Aparecido Raimundo de Souza
NÃO SEI QUAIS os motivos, mas o fato
concreto e verdadeiro é que fumo desesperadamente. Meus familiares costumam
dizer que ‘como o vício com arroz e feijão’. Até certo ponto, é verdade. Devoro
com farinha e cerveja, batatas fritas e salada de alface. Longe deste patamar,
tudo não passa de brincadeira. Meus pares inventam, aumentam. Na real, não sou
nervoso, não tenho tiques paranóicos, não bebo café, com coca-cola, nem entro
ou saio do armário quando vejo baratas andando pela casa. Apenas fumo igual um
desmiolado. Cinco carteiras, por dia, ou mais, uma média de cem cigarros,
claro, sem contar os que tomo dos conhecidos, nos encontros e esbarrões, pelas
ruas da vida.
Por conta, consumo muitos fósforos
de fricção, ou sejam, aqueles palitinhos curtos e finos, de madeira, que
carecem de uma lixa na parte externa a base de dextrina e trissulfeto de
antimônio II. Se alguém do meu convívio se desse ao trabalho de colocar um
palito atrás do outro, em fila indiana, daria umas boas voltas ao redor do
mundo. Por conta dos cigarros e dos palitos, guardo, em casa, um amontoado de
receptáculos vazios. O porteiro do prédio onde resido, vive dizendo que se eu
levar meu saco de caixinhas a uma dessas instituições de caridade, consigo
trocar as embalagens por uma cadeira de rodas para um cadeirante.
O fato é que fumar em excesso está
provocando, em meus pés, uma azia dos diabos, além de contribuir, para que a
cirrose hepática aumente assustadoramente no funcionamento dos meus órgãos
genitais. Dizem, os médicos, que o sujeito que fuma, está se expondo ao câncer.
Quem para de fumar, se expõe a uma espécie de fungo burguês irreversível, que
ataca os olhos, e, na maioria das vezes, deixa a pessoa completamente surda dos
intestinos. Entre ficar surdo, por ter parado de fumar, prefiro provocar, por
mais algum tempo, o tal do câncer e não deixar os pulmões morrerem, até porque,
se isto acontecer, acabarei numa casa de recuperação para viciados, essas
arapucas tipo sanatórios para doentes mentais irrecuperáveis.
Cruz em Credo, três vezes! Mas a
coisa não está totalmente perdida. Ainda resta uma janela a ser aberta.
Acredito, muito em breve, poder me livrar deste vício nojento, e, creio mesmo,
neste começo de semana. Um amigo comum, me mandou, pelo correio, nesta
sexta-feira, um cinzeiro antitabagista que comprou, às dúzias, quando esteve em
um mercado de bugigangas em Changhai. Segundo informações preliminares, quem
tem em casa um desses cinzeiros mágicos, ao acender um cigarro, leva um pito,
ou dito de forma mais formal, toma um esporro em quatro idiomas distintos:
inglês, francês, hebraico e, obviamente, na lingua pátria, o chinês.
Se for verdade, assim que a
encomenda chegar, devo esperar que algum conhecido entendido numa dessas
línguas faça a devida tradução do fabricante, para que eu possa, finalmente,
usufruir cem por cento do fabuloso invento. Uma outra coisa, todavia, me deixou
preocupado, além da questão de ler a bula com as instruções na íntegra. Meu
amigo disse, por telefone, que preciso, pelo menos, adquirir umas dez peças (a
primeira que me está enviando é brinde),
já que, ao tentar levar um cigarro à
boca, logo ao tirar a caixa de fósforos, ou o isqueiro, de um compartimento
especial que vem acoplado, uma célula fotoelétrica disparará um dispositivo
sonoro bastante irritante. Mais enervante que a voz de Lula querendo provar que
não é Ladrão de casaca e nunca teve parentesco com Arsène Lupin.