terça-feira, 12 de outubro de 2021

[Estórias da Aviação] 12 de abril de 2006 – o dia em que meu mundo desabou

José Manuel

Há datas que a gente quer esquecer, apagar da memória, mas infelizmente neste caso não somos uma obra tecnológica criada pelo homem, como um computador, por exemplo, em que nós simplesmente "deletamos" aquilo que não nos interessa, não nos faz bem.

Não, nós somos o " homem " que criou essas máquinas maravilhosas. Nós somos o que não se pode esquecer, não há como o fazer.  Nosso cérebro é simplesmente “indelével".

Essas marcas carregamos pela vida inteira num vai e vem nostálgico ao sabor do nosso estado de espírito. Infelizmente!

Naquele malfadado 12 de abril de 2006, eu que já estava aposentado do voo desde 2002, acordei, fiz o meu desjejum e aí pelas 10 horas da manhã me sentei à frente do computador para fazer coisas de rotina.  Essa imagem está cristalizada em meu cérebro e consigo ver como se numa regressão estivesse, no momento em que escrevo isto, com todos os detalhes muito claros.

Ao tocar neste assunto, fica muito claro que é um assunto super desagradável, mas memórias são memórias e precisam ser colocadas para fora a fim de liberar meu HD natural, e suprimir mais um fardo da minha existência.

Tenho total consciência de que naquele momento em que vi a notícia, aproximadamente vinte mil pessoas sentiram a mesma coisa: um vazio profundo na alma.

Porém não posso escrever por ninguém e este espaço é absolutamente meu e de minhas memórias. Assim me sinto mais confortável para continuar.

A notícia, em 12 de abril de 2006:

A Secretaria de Previdência Complementar (SPC) do governo federal determinou, nesta quarta-feira (12/4), a intervenção no Instituto Aerus de Seguridade Social e a liquidação extrajudicial dos planos de benefícios patrocinados pela Varig, o que representa o encerramento deles.

Naquele exato momento vi na minha frente como se fosse uma tela holográfica, tudo o que construí durante 32 anos, ser posto na lata do lixo, por criminosos empoderados. Vi a minha casa em construção, virar uma ruína, vi o meu filho adolescente perder o direito ao estudo, ao seu futuro. Vi mais, vi todo o futuro da minha família entrar em colapso. Vi tudo isso, mas não aceitei!

Como assim?! Um órgão da própria União responsável diretamente pelo meu fundo de pensão está me penalizando por ele mesmo não ter cumprido as suas obrigações?! Não, definitivamente não deixaria isso tão barato assim. E não saiu!

E não vai sair enquanto eu viver, o que não significa que eu não saiba quem está ou não nessa luta.

Não me acovardei e parti para a minha luta. Escrevi centenas de textos, quase um por dia sobre o assunto, para chamar a atenção e colocar os verdadeiros guerreiros na rua, pois enfrentar o imponderável era o dever de todos.

Tudo está arquivado em modelo jornalístico  na revista virtual "Cão  que Fuma", do Jim Pereira, nosso colega em Lisboa, para pesquisa.

Fiz três  greves de fome no Santos Dumont em 2013, tema de um próximo texto, até que tivesse pelo menos uma luz no horizonte. E consegui!

Aeroporto Santos Dumont, 1-7-2013

Juntei alguns cacos, raspei o meu cofre e montei uma empresa para me sustentar enquanto lutava. Fui um sucesso na minha área, entre as onze lojas mais bonitas da cidade, segundo o próprio Sebrae. Mas claro, que os mesmos criminosos que torpedearam a VARIG, não gostavam de coisas bonitas e também acionaram um míssil em cima de mim. Em 2015 também tive de fechar, como a Pioneira, mas aí já estava coberto pela tutela.

E por falar em tutela, já que as feridas têm de ser expostas por força da memória, que tal confessar e honrar nossos corações, nossa história, aceitando que a nossa tutela existe graças a um grupo de abnegados da Transbrasil que impuseram uma ação Civil Pública e uma derrota à União? E nós, donos dos fundamentos primários do Aerus, o que fizemos?

Ficamos esperando que o STF, desse ao Aerus o ganho da Tarifária? Deram, e daí, onde está o nosso ressarcimento até agora?


E se não existisse a ação Civil Pública, como estaríamos? Naturalmente esperando a Tarifária ser homologada e nós famintos, na miséria, enterrando nossos entes queridos?

É tão certo isso quanto eu estar aqui agora escrevendo, e faço uma homenagem a todos os colegas da Transbrasil, apenas.

A minha memória, extremamente lúcida e honesta de princípios, também me pede para clarear de uma vez por todas aquilo que muitos acham que a culpa do colapso do Aerus foi da própria VARIG, por não ter repassado os valores devidos. Balela, pura balela.

Como em tudo na vida, há momentos em que você não pode só receber. Você, dependendo do momento, também tem que dar, até para salvar o seu futuro. É assim que funciona!

Por que pagaram à Transbrasil R$ 750 milhões de defasagem tarifária e entraram com recursos e mais recursos para não pagar à VARIG. Por que o BNDES recusou empréstimo à VARIG, quando ela tinha ativos superiores como garantia? A nossa empresa lutou bravamente para subsistir a todos os ataques possíveis e imaginários e, claro, em algum lugar os provimentos iriam faltar na tentativa de não acontecer o que conhecemos de sobra. Só quem passou por isso, como eu, sabe o que significa tirar "leite de pedra".

A empresa estava lutando desesperadamente contra um banditismo mafioso, cruel, especializado em lesar tudo que viesse pela frente, não lhes interessando o quê e quem.

Sempre os mesmos, os donos do poder à época e responsáveis pelo maior assalto a um país, na história das nações modernas. Precisa continuar?

Quando o STF deu ganho de causa à VARIG, na tarifária, ela iria cobrir todo o passivo do Aerus, com os três bilhões à época que receberia da União

E tanto isso é verdade, que a VARIG ao sentir que iria sucumbir deixou ao Aerus, aos funcionários a Tarifária e um legado corrigido, de quase quinze bilhões a nos serem pagos, com aval do próprio Supremo.

Tenha orgulho da sua Empresa. Proteja a sua memória.

Agora, quando vamos receber?

É só lembrar da Transbrasil, e ir à luta, sem ficar reclamando em redes sociais!

Felizmente hoje em dia, nós temos uma associação, a APRUS, ressuscitada e resgatada pelo Thomaz Raposo, em 2011, das cinzas da hipocrisia e que seria usada antes apenas como alavanca para se locupletarem ao Aerus, em tempos de PT. Agora, completamente saneada e com gabarito suficiente para enfrentar o futuro, é o único porto seguro que temos.

E o futuro, chama-se inteligência gerencial, no sentido de saber cutucar a União, na lei e na hora certa, para que aqueles quinze bilhões voltem ao Aerus e aos nossos bolsos.

Perdemos a nossa empresa, mas não vamos perder nosso futuro.

Quem achar que o Aerus, ou meia dúzia de abnegados da APRUS, sozinhos, irão resolver o recebimento dos nossos ativos que ora estão retidos com a UNIAO, está muitíssimo enganado. E só para lembrar, a tutela está sujeita aos humores de terrivelmente evangélicos ou puxa-sacos de plantão por cargos públicos em governos vigentes, apesar de estarmos sob o manto da justiça. E não esquecer de 2019, quando tentaram atropelar essa mesma justiça que nos protege.

A hora mais do que nunca é de união de todos, para não revermos uma tela holográfica em nossa frente, às 10 horas da manhã como em 2006.

O melhor a fazer é trabalhar com inteligência pelo seu futuro, exatamente como fizeram os colegas vencedores da Transbrasil.

Título e Texto: José Manuel – Lamento decepcionar, mas quem afirma tudo o que está aqui escrito não sou eu, mas as evidências, que pouquíssimos prestaram atenção no decorrer da nossa tragédia anunciada. Outubro de 2021

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