sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

[Aparecido rasga o verbo] Quem quiser que conte outra...

Aparecido Raimundo de Souza

— NA DERRADEIRA VEZ
em que estive em visita a um hotel de Salvador — expõe, muito sério e compenetrado, o Arnóbio Carijó, ao amigo Torquato Lambreta — e isso não faz muito tempo, conheci o Padilha Comichão... um sujeito de estatura alta, magro até dizer chega, os cabelos brancos e ralinhos... lembrava o velhote dono da lancha da canção do Tierry.
Torquato Lambreta, sorriu à lembrança da melodia citada:
— Que nome estranho! Vai ver o pai dele não queria ter filho e a mulher engravidou só para segurar o trouxa e salvar uma pensãozinha mensal. De raiva, o camarada enfurecido grafou esse nome na certidão de nascimento do desditoso.

— Pode ser. Não descarto totalmente essa sua ideia. O que me intrigou e atiçou a curiosidade, não outras coisas senão as conversas que ouvia das camareiras, logo cedo, quando descia para o desjejum.
— Me conta. O que elas fofocavam?
— Que o hóspede do duzentos e treze, toda noite promovia uma farrinha em seu quarto...
— Farrinha? Como assim?
— Segundo a galera da limpeza, o Padilha Comichão levava, a tira colo, ninfetas diferentes para servirem de “cobertores de orelhas. Imagine, o filho de uma égua gostava de variar nos “rabos-de-saia”... e ele, nesse particular, não fazia distinção de raça, cor, credo, estado civil ou idade...

— Esse é dos meus. Se eu pudesse também agiria como ele. Nada melhor que uma ou duas gatinhas bem extrovertidas, tantos nos modos, como nas horas do “vamos ver na horizontal”, para que as nossas energias se renovem e a gente se sinta vivo...
— Concordo como você...
— Até ai morreu Cezar. Vai ver essas engraçadinhas da pousada fariam qualquer coisa para estarem no lugar de uma dessas vadias. Estou errado?
— Em parte você tem toda razão, Torquato Lambreta. O que me deixou com um pé atrás, outro na frente, e ambos entortados para lugar nenhum, na verdade, vieram a ser os desfechos inusitados dos balanga beiços que me chegavam aos ouvidos quando cruzava pelos corredores.

— Desfechos inusitados?
— Sim. As serviçais contavam que ele, antes de subir, passava no Mercado Modelo, ali perto do Elevador Lacerda e comprava, de um ambulante, uns pacotinhos de abelhas à milanesa.
— Abelhas à milanesa?
— Isso mesmo, Torquato. Abelhas à milanesa. Ele teria dito a uma das recepcionistas, que as guloseimas davam uma repaginada no cansaço, deixava o corpo inteiro quente e o melhor de tudo, “aquilo” eletrificado e ele, homem quase a dobrar o Cabo da Boa Esperança, se sentindo como um jovem de dezoito.

— Vai ver o idiota estava de sacanagem. Falou para jogar lenha na fogueira, corroborar o seu charme calculado e ver se “pegava de jeito” uma das “inocentes” que trabalhavam no período noturno.
— A principio juro à você que pensei nessa possibilidade. Todavia, por volta das nove horas, quando as dondocas rebolativas se dispunham a arrumarem o quarto dele, um inferno. Davam com as paredes, as toalhas, a cama, os lençóis e os travesseiros, enfim, tudo existente no quadrado, ensopado em puro mel.

— ?!
— Calma, Torquatão. Antes que fale alguma coisa, deixa eu terminar. As raparigas que passavam a noite com ele, iam embora enraivecidas, em face dos cabelos e as roupas, inclusive as íntimas, estarem enchafurdadas do precioso alimento. O mais estrambótico vem a seguir: as zeladoras, ao promoverem a geral, relatavam ao gerente que nenhuma garrafa com o produto chegou a ser encontrada, e agora pasme, a não ser asas e mais asas, apenas asas e asas de abelhas espalhadas por todos os cantos!...

Torquato Lambreta a essa altura do bate papo, fascinado pela intensidade da expressão brincalhona do amigo, cismou, de repente, que ele discretamente gozava da sua ingenuidade. Não se faz de rogado. Abandonou o estado de distração e emendou o momento seguinte trazendo um acontecido meio que sem pé nem cabeça, porém, se por acaso ambos se desentendessem, o fato pitoresco salvaria a cordialidade, sem deixar sequelas. Lado outro, se verdade ou mentira, o que relataria em prolongamento, sobreviveria ao embaraço de um possível rompimento prematuro de uma amizade que durava anos e anos ininterruptos:
— Em Osasco, onde passei sete dias num hotelzinho perto da estação de trens da antiga Sorocabana, travei amizade com o Perigoto. Toda noite antes de dormir o abençoado comia doze, treze, às vezes quinze ou mais ovos cozidos. Fiquei bestificado! Pense num Mané bestificado. Eu!
— Meu Deus!
— Dia seguinte, as primeiras horas, depois que o Perigoto saia para cuidar dos seus negócios, as criadas ao irem limpar o quarto, se transformavam em feras incontroláveis. Encontravam um monte de pintinhos alvoroçados pipilando sem dar tréguas. Meu prezado, uma trabalheira dos diabos, para catarem todas as criaturinhas e restabelecerem a paz e a ordem para não perturbarem os outros albergados. Tal fato se deu em todos os cinco dias em que o Perigoto esteve hospedado.

Não sem tempo, uma luzinha acendeu na cabeça de Arnóbio Carijo. Mesmo sentido, e, igualmente deduzindo que o Torquato Lambreta “tirava um sarro”, da sua pessoa, optou por não entregar os pontos. Fez o jogo dele. Entrou de cabeça e, em contínuo, para não perder o pique, atonou com uma nova ocorrência, o que deixaria o amigo sem ter, pelo menos de imediato, o que responder:
— A melhor, mesmo, amigo Torquato, eu presenciei mês passado em Ouro Preto, nas Minas Gerais...
Torquato Lambreta, incentivou para que o amigo seguisse adiante. Abriu de vez a brecha do “vai em frente”:
— Sou todo ouvidos...
— Me familiarizei com uma linda mulher. Tinha uma espécie de tendência à inocência que a tornava vulnerável. Solange, o nome da beldade. A inimitável, aí pela faixa dos trinta, a meu ver, carregava consigo um estômago de avestruz, como se diz para quem come de tudo e sai rindo de um canto a outro da boca...

Torquato Lambreta, sem perder o humor e a paciência, queria saber, sem mais delongas, como acabaria, no final, toda aquela patacoada tola e disparatada:
— Prossiga, prossiga...
— Seus hábitos alimentares deduzi de primeira, andavam à flor da pele, tão impacientes quanto a barriga em formato de gravidez de gêmeos . Por conta disso, sei lá, talvez, ela comia, na janta, juntamente com um prato de arroz e feijão... minhocas vivas. Imagina que loucura, minhocas! Cheguei a presenciar tal insanidade várias vezes. Por Deus, meu amigo, eu jamais beijaria uma tresloucada como aquela. A Solange, depois do que contemplei ao vivo e a cores, passou a ser “solonge”. Imagine o bafo...

Ambos os amigos caíram na mais espalhafatosa gargalhada. Se fez, então, chegada a vez de Torquato Lambreta dar o troco saboreando a conclusão da fantástica aventura:
— Pois é, meu amigo. Nem eu conseguiria entrar no clima e tascar nessa preciosa, um beijo, ainda que superficial... mas e daí? Quero saber... o que acontecia no dia seguinte?
Arnóbio Carijo, antes de prosseguir, se viu diante de um par de olhos negros e brilhantes prontos para saltarem sobre os seus e os arrancarem das órbitas:
— As responsáveis pela higienização dos quartos, não conseguiam entrar na suite onde ela dormia. Aliás, não passavam da porta. O que tinha de cobras rastejando... amigo, olhe para mim... me dá arrepios, só de pensar...

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, Espírito Santo. 11-2-2022

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