Ao contrário do que se possa pensar, a CNN Portugal não será um canal como outro qualquer. Ele insere-se numa lógica global, que é inimiga da diversidade. Um dia, a televisão em Portugal será dominada por grandes marcas de informação mundiais
José António Saraiva
Na segunda-feira à noite o
claustro do Mosteiro dos Jerónimos foi palco de uma festa de arromba. Esteve lá
meio mundo. Há pessoas que gostam de aparecer, de ser vistas, e não perdem
estes acontecimentos mundanos. Esperam ansiosamente por um convite para lá ir,
que constitui a prova de que são ‘importantes’.
A festa destinava-se ao lançamento da CNN Portugal – um canal de televisão que substituía a TVI 24. Entrevistados em direto pela TVI, os convidados disseram naturais banalidades. Enalteceram a credibilidade da CNN, a qualidade dos comentadores da CNN, a força da CNN, a mais-valia que a CNN traz ao mercado televisivo português.
Não houve uma única voz que
tivesse a ousadia de levantar dúvidas. O que se compreende: não ficava bem a um
convidado ser desmancha-prazeres e questionar o anfitrião.
Mas a instalação da CNN em
Portugal levanta interrogações a vários níveis.
Em primeiro lugar, a CNN não é
tão isenta como se faz pensar. Nos Estados Unidos, a estação tornou-se uma
espécie de porta-voz do Partido Democrático. A sua informação durante o
trumpismo foi sempre convenientemente orientada. Os seus comentadores eram
declaradamente afetos aos democratas e hostis em relação a Donald Trump.
Em segundo lugar, a CNN
tornou-se a nível mundial uma correia de transmissão do pensamento
politicamente correto. O contraditório não é a sua marca. É o instrumento de
uma ideologia planetária, que constitui nos dias de hoje uma das maiores
ameaças à liberdade.
Finalmente, é mais um instrumento da colonização do país pela cultura yankee.
Até aos anos sessenta, a
cultura francesa era claramente dominante em Portugal. Nos liceus ensinava-se o
francês desde o 1º ciclo, enquanto o inglês só começava a ser ensinado no 2º
ciclo. Mas a partir de 1960 – e de uma forma quase abrupta – tudo se
alterou.
O cinema americano impôs-se e
expulsou das salas o grande cinema italiano, o cinema francês, mesmo o cinema
espanhol e outras pequenas cinematografias europeias.
Na música, a canção de língua
inglesa – com origem no Reino Unido ou nos EUA – tomou conta das antenas das
rádios. Com grupos como os Beatles ou os Rolling Stones, e cantores como Bob
Dylan ou Cliff Richard, seduziu as novas gerações e varreu rapidamente do mapa
a grande música francesa, a música italiana, a música espanhola.
Nos liceus, nas universidades,
o inglês substituiu o francês. E hoje, em muitas faculdades, já são dadas aulas
em inglês. E em algumas grandes empresas a língua inglesa foi adotada como
‘língua oficial’.
Ora, neste quadro, a
instalação em Portugal da CNN é mais um passo na colonização de que temos vindo
a ser objeto.
Até aqui, bem ou mal, sempre
tivemos as nossas marcas no mercado da televisão: a RTP, a SIC, a TVI, a CMTV…
foram estações criadas por portugueses, com investimento maioritariamente
português, com uma lógica portuguesa.
É verdade que a TVI já teve a
Prisa espanhola como acionista maioritária – mas esta entrou com o comboio em
andamento, com a estrutura montada, não foi ela que criou o canal.
Com a CNN, o caso é
diferente.
É a primeira estação
estrangeira a instalar-se com a sua marca no mercado português – como se
instalaram antes, no ramo da restauração, a McDonald’s ou a Pizza Hut.
Nestas situações, o lay out
dos estabelecimentos é definido pela marca, a logística é montada pela marca,
as fardas dos empregados são desenhadas pela marca, as listas são elaboradas
pela marca. E com a CNN Portugal acontecerá certamente o mesmo. A organização,
a estrutura hierárquica, os cenários, a lógica da informação e da programação
serão orientados desde fora. Os portugueses serão meros executores de
diretrizes emanadas do estrangeiro.
A CNN Portugal será pois mais
um instrumento da colonização do país pela cultura americana. E um instrumento
poderoso, pois a televisão formata muito as opiniões.
Ao contrário do que se possa
pensar, a CNN Portugal não será um canal como outro qualquer.
Ele insere-se numa lógica
global – que, como todas as lógicas globais, é inimiga da diversidade. Um dia,
a televisão em Portugal será dominada por grandes marcas de informação
mundiais, com as quais as nossas estações não terão possibilidade de
competir.
A CNN é uma espécie de vírus –
que, de repente, chegou a Portugal e tende a impor a sua cultura, os seus
princípios, num fenómeno de padronização da informação a nível planetário.
Isto é só um começo. Como
sucede com a globalização, a tendência será para a institucionalização, no
limite, de um pensamento único.
Título e Texto: José
António Saraiva, Nascer do SOL,
1-12-2021
A CNN, seja a americana ou a brasileira, é ridícula. Quem ainda assiste ao redondinho Brian Stelter? Ao irmão do governador do Estado de Nova Iorque, Christopher Cuomo? Ao penteadinho Anderson Cooper? Ao cínico Jake Tapper? Almost nobody
ResponderExcluirO mesmo acontece no Brasil, onde é a terceira ou quarta estação assistida.
A CNN, enfim, é uma albergaria chique para os militantes fantasiados de jornalistas.
O franchising em Portugal me parece mais ridículo ainda: um canal já estabelecido, transfigura o seu canal de notícias 24h em... CNN Portugal. Com as caras e bocas mais vistas na televisão portuguesa. 😊