Pedro Passos Coelho
Nenhuma política económica é imune à
incerteza, seja com origem em fatores externos, seja resultado de eventos
internos menos controláveis.
Quando um decisor define o
quadro da política económica que pretende prosseguir é importante que as suas
escolhas de política possam conter margem de flexibilidade e de segurança para acomodar
respostas a alguns choques mais adversos. É, pois, muito importante deixar
espaço para introduzir correções de política que possam revelar-se
indispensáveis, tanto para assegurar metas inicialmente estabelecidas como para
amortecer o impacto negativo de eventos mais relevantes.
É quando uma economia se
apresenta com fundamentais menos sólidos ou vulnerável a choques adversos que
aumenta a necessidade de incluir uma margem de segurança. E, então, a atitude
otimista de simplesmente confiar na "sorte" pode dar origem a um
grande "azar" e é certamente uma grande irresponsabilidade.
Essa é, exatamente, a situação
em que nos encontramos hoje em Portugal.
Durante demasiados anos
acumulámos desequilíbrios graves. Em face da crise externa espoletada em 2007,
deixámos, a partir de 2011, de conseguir gerir esses desequilíbrios na margem
de segurança da política económica e fomos forçados a pedir ajuda externa. Para
reganhar a confiança dos mercados, dos nossos parceiros europeus e do FMI, sem a
qual não voltaríamos a ter autonomia crítica nem financiamento, tivemos de
passar tempos de aperto muito graves. E de dar mostras convincentes de que
estávamos a alterar condições estruturais que permitiriam resolver a falta de
competitividade e de responsabilidade política e económica que estiveram na
origem dos nossos problemas.
Agora que o conseguimos,
estamos numa fase crítica, sujeita a grande vigilância. É uma fase em que
precisamos de levar mais longe a capacidade para atrair o investimento externo
e para exportar bens e serviços para o resto do mundo. Precisamos também de
manter e reforçar as reformas estruturais que melhorem as perspetivas de
crescimento sustentável e elevem a nossa capacidade de crescer e gerar mais e
melhor emprego. Ao mesmo tempo, isso irá permitir-nos reabsorver o legado da
dívida, pública e privada, e do desemprego estrutural deixados pela
persistência dos erros passados que nos conduziram à crise. Precisamos ainda de
manter e reforçar a confiança de todos os parceiros, bem como dos próprios
portugueses, evitando "recaídas" e o reabrir de feridas internas e
externas.
Infelizmente, a maioria
política que hoje tem a responsabilidade pela política económica e financeira
está a dar demasiados sinais contrários a esta perspetiva. Está, aliás, mesmo
apostada em desfazer o que de estrutural nos permitiu sair da crise e reganhar
a confiança dos parceiros e assim aumentar os riscos no de-senvolvimento de
metas orçamentais e no mundo da estabilidade financeira e bancária. Não espanta,
por isso, que tenha vindo a aumentar a desconfiança dos investidores externos e
dos nossos parceiros europeus e que a credibilidade política esteja a ser
beliscada.
Isto tem já tradução,
infelizmente, em resultados preocupantes. O investimento travou a grande
velocidade nestes últimos meses e o dinamismo das exportações, mesmo incluindo
os problemas do mercado angolano, começou já a ser afetado negativamente. Em
consequência, o ritmo do crescimento caiu, o que nos colocará pior do que no
ano passado. A criação de emprego, tal como o saldo externo, sofreu uma
inversão negativa. As reprimendas europeias começaram a marcar a perceção
global do país, que passa de cumpridor e previsível a problemático e incerto.
É sintomático que se fale em
sanções europeias contra Portugal. É preocupante que as nossas taxas de juro da
dívida tenham descolado de Espanha e de Itália, para ficarem cada vez mais
próximas das da Grécia. É totalmente desolador que os responsáveis governamentais
exibam satisfação por verem inalteradas as notações das agências de
"rating" ou por estas não desgraduarem Portugal, quando devíamos era
estar a sair de "lixo" e a qualificar o investimento na economia
portuguesa.
A falência do modelo
socialista, suportado e alimentado pela esquerda radical, está à vista após
seis meses de governação: a economia entrou num ciclo de definhamento. Só vir a
ter alguma sorte não chegará para evitar uma deterioração maior da situação, e
o azar de as coisas não correrem bem dependerá menos do acaso e mais das
decisões adotadas.
O facto de o Governo falar a
duas vozes, uma para dentro, satisfazendo clientelas políticas radicais, e
outra para fora, procurando acalmar a desconfiança crescente dos investidores e
dos parceiros, complica ainda mais a situação. Aqui, o excesso de
"habilidade" e de "equilibrismo" não são disfarçáveis e
contribuem para acentuar uma imagem negativa de "chico-espertismo"
que é imerecida para os portugueses e desvirtua os enormes esforços por eles
realizados.
A retórica contra a
austeridade como fundamento para a inversão de estratégia nacional também não é
credível, até porque toda a gente sabe que a austeridade foi o que nos legaram
aqueles que conduziram o país à pré-bancarrota. O que nos afasta da repetição
desse tipo de desastre não é a retórica antiausteritária nem a dissimulação
económica e financeira fundada em agravamentos de impostos, mas antes a ação
reformista e determinada, qualquer que seja o seu grau de conformação
programático ou ideológico compatível com uma economia social de mercado e com
as regras do espaço europeu que habitamos.
Não ficar à mercê do acaso e
alargar a margem de segurança da política económica implica trabalho, esforço e
persistência, mas não, necessariamente, grandes sacrifícios como os que tivemos
de realizar no passado recente. É apenas exigida vontade e uma linha coerente
para a política económica. Não ceder ao curto prazo, aos interesses
corporativos instalados nem ao radicalismo também ajuda. E é meio caminho
andado ter bom senso para encarar a realidade e poder alterá-la com
equilíbrio.
Devemos fazer por merecer
alguma sorte, que sempre será bem-vinda. Mas devemos tudo fazer para descartar
que o azar nos possa bater à porta com mérito, que devemos fazer por
desmerecer.
Título e Texto: Pedro Passos Coelho, Presidente do PSD,
Jornal de Negócios, 31-5-2016
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