sábado, 8 de janeiro de 2022

O eterno 6 de janeiro

A esquerda (do partido) democrata precisa manter a chama desse dia acesa para justificar todas as medidas pregadas para alterar drasticamente o modelo político americano

Rodrigo Constantino

Neste dia 6 de janeiro completou um ano aquele fatídico episódio da invasão do Capitólio. Apoiadores de Trump marcharam até o Congresso, instigados pelo próprio presidente, que falou em dar um recado claro, ainda que reforçando a importância de todos irem pacificamente. A revolta se deu por suspeitas de fraudes eleitorais, que Trump alimentou por semanas, e que de fato encontravam respaldo em dados estranhos. 

Uma minoria se insurgiu e acabou furando o pequeno bloqueio policial. O que se seguiu foi lamentável para a democracia. Uma turba ensandecida invadiu o Capitólio, congressistas correram em pânico e cinco pessoas morreram, com várias sendo presas. Os democratas e a mídia tentaram responsabilizar Trump pelo ocorrido, mas investigações não encontraram nenhum elo direto com o ex-presidente.

Não obstante, a esquerda segue martelando sobre isso até hoje, e nesse aniversário houve um esforço coordenado para reviver aqueles momentos tensos. É como se aquele triste dia justificasse todo abuso do sistema contra Trump, as narrativas falsas de conluio com os russos, a suposta ameaça à democracia, sua denunciada inclinação fascista. O que querem é retratar aquele caso isolado como uma consequência inevitável da eleição do magnata outsider. 

A esquerda precisa do dia 6 de janeiro, que ele seja eterno. Não por acaso, o NYT publicou editorial alegando justamente isso: que todo dia é dia 6 de janeiro, ou seja, que o risco à democracia continua, que o perigo segue rondando a América. Esse alarmismo é seletivo: todos, inclusive a imensa maioria republicana, estão de acordo que aquele dia 6 foi terrível, que aquelas cenas não são aceitáveis. Não há grupo significativo que tenha aplaudido aquilo.

Mas esses jornalistas e políticos não se lembram do que aconteceu quando o governo Trump foi inaugurado? Houve quebra-quebra, pedras jogadas nos vidros dos prédios e cerca de 200 pessoas presas! Ali a democracia não estava ameaçada? E nos protestos violentos após a morte de George Floyd? E nas manifestações incendiárias do Black Lives Matter? E no terrorismo espalhado pela Antifa, grupo que se diz antifascista enquanto adota cada tática fascista? Nesses episódios todos a democracia estava segura, garantida?

Eis, no fundo, do que se trata tudo isso: a esquerda democrata precisa manter a chama do 6 de janeiro acesa para justificar todas as medidas pregadas para alterar drasticamente o modelo político americano. Essa turma acredita numa “democracia” direta, populista, pretende abolir o Colégio Eleitoral, acabar com o filibuster e todos os mecanismos de freios e contrapesos republicanos idealizados pelos “pais fundadores” justamente para evitar o risco de uma “ditadura da maioria”, alertado por pensadores como Tocqueville.

Vale notar que essas bandeiras democratas são casuístas. O líder democrata Chuck Schumer, por exemplo, já atacou os republicanos por sugerirem acabar com o filibuster no passado, um instrumento da oposição minoritária capaz de postergar votações importantes para garantir mais debate sobre o tema. Schumer chegou a dizer que acabar com esse mecanismo, inspirado no Senado romano, era acabar com a democracia americana. Mas hoje ele quer fazer exatamente isso!

Os democratas, cada vez mais radicais, lutam para transformar a América numa “república das bananas”

Os democratas também querem vetar qualquer mudança para obrigar maior controle de identidade na eleição, alegando que isso seria “preconceito”, como se minorias não pudessem ter documentos legais — ou talvez eles desejem justamente os votos dos ilegais. Aliás, a esquerda vem lutando para reduzir cada vez mais a diferença de direitos políticos entre cidadãos e residentes, mesmo os ilegais, o que foi um fator importante da queda da república romana.

Todas as ideias de mudanças radicais propostas pelos democratas encontram ampla resistência, e por isso eles precisam puxar da cartola o 6 de janeiro. É a senha para tentar quebrar as resistências e justificar sua revolução. Em nome da defesa da democracia, querem acabar com a democracia como a conhecemos. Para salvar a América dos “fascistas”, pretendem destruir a América criada pelos seus fundadores. Para resguardar a liberdade de expressão, querem calar aqueles que “espalham fake news”, ou seja, destruir a Primeira Emenda.

Os democratas não escondem que desejam até “empacotar a Suprema Corte”, ou seja, aumentar o número de juízes para diluir uma maioria conservadora. Esses ataques às principais instituições republicanas do país são muito mais nocivos e perigosos ao sistema republicano americano do que uma centena de protestantes raivosos que se deixaram levar pela emoção e se excederam no dia 6 de janeiro. Mas esses manifestantes deram a desculpa perfeita para a revolução democrata em curso, que visa a substituir cada dispositivo criado para impedir a “ditadura da maioria”.

Os democratas, cada vez mais radicais, lutam para transformar a América numa “república das bananas”, com um modelo cada vez mais similar ao dos países latino-americanos. E quem se opõe a esse avanço populista é logo colocado contra a parede: então você quer a volta do 6 de janeiro, não se deu conta do perigo fascista que nos ameaça? O 6 de janeiro é o espantalho perfeito para a verdadeira destruição da república americana, uma meta democrata.

Título e Texto: Rodrigo Constantino, revista Oeste, nº 94, 7-1-2022 

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