

Não tenho a menor ideia de quantos "G" de aceleração e desaceleração sofremos, só sei que foi muito forte.

Pousando em Bogotá, alguns passageiros, mais três tripulantes, como o Cássio, a Hebe e outro que não me recordo, foram hospitalizados.

O Cássio teve de se submeter a cirurgia plástica reparadora do rosto, ficando algum tempo em Bogotá.

Não sei de quem foi a ordem de prosseguir para o México, se foi de Operações ou do Comandante, mas sei que foi temerário e insensível, pois a tripulação estava fragilizada, fomos com menos três e a aeronave danificada nas duas cabines traseiras. A meu ver a aeronave teria que ser submetida ao raio X estrutural, antes de voar novamente.

Tanto isso é verdade que a galley traseira desse avião sofreu um recuo estrutural de 10cm.

Mas, fomos até à cidade do México e voltamos graças a Deus sem novo incidente.

Um ano depois, no inverno europeu de 1986, junto com o Kelmer e a Irene, numa pisada de bola de Operações, já que em Roma estava um inverno terrivel e todo mundo sabia que em Milão com vários metros de neve, estourava os encanamentos de casas e hotéis.

Mesmo assim, com Malpensa aberto nos mínimos, fizeram com que o Comandante Cristiano decolasse de Roma para Milão.

Nosso avião estava até "ao talo" de passageiros e o pequeno trecho até Milão ocorreu normalmente.

Mas... na aproximação para o pouso a poucos metros do solo, e com visibilidade quase zero, batemos com a cauda numa montanha de neve que havia se formado horas antes na cabeceira da pista. Foi uma pancada forte e a inclinação da asa esquerda foi batendo na neve acumulada, danificando superfícies de comando como os flaps.

Graças ao Cristiano & Cia, hoje estou relatando aqui minhas memórias sobre esse “incidente".

Não precisaria escrever que deu pernoite para conserto, porém, para ilustrar, tiramos fotos na escada da estação 1L e ao nosso lado havia um avião da polonesa LOT, totalmente coberto pela neve. O trajeto para o hotel foi feito através de um corredor feito por máquinas, e a Neve de um lado e do outro do nosso ônibus, quase chegava à janela.

Então, tripulação e passageiros acomodados em hotéis, a hotelaria de Milão agradecia a generosidade da VARIG em ter feito o que ninguém faria, naquelas condições, atmosféricas.

É bem verdade que poderia ter sido pior e hoje, quase 300 nomes poderiam estar escritos em alguma lápide na Itália.

Título e Texto: José Manuel – Foi então que descobri que Deus era brasileiro e Variguiano até ao "talo"!
Neste texto colaboraram a Comissária Vera De Marchi, esposa do Engenheiro de voo, Airson, e o engenheiro de voo V. S. Rocha (Rochinha). Os meus agradecimentos. Dezembro de 2021

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A primeira greve de fome em 2013 
Como entrei na Varig e os meus amigos inesquecíveis 
Os quatro motores pararam de funcionar em pleno voo! 
A quadrilha no hangar 
Tenerife, O MAIOR acidente aéreo de todos os TEMPOS 
AF 447 - A história do ACIDENTE que MUDOU a aviação comercial 

Um comentário:

  1. Do B-707 fui promovido (sic...) para os A-320,
    Já estva com 2 semanas de curso, quando eu e o f/e Arelino fomos convocados para fazer um cargueiro de 707 para Frankfurt, FELIZMENTE saindo dauela Bosta que era o A-320.
    Saí do 707 para o DC-10 um avião maravilhoso.
    Sou suspeito ao dizer que a Boeing e a Douglas fazem aeronaves e a Airbusfaz trambolhos aéreos.
    No ano passado o DC-10 fez 50 anos de seu primeiro voo.
    Sua maior operadora foi a FEDEX que ainda tem cerca de 8 voando.

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