José Luís Peixoto
Acredita, Brasil, nós não somos tão caretas assim. Talvez não saibas
mas, às vezes, em certas ocasiões, até nos chamam o "Brasil da
Europa".
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Arte: Rita Bell |
Nós não somos tão caretas
assim. Desculpa esta frase intempestiva, descontextualizada, mas não sabia bem
como começar. Mas é isto, nós não somos tão caretas assim, garanto-te. Já te
disse que sou português, é nessa qualidade que te dou esta garantia. Por
exemplo, nós não somos todos padeiros. Já imaginaste um país em que todos os
habitantes fossem padeiros? Se pensares um pouco, tenho a certeza de que
concordarás que não é razoável, não faria qualquer espécie de sentido. Que
conversas teriam essas pessoas ao jantar? Outro exemplo: nós já não estamos no
tempo dos descobrimentos. Desde então, tomámos uma grande quantidade de
decisões e fizemos um número impressionante de coisas, umas boas e outras más.
Eu também concordo que, por um dia ou dois, seria interessante vivermos em
castelos, vestidos de duques e duquesas, a caçarmos javalis, a declamarmos odes
com tom grave e a escandalizarmo-nos com as intrigas da corte. Mas acredito
que, ao fim de pouco tempo, havíamos de nos cansar. As comodidades do mundo
moderno são hoje difíceis de prescindir.
Aproveitando esta carta,
chamo-te a atenção para a consideração que mostramos para contigo. De certeza
que já notaste como uma grande parte dos meus compatriotas, assim que aterram
em ti, ficam doidões. No entusiasmo deles, hás-de reparar que ganhas sempre na
comparação com este pedaço de península. Quando aterram em ti, falam de uma
maneira que até dá a impressão que estavam aqui presos e que eram maltratados.
Muitos começam logo a falar com a tua pronúncia e, claro, a tratar toda a gente
por você. Até eu, que não sou um país, presenciei isto muitas vezes, por isso
acredito que sabes do que estou a falar. Espero que os compreendas, querem
agradar-te e, normalmente, conseguem. Brasil, tu adoras que te elogiem, mesmo
que seja falar por falar, papo furado. Mas, sabes, no caso desses meus
compatriotas, é quase sempre sincero. Em Portugal, sem termos sertão, temos
duplas sertanejas.
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Desembarque de P. A. Cabral em Porto Seguro, óleo de Oscar Pereira da Silva |
Por ti, até mudámos a nossa forma de escrever. Colocámos no desemprego uma enorme quantidade de letras "c" que, noutro tempo, no tempo das escolas profissionais, se especializaram em segurar o "t". E olha que havia um grande número de indivíduos que tinham muita estima nesse "c". Mas, adiante, não se fala mais nisso. O que quero que saibas é que nós gostamos de ti, muito. Gostamos sobretudo daquilo que conhecemos através de telenovelas e de canções. Sabemos das favelas, dos sequestros, mas de forma teórica. Ao contrário de ti, Brasil, nós não nos cruzamos na rua com esses meninos a cheirarem cola ou outras drogas. Antes de chegarmos aí, não conhecemos esse olhar sem futuro que toda a gente expulsa dos pensamentos, esse corpo baixinho e sujo que toda a gente contorna nos passeios da Avenida Paulista.
Acredita, Brasil, nós não
somos tão caretas assim. Talvez não saibas mas, às vezes, em certas ocasiões,
até nos chamam o "Brasil da Europa". Acontece quando falam de futebol
ou de praias, por exemplo. Nós gostamos quando nos chamam assim porque achamos
que é uma forma de nos acharem divertidos e descontraídos. Estou a falar a
sério. Acredita, por favor. Irias ficar admirado se soubesses o quanto somos
considerados descontraídos pelos suecos. Brasil, proponho-te um exercício. Não
precisas de responder em voz alta, guarda a resposta para ti, mas pensa: o que
sentirias se alguém te chamasse o "Portugal da América do Sul"?
E, já que estou em maré de
pedidos: para com essas piadas de portugueses, por favor. Não têm graça
nenhuma. A sério, não têm graça. Eu, por acaso, até conheço pessoalmente as
personagens dessas piadas. Tanto o Manuel, como o Joaquim, como a Maria, com ou
sem bigode, são figuras que vale a pena conhecer. Quando estão inspirados, têm
muito mais graça do que o Jô Soares.
Título e Texto: José
Luís Peixoto, revista Visão, nº 1010, de 12 a 18 de julho de 2012
Blogue de José Luís Peixoto
Revista Bravo, nº 177
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José Luís Peixoto, revista "Bravo", nº 177, maio de 2012 |
Revista Bravo, nº 177
Comercial da Optimus: Aldeia
Global
Edição: JP
Indicação: Hilda Torres Publicado também no Blog de João Bosco Leal
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O Brasil, considerado por dezenas de anos, país de ladrões e prostitutas, conhecido por ter uma povo que não gosta de trabalhar e que não é sério, de repente se tornou interessante para quem sempre rejeitou seus filhos, a comunidade européia.
ResponderExcluirResta saber se o povo brasileiro vai 'abrir as pernas' e se deixar 'invadir' mais uma vez pelos europeus e tratá-los como superiores em detrimento do nosso povo. E depois, mais uma vez, termos que escutar que não prestamos, quando não precisarem mais.
Circe Aguiar
Sabe, sobre chamar o brasileiro de ladrão, às vezes fico recordando, nunca tivemos países cujas riquezas pudemos explorar durante décadas. Ao contrário, sempre fomos explorados.
ResponderExcluirMe pergunto sempre aonde foi parar toda a riqueza o que o Europeu retirou da África por dezenas de anos seguidos. Não deveriam estar riquíssimos se fossem honestos? Olha o tamanho da Europa e olha o tamanho do Brasil. A população tb.
Agora que não não tem mais a África para sugar e nem se industrializaram, mais uma vez precisam de nós.
Será que desta vez o europeu vem pra somar ou pra fazer a única coisa que sempre fizeram por toda parte?
Me perdoe a falta de poesia e qq momento de ignorância mas , espero que desta vez o meu povo não seja tão tolo.
Circe Aguiar
Circe, li e reli o texto. Não consegui ver onde o autor chama brasileiros de ladrões ou seja lá o que for... O texto, muito bem escrito, se refere à forma como uma grande parte dos brasileiros "trata" os portugueses... o autor pede ao "Brasil" que pare de contar piadas de português... em momento nenhum o autor deixa transparecer soberba ou arrogância, pelo contrário... sinto-me muito à vontade de escrever sobre este escritor que esteve aí na FLIP, pois não aprecio, nem um pouco, a sua (dele) opção ideológico-partidária...
ResponderExcluirPreciso corrigir uma coisa terrivel que eu escrevi.
ResponderExcluir...Europeu retirou da África por dezenas de anos seguidos. Não deveriam estar riquíssimos se fossem honestos? ...
Quem é honesto não explora ninguém.
Circe Aguiar
Jim,
ResponderExcluirSenti no texto uma vontade de retratar um carinhos dos portugueses pelos brasileiros que nunca existiu.
Em relação as piadas, bem, podem fazer piadas sobre brasileiros também.
Discussões politicas, religiosas e futebolisticas só são produtivas quando feitas por pessoas que compartilham o mesmo pensamento por serem assuntos de pura paixão.
Nacionalismos também.
Talvez vc não saiba mas, o Brasil esta sendo 'invadido' por profissionais europeus, mais uma vez, desde que a Europa começou a quebrar.
O Brasil, se não se cuidar, também vai quebrar pois esta cometendo os mesmos erros.
Quem dera os maiores problemas de relações internacionais fossem piadas.
Circe Aguiar