Da Venezuela à Coreia do Norte, tiranos permanecem firmes no poder, apesar de toda a pressão contrária
Dagomir Marquezi
Adolf Hitler se matou com uma bala na cabeça, num bunker de uma Alemanha destruída pela guerra. Benito Mussolini levou um tiro e seu corpo foi pendurado de cabeça para baixo, com sua amante Claretta, numa praça de Milão. Nicolai Ceausescu foi fuzilado no Natal de 1989, em Bucareste. Saddam Hussein, enforcado em Bagdá. Muammar al-Gaddafi, capturado numa tubulação de esgoto, espancado e morto em Sirte, na mesma Líbia que governou com mão de ferro.
Ditaduras costumavam cair. E
ditadores muitas vezes foram punidos pelos seus atos. Agora, aparentemente,
eles permanecem em seus palácios para sempre. Quantas vezes já se anunciou que
Nicolás Maduro cairia, como consequência da destruição que promoveu na
Venezuela? Quantos analistas sérios não previram que as massas esfomeadas da
Coreia do Norte derrubariam o regime comunista nesses quase 74 anos de tirania?
Pois Maduro continua firme no Palácio Miraflores, comendo seu filé-mignon e se lixando para a destruição do país, iniciada pelo antecessor, Hugo Chávez. Em Pyiongyang, o jovem bem nutrido Kim Jong-un toma champanhe cercado de miséria, com a certeza de que nenhum país vai mexer com seu regime, graças ao arsenal de armas nucleares e mísseis intercontinentais, que tratou como prioridades.
O que mudou? A jornalista e
historiadora americana Anne Applebaum (formada em Yale e pela London School of
Economics) decidiu tentar responder a essa pergunta em um longo artigo para a
revista Atlantic. O panorama que ela traça é preocupante.
Applebaum cita como exemplo típico dessas “novas ditaduras” o que aconteceu com a Bielorrússia. O país de 9,3 milhões de habitantes, que fazia parte da União Soviética, era administrado desde 2000 pelo “ex-comunista” Alexander Lukashenko, com sua política à base de paternalismo e promoção pessoal. Em 2020, ele venceu uma eleição (obviamente fraudada) com 80% dos votos.
No dia 9 de agosto, uma
multidão de 1 milhão e meio de bielorrussos — 16% da população — saiu às ruas,
farta de Lukashenko. Foi uma festa de cidadãos comuns, seguros de que o país ia
se livrar do velho líder bigodudo. Policiais jogavam seus distintivos no lixo
público. Jornalistas entraram em greve.
Protestos contagiosos
Nove dias depois, pousou na capital, Minsk, um avião a serviço da FSB — o órgão russo de segurança e repressão que substituiu a antiga KGB. O avião trazia uma equipe enviada por Vladimir Putin para ensinar a Lukashenko novas técnicas de controle e repressão. Os jornalistas em greve foram substituídos por russos (a maior parte da população entende a língua). Esses jornalistas, em todas as mídias, começaram a falar as mesmas coisas — numa coordenação semelhante ao “consórcio”, que conhecemos. Eles afirmavam que os manifestantes contra as eleições fraudadas estavam — surpresa! — a serviço dos imperialistas americanos e outros “inimigos estrangeiros”.
Lukashenko seguiu as
diretrizes que deram certo na Rússia de Putin. Em vez de realizar prisões em
massa, os órgãos de repressão passaram a escolher alguns poucos alvos para
serem presos, torturados ou mortos. Quem ainda pretendia protestar passou a
ficar em casa, apavorado e apático, certo de que nada mais poderia ser mudado.
Segundo o artigo de Anne
Applebaum, Lukashenko e Putin nunca se bicaram, “mas sabem que protestos
democráticos podem ser contagiosos. Acreditam que, se forem derrubados, poderão
ser presos ou mesmo mortos”.
Com a assessoria russa,
Lukashenko preencheu aos poucos as cadeias com 800 prisioneiros políticos. Usou
de tortura, estupro, rapto e assassinato para constranger qualquer forma de
oposição. Hoje, não conhece mais limites. Sequestrou um avião irlandês para
prender um jovem dissidente. Obrigou refugiados afegãos e iraquianos a invadir
países vizinhos que dão trabalho ao ditador.
A Bielorrússia de Alexander
Lukashenko é apenas um exemplo de como funciona essa rede de regimes que se
apoiam mutuamente, e se tornam cada dia mais difíceis de serem derrubados.
Segundo o artigo da Atlantic, o perfil dessas tiranias mudou
radicalmente.
“Hoje em dia, autocracias não
são comandadas por um bandido”, escreve Applebaum, “mas por sofisticadas redes
compostas de estruturas financeiras cleptocratas, serviços de segurança
(militar, policial, grupos paramilitares, vigilantes) e propagandistas
profissionais. Os membros dessas redes são conectados não só dentro de um
determinado país, mas em vários países. Empresas estatais corruptas fazem
negócio com outras empresas estatais corruptas. A polícia em um país pode
armar, equipar e treinar a polícia de outro. Os propagandistas dividem recursos
— as fábricas de memes que promovem a propaganda de um ditador, por exemplo,
podem fazer a propaganda de outro. E martelam as mesmas mensagens sobre a
fragilidade da democracia e a maldade da América.”
Autocracia S.A.
Essas ditaduras, sempre
conectadas a atividades criminosas, agem em rede. “Não existe uma sala
supersecreta onde os vilões se reúnem, como num filme do James Bond”, prossegue
Anne Applebaum. “Nem existe nessa nova aliança autocrática uma ideologia
unificadora. Entre os modernos autocratas existem pessoas que se dizem
comunistas, nacionalistas e teocratas. Nenhum país lidera esse grupo.
Washington gosta de falar de uma influência chinesa, mas o que realmente une os
membros desse clube é o desejo comum de preservar e aumentar o poder pessoal e
a própria riqueza. Ao contrário das alianças militares e políticas de outros
tempos, os membros desse grupo não agem como um bloco, mas como uma aglomeração
de companhias — vamos chamá-la de Autocracia S.A. Seus elos não são cimentados
por ideais, mas por acordos — para burlar os boicotes econômicos do Ocidente,
ou para fazê-los pessoalmente mais ricos —, e é por isso que eles podem operar
além de linhas geográficas e históricas.”
Nas ditaduras de hoje, essa
preocupação com a própria imagem não tem mais importância
Essa rede, segundo Applebaum,
permite que as ditaduras amigas apoiem umas às outras. A Bielorrússia hoje é um
pária internacional. Seus aviões não podem pousar no resto da Europa. Seus
produtos não podem ser vendidos nos EUA. Mas a China rega o país de dinheiro
com um de seus maiores projetos de desenvolvimento. Os regimes do Irã e de Cuba
são apoiadores entusiasmados de Alexander Lukashenko, e dizem que ele é vítima
da “interferência externa”.
A Venezuela de Nicolás Maduro é outro exemplo didático dessa impunidade. O país está isolado da comunidade internacional. Mas recebe empréstimos e investimentos da Rússia e da China, além de facilidades da Turquia e tecnologia de repressão da ditadura cubana. “O tráfico internacional de drogas mantém o aparelho do regime bem abastecido de produtos de luxo”, segundo o artigo da Atlantic.
Os mais velhos sabem que o
regime soviético se preocupava e muito com sua imagem no mundo. Fazia de tudo
para ganhar medalhas olímpicas e dar shows na corrida espacial. Nas ditaduras
de hoje, essa preocupação com a própria imagem não tem mais importância. Elas
se defendem com acusações rasas. Os inimigos do regime do Irã são “infiéis”. Os
inimigos dos regimes de Cuba e da Venezuela são “imperialistas”. E ponto final.
Tem muita gente no Ocidente que os apoia, alguns até de graça.
O pacote chinês
Já existe até um “modelo Maduro de governo”. Ele consiste em aceitar que o próprio país entre em falência com o colapso econômico e a miséria generalizada — desde que o regime permaneça no poder. Esse mesmo “modelo Maduro” foi adotado pela Síria de Bashar al-Assad e pelo Afeganistão dos talibãs. Deu certo até agora para todos eles, que reinam sobre ruínas.
Um caso claro do que Anne
Applebaum chama de Autocracia S.A. é representado pela questão da minoria
muçulmana uigur, na China. Os uigures tinham uma rota de escape para a Turquia
quando fugiam da perseguição implacável da ditadura chinesa. O presidente turco
Recep Erdogan chegou a chamar o regime comandado por Xi Jinping de “genocida”.
Em 2014, Erdogan mudou. Passou
a agir como um ditador dentro da União Europeia e a colaborar com os chineses,
entregando os refugiados uigures aos seus carrascos. Em 2020, Pequim negociou
com a Turquia um carregamento de vacinas contra a covid-19 em troca de um
tratado que facilitasse a deportação de uigures. Mais ou menos o mesmo
aconteceu em outros países islâmicos, como o Paquistão, os Emirados Árabes
Unidos, a Arábia Saudita e o Egito. Entre a solidariedade aos muçulmanos
uigures e o dinheiro da China, eles nem piscaram na decisão.
“Para autocratas e candidatos a autocratas ao redor do mundo, o governo chinês oferece um pacote”, escreve Anne Applebaum. “Parece mais ou menos assim: concorde em apoiar a política da China em Hong Kong, Tibete e contra os uigures. Compre equipamentos chineses de vigilância. Aceite o maciço investimento chinês. Então, sente-se e relaxe, sabendo que não importa quanto sua imagem fique ruim aos olhos da comunidade internacional de direitos humanos, você e seus amigos continuarão no poder.”
Applebaum conclui que os chineses
não estão se limitando a fazer acordos de interesse mútuo com ditadores. Hoje,
eles têm poder de decisão para impor sua vontade em estúdios de cinema e órgãos
esportivos como a NBA.
A autora termina seu artigo na
Atlantic com um alerta: “Se os americanos não ajudarem a levar regimes
criminosos à Justiça, esses regimes irão continuar com um senso de impunidade.
Continuarão a roubar, chantagear, torturar e intimidar não só dentro de seus
países, como dentro dos Estados Unidos”. E do Brasil.
Título e Texto: Dagomir
Marquezi, revista
Oeste, nº 94, 7-1-2022
Em Brasília tem uma cambada de vadios e sem vergonhas que deveriam ser dependurados.
ResponderExcluirCarina Bratt
Ca