Marcelo Ambrosio, JB
![]() |
Nova Iorque, 11-09-2011. Foto: DR |
Costumo acompanhar o que o
pessoal de bordo escreve na internet, é uma maneira de saber como pensam os que
vivem profissionalmente a 35 mil pés fora das cabines de controle. Uma
comissária americana, dona de um blog, escreveu um artigo para a CNN hoje no qual
fala o que mudou na mentalidade dos seus colegas de trabalho desde o dia em que
quatro tripulações completas viraram reféns e depois cordeiros de sacrifício em
nome da Jihad patrocinada por Osama Bin Laden.
Heather Pole tem uma visão,
para mim, até nova em relação ao assunto. Para começar, não fala da sua
atividade com uma atitude policialesca, como vários outros comissários
americanos - e tive oportunidade de presenciar isso na prática - passaram a
ostentar. Isso porque uma das reações aos atentados nos EUA foi dinamitar o
conceito de justiça ao estender o papel de xerife de bordo aos comissários
dentro do famigerado Patriot Act.
Por essa regulamentação,
qualquer distúrbio a bordo poderia ser interpretado pela tripulação, munida de
autoridade policial, como atentado à segurança de vôo, consequentemente uma
ameaça à segurança nacional. Isso valia aos incautos passageiros, a maioria
bêbados ou intoxicados pela combinação de remédios para dormir com álcool e a
altitude, três meses em isolamento em uma cadeia de Bangkor, no Maine - boa
parte dos casos era jogada lá por ser um local muito isolado - e um julgamento
severo e kafkiano.
Contei aqui da passageira,
presa e sentenciada, que teve os dois filhos pequenos entregues para adoção
depois de discutir com a comissária que a advertiu por ter dado uma palmada em
um deles. Ela ficou presa em uma cadeia da costa oeste, enquanto os dois
meninos, depois de enviados para uma casa correcional em Honolulu, Havaí, foram
dados pela Justiça a outra família. Tudo isso ocorreu porque as crianças
tomaram uma dura da mãe ao derrubarem o copo de bebida que ela tinha. A
comissária interferiu e ouviu um "não se meta". Poderosa, liquidou a
ameaça à hierarquia de bordo e a família de uma vez.
Heather Pole fala que, desde
os ataques, passou a se concentrar nas decolagens em algo que poderia usar para
evitar que terroristas a subjugassem. Garrafas de vinho pequenas quebradas,
café quente atirado na cara, assentos usados como escudo, tudo isso fazia parte
do plano B contra a Al Qaeda - um medo, aliás, justificável se considerarmos
que o comando liderado por Mohamed Atta há dez anos tomou quatro aviões com o
uso de singelas facas Olfa. Deu certo porque parte do treino dos terroristas,
em bases no Afeganistão, consistia em degolar ovelhas usando o mesmo acessório.
A comissária relata a ocasião
em que notou um passageiro que ia e vinha algumas vezes ao banheiro com um saco
do McDonald´s nas mãos. Ela reportou a suspeita e, no pouso, o sujeito foi
preso. Não se sabe se ia fazer algo ou não, mas havia comprado apenas a
passagem de ida, em dinheiro, e havia se matriculado em um curso de pilotagem
na Flórida - tal qual Atta e seus comandados fizeram. Pole destaca isso como
uma espécie de perda de inocência e conta ainda que, no treinamento, em vez de
aprenderem como servir bem, os comissários agora recebem lições de caratê.
Suspeita razoável é a palavra-chave.
Se formos observar esse mesmo
efeito fora dos EUA, a distensão foi maior nesses dez anos. Há cuidado com a
segurança, mas ela é menos paranóica e obsessiva do que a que enfrentamos em
deslocamentos para os EUA. Recentemente, ao seguir para Miami, tive o
passaporte checado cinco vezes antes do embarque: antes do check in, no próprio
check in, na Polícia Federal, no acesso ao finger e dentro do finger, antes do
avião - nesse caso por pessoal de segurança independente tanto da companhia
quanto do aeroporto. Em junho, ao seguir para Londres, foram só três checagens
e olhe lá. Não é desleixo, apenas precaução na medida.
Os atentados atingiram fundo a
aviação americana, embora dados recentes da Iata apontem mais um ano de
crescimento, em torno de 7%, desse mercado. A comissária afirma, no entanto,
que a rentabilidade melhorou às custas de uma piora nas condições de trabalho,
com mais sobrecarga e menos descanso. Para os passageiros, o serviço piorou.
Texto: Marcelo Ambrosio, Blog do JB “Slot”,
06-09-2011
Colaboração: Pierre Pereira
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-